Cultura

Artigo de Dom Pedro José Conti: Não vos deixarei órfãos (Jo 14,18)





Reflexão para o 6º domingo de Páscoa| 14 de Maio 2023 – Ano “A” 

O velho e sábio Abba João dizia aos seus discípulos:

– Vejam, o primeiro golpe que o diabo deu em Jó aconteceu contra os seus bens, e ele viu que Jó não se entristeceu e não se distanciou de Deus. Com o segundo golpe, ele atacou o seu corpo, mas também nesse caso o valente atleta não pecou com nenhuma palavra que saiu de sua boca. No interior de si mesmo, ele tinha aquilo que é de Deus, e se alimentava disso sem cessar.

No evangelho de João, que a Liturgia nos propõe no Sexto Domingo da Páscoa, Jesus diz que vai pedir ao Pai para enviar o Espírito Santo que ele chama de “outro Defensor” e de “Espírito da Verdade”. O Espírito “permanecerá” junto com os féis e “estará dentro” deles. Essa “presença interior” será a garantia de que eles não ficarão órfãos. No final do trecho, Jesus volta a ligar a observância aos seus “mandamentos” com o amor que torna possível a participação dos discípulos na comunhão amorosa do Pai, do Filho e, podemos dizer, também do Espírito Santo. Entendemos facilmente que a página do Evangelho de João, escolhida para este Domingo, vai nos preparar para celebrarmos as próximas solenidades de Ascensão e Pentecostes. No entanto, lembramos que o evangelista João coloca a promessa do “dom” do Espírito Santo aos discípulos durante a Última Ceia, ou seja, antes da sua Paixão e Morte, e a “entrega” do Espírito quando estavam reunidos “ao entardecer” do dia de Páscoa. Não devemos procurar uma “concordância” absoluta entre os escritos do Novo Testamento, porque cada autor tem o seu jeito de nos transmitir a sua mensagem. Isto é o mais importante.

A primeira consideração que faço, diz respeito à promessa de Jesus de não deixar “órfãos”, em outras palavras, desamparados, os seus amigos. Sem dúvida essa foi a grande angústia que os discípulos sentiram com a morte de Jesus. Evidentemente, a presença visível dele dava segurança. Ele era o Mestre que falava “com autoridade” (Mc 1,22). Só que o tempo da presença física de Jesus tinha chegado ao fim; agora ele era o crucificado-ressuscitado que participava da glória junto ao Pai (Jo 20,17). De fato, essa é a situação de todos os cristãos que vieram depois, ou seja, a nossa. Nunca encontraremos o Cristo em carne e ossos neste mundo. Nem “aparições” e nem “fantasmas” nos devem perturbar. Acreditar, portanto, em uma “nova” presença do Senhor é decisivo para a nossa fé. É por isso que sempre devemos lembrar “como” e “onde” o próprio Jesus disse que estaria presente. A lista inicia com a comunidade de fé (Mt 18,20), passa pela Palavra e a Eucaristia e chega aos pobres e sofredores. E tem mais. Com o “dom” do Espírito Santo, não somente Jesus não quis nos deixar órfãos, mas quis estar “dentro” de nós. Essa é a inestimável novidade da nossa fé que, às vezes, esquecemos.

Ser cristãos não é simplesmente cumprir um conjunto de normas, costumes e ritos, externos a nós. Todas as crenças e religiões têm tudo isso. Para nós cristãos, ter o Espírito Santo, o Espírito de Jesus “dentro” de nós significa, no mínimo, ter consciência daquilo que São Paulo já escrevia aos Coríntios na sua primeira carta: “Não sabeis que vosso corpo é santuário daquele que habita em vós, o Espírito Santo que recebestes de Deus e que não pertenceis a vós mesmos? De fato fostes comprados por alto preço! Glorificai, portanto, a Deus no vosso corpo”(1Cor 6,19-20). Quando lembramos disso? Talvez tenha lugares onde nunca levaríamos nossos filhos… Situações nas quais nos encontramos e que fariam envergonhar os nossos pais… No entanto, nós, batizados e crismados, estamos lá, nós, “santuários” do Espírito Santo. Esse é o lado negativo, as nossas indignidades.

Graças a Deus, porém,  com certeza, têm muitos lugares e situações onde a presença dos cristãos é uma bênção, é verdadeira ação do Divino Espírito, é bondade, compaixão, misericórdia. Podemos acreditar que quando sofremos por praticarmos o bem e a justiça, quando lutamos para construir a paz, estamos simplesmente deixando acontecer e transparecer a santidade daquele que é o Santo, puro amor. Sejamos agradecidos. Não estamos sozinhos, estamos muito, mas muito mesmo, bem acompanhados e fortalecidos.

Por Dom Pedro José Conti

 

Fonte: Diocese de Macapá