Um vendedor ambulante percorria os povoados oferecendo remédio contra coice de burro. Instalou-se numa pracinha e começou a gritar com aquela habilidade própria dos charlatões:
– Alô, pessoal! Ouvi dizer que aqui há muito burro brabo. É só a gente passar perto e vem o coice. Mas tenho aqui um remédio infalível. Querem experimentar? Os curiosos se juntavam. Então, ele passou a mostrar um pacotinho bem fechado, dizendo:
– Cada pacotinho destes contém o remédio. Cura quem levou o coice e previne contra coices futuros. O pacotinho custa apenas…E dava o preço de um, de dois, de três pacotes, sempre com o desconto de praxe. Várias pessoas compraram o tal de remédio. Quando chegaram às suas casas, abriram o embrulho e encontraram dentro dele três metros de barbante e um bilhete com o conselho: “Para evitar coice de burro, basta ficar longe do animal, numa distância correspondente ao comprimento deste barbante”. Ludibriados e desapontados, foram atrás do vendedor para lhe dar uma surra. Mas o espertalhão já havia sumido da praça.
No 12º Domingo do Tempo Comum, continuamos com a leitura de um trecho do evangelho de Mateus. Para entender melhor as palavras de Jesus aos seus apóstolos, precisamos lembrar quando e como os evangelhos que chegaram até nós foram colocados por escrito. Eles não são simplesmente a gravação daquilo que o Mestre ensinou. Vários fatores contribuíram até chegar à redação final. Em primeiro lugar, obviamente, a tradição oral, ou seja, a “memória falada” das palavras e do exemplo de Jesus que as primeiras testemunhas contavam. Em segundo lugar, muito importantes eram também as diversas situações que as comunidades estavam vivenciando. Nos momentos bons ou difíceis, os cristãos se perguntavam o que o Mestre teria dito e feito. Nós também não lembramos toda hora tudo o que os nossos pais, avós e educadores nos ensinaram; lembramos aquilo que nos questiona e preocupa naquele momento. Em outra circunstância, lembramos outras palavras. Entendemos, portanto que, se no trecho do evangelho deste domingo, são repetidas três vezes as palavras de Jesus “não tenhais medo” é porque, provavelmente, aquelas comunidades, onde o evangelho de Mateus foi escrito, estavam passando por momento difíceis de dúvidas, desistências e perseguições.
Ser cristão significava, muitas vezes, arriscar a própria vida. Ainda hoje, nós veneramos os mártires: aqueles e aquelas que derramaram e derramam seu sangue por causa da fidelidade à própria fé. É muito bonito e encorajante ouvir Jesus dizer que ele mesmo irá se declarar a favor deles diante do Pai. Não devemos ter medo daqueles “que matam o corpo” (Mt 15,28). Devemos ter medo, sim, de desistir da fé e abandonar o Caminho que leva à Verdade e à Vida. Outro medo que sentiam era a respeito daqueles ensinamentos que eram transmitidos secretamente. Tinham pessoas que realizavam feitiçarias, magias e adoravam misteriosas “forças ocultas”. Sempre, o que não está claro, que é sussurrado, que não se pode dizer, suscita incertezas e pavor. Jesus, porém, diz que nas questões da fé cristã não tem nada de escondido, ao contrário, a Boa Notícia do amor de Deus e do seu Reino deve ser proclamada com coragem e ousadia. Nos dias de hoje, Papa Francisco acaba de agregar ao “martirológio” católico, os nomes de 21 mártires de outra Igreja, a Copto-ortodoxa, porque eles, afinal, foram mortos por causa do único Senhor Jesus Cristo.
A respeito de devoções a imagens que choram, crenças em supostas mensagens celestiais comunicadas interiormente a alguma pessoa e, muitas vezes, partilhadas como “novos segretos” nunca antes revelados, a nossa Igreja nos convida sempre à prudência e ao bom senso. Antes de acreditar cegamente precisa avaliar a situação, sobretudo quando aquela manifestação, supostamente “do céu”, rende algum lucro para o ou a vidente. Os únicos segretos da nossa vida de fé são os que guardamos em nossa consciência quando rezamos e confiamos na misericórdia de Deus. Cuidado, o resto pode ser como o “remédio infalível” do charlatão, só um engano.
Por Dom Pedro José Conti
Fonte: Diocese de Macapá