Para "responder às necessidades do nosso tempo" e "para tornar operativas" as situações decorrentes dos compromissos internacionais assumidos pela Sé Apostólica "com as renovadas exigências que um aspecto tão específico requer", o Papa emitiu neste sábado, 13 de maio, memória de Nossa Senhora de Fátima, uma nova Lei fundamental para o Estado da Cidade do Vaticano. Francisco renova assim a "Constituição" do Estado vaticano, substituindo a de 26 de novembro de 2000 de São João Paulo II, que por sua vez sucedia a emitida em 7 de junho de 1929 por Pio XI.
Uma nova reforma, portanto, que se insere no quadro das numerosas reformas desenvolvidas durante esses dez anos de pontificado. A Lei é, de fato, preparada e formulada para dar "fisionomia constitutiva" ao Estado, aos seus poderes, ao exercício das funções, e "assume e completa" as atualizações normativas já emitidas e os perfis institucionais tornados operativos no Estado com a reforma da Lei sobre as Fontes do Direito, da Lei sobre o Governo do Estado e da Lei sobre o Ordenamento Judiciário. O próprio Papa explica isso ao apresentar os 24 artigos:
"Chamado a exercer, em virtude do munus petrino, poderes soberanos também sobre o Estado da Cidade do Vaticano, que o Tratado de Latrão colocou como instrumento para assegurar à Santa Sé uma independência absoluta e visível e para garantir a sua soberania também no campo internacional, considerei necessário emitir uma nova Lei Fundamental para responder às necessidades dos nossos dias".
A intenção é garantir aos atos e atividades que são próprios do Estado a "necessária autonomia" exigida pelas funções do Estado.
Como na "Constituição" de 2000, o Papa confirma "a plenitude do poder de governo do Sumo Pontífice" "que inclui o poder legislativo, executivo e judiciário". Também é confirmada "a singular peculiaridade e autonomia do sistema jurídico do Vaticano", distinto daquele da Cúria Romana. E confirmada a jurisdição do Estado sobre áreas extraterritoriais, ou melhor, "o exercício de qualquer poder consequente sobre o território, definido pelo Tratado de Latrão, e em edifícios e áreas onde operam instituições do Estado ou da Santa Sé e onde garantias e imunidades pessoais e funcionais estão em vigor, em força do direito internacional".
O Papa também confirma a função legislativa da Pontifícia Comissão para o Estado da Cidade do Vaticano, que até agora era composta por um cardeal presidente (que também é o presidente do Governatorato) e por outros cardeais. Com a nova Lei fundamental - e essa é uma das novidades - não será mais assim: além dos cardeais, a Comissão também incluirá "outros membros" nomeados pelo Papa para um mandato de cinco anos. Portanto, leigos e leigas também poderão participar.
Exceto nos casos em que o Papa pretenda reservá-la para si, a Pontifícia Comissão aprova leis e outras disposições normativas. O presidente, diz o documento, "pode emitir ordenanças, decretos e outras disposições, implementando normas legislativas ou regulamentares". E em casos de necessidade urgente, "pode emitir decretos com força de lei, que, no entanto, perdem sua eficácia se não forem convertidos em lei pela Pontifícia Comissão dentro de 90 dias da publicação".
Para a elaboração dos relativos projetos, a Pontifícia Comissão conta com a colaboração do Escritório Jurídico do Governatorato, de especialistas e de Conselheiros do Estado. Com relação a esses últimos, uma nova configuração introduzida pela Lei é o estabelecimento de um especial Colégio de Conselheiros de Estado. Anteriormente, os conselheiros - sempre nomeados pelo Papa por cinco anos - eram consultados individualmente; agora há um Colégio que desempenha (assim como os membros individualmente) funções executivas e consultivas.
Outra novidade importante diz respeito à regulamentação mais rigorosa e detalhada do orçamento preventivo e consultivo que é deliberado anualmente pela Pontifícia Comissão, "de acordo com as regras de contabilidade" e "com atos com força de lei". A Comissão delibera o plano financeiro de três anos, submetendo "esses atos diretamente à aprovação do Sumo Pontífice". O orçamento deve garantir "o equilíbrio" de receitas e despesas e ser inspirado nos "princípios de clareza, transparência e justiça". "Em caso de necessidade", diz o texto, "o presidente pode, por decreto, ordenar transferências de recursos entre os capítulos orçamentários, mantendo o equilíbrio dos balanços e levando em conta a sustentabilidade ao longo do tempo". Além disso, "o orçamento está sujeito a controle e auditoria por um Colégio de três membros, nomeados para um mandato de três anos pela Pontifícia Comissão, à qual se reporta".
Quanto ao Governatorato, a nova Lei reitera que ele "com sua própria estrutura organizacional contribui para a missão própria do Estado e está a serviço do Sucessor de Pedro, a quem diretamente responde". A representação do Estado da Cidade do Vaticano nas relações com os Estados e com outros sujeitos de direito internacional, nas relações diplomáticas e para a conclusão de tratados, é reservada ao Papa, que a exerce por meio da Secretaria de Estado, mas em alguns casos a representação é exercida pelo Presidente do Governatorato, que participa de instituições internacionais das quais a Santa Sé é membro "em nome e por conta do Estado", "mantém relações e assina, com órgãos e entidades estrangeiras", necessárias para garantir suprimentos, conexões, dotações e serviços públicos. O Governatorato também continua a fornecer segurança, ordem pública, proteção civil, proteção sanitária, saúde pública, higiene pública, ecologia, atividades econômicas, serviços postais, infraestruturas de rede, atividades de construção e instalações técnicas. Também é responsável pela conservação, valorização e usufruto do complexo artístico dos Museus do Vaticano, bem como pela superintendência de todo o patrimônio artístico, histórico, arqueológico e etnográfico.
A reforma da “Constituição” do Estado da Cidade do Vaticano traduz a sinodalidade implantada e querida pelo Papa Francisco que valoriza o protagonismo dos “cristifideles laici” na construção de uma Igreja que é pautada pela transparência e pelo serviço em favor dos mais pobres!
- Papa aos embaixadores: “quando aprenderemos que somos uma única família humana?"
O Santo Padre recebeu, na manhã deste sábado, 13, no Vaticano, os Embaixadores Extraordinários e Plenipotenciários, junto à Santa Sé, da Islândia, Bangladesh, Síria, Gâmbia e Cazaquistão.
Ao dar as boas-vindas aos presentes, o Papa saudou, através dos novos Embaixadores, os diversos Chefes de Estado, aos quais promete suas orações no cumprimento de seu nobre serviço.
Francisco iniciou seu discurso dirigindo seu pensamento, de modo particular, ao querido povo sírio, provado pelas consequências do recente e violento sismo, mas também pelos contínuos sofrimentos causados pelo conflito armado.
A seguir, o Papa passou em resenha a atual situação mundial, que nos pode deixar perturbados e desanimados, e o crescente desequilíbrio no sistema econômico global:
“Pensemos nos muitos lugares como Sudão, República Democrática do Congo, Myanmar, Líbano e Jerusalém, que estão enfrentando conflitos e desordens: o Haiti continua a passar por uma grave crise social, econômica e humanitária; a guerra na Ucrânia, que causa sofrimentos e mortes incalculáveis; o aumento do fluxo de migrações forçadas e os efeitos das mudanças climáticas; o grande número de irmãos e irmãs, que ainda vivem na pobreza por falta de água potável, alimentos, cuidados básicos de saúde, educação e trabalho decente”.
Aqui, Francisco levantou algumas questões:
“Quando aprenderemos, com a história, que os caminhos da violência, opressão e ambição desenfreada de conquistar terras não servem para o bem comum? Quando aprenderemos que investir no bem-estar das pessoas é sempre melhor do que gastar recursos para a construção de armas letais? Quando aprenderemos que as questões sociais, econômicas e de segurança estão interligadas? Quando aprenderemos que somos uma única família humana, que pode se desenvolver realmente apenas quando seus membros são respeitados, cuidados e capazes de oferecer a própria contribuição de modo original”?
Para chegarmos a essa consciência, respondeu Francisco, ainda continuaremos a experimentar o que ele chama de “terceira guerra mundial” combatida em pedaços. Tudo isso, talvez, possa perturbar nossas sensibilidades, não obstante os extraordinários avanços tecnológicos e científicos, que tentam melhorar as questões sociais e o direito internacional.
Embora todas essas conquistas sejam certamente louváveis, explicou o Papa, jamais devemos nos sentir satisfeitos ou, pior ainda, indiferentes com a atual situação do mundo, tampouco deixar de garantir que todos possam se beneficiar das conquistas e desenvolvimentos.
Não obstante, disse o Pontífice, devemos permanecer otimistas e determinados, acreditando que a família humana é capaz de enfrentar, com sucesso, os desafios de nosso tempo.
A este respeito, referiu-se ao precioso serviço, que os novos Embaixadores são chamados a desempenhar. Trata-se de uma função antiga e nobre, até inserida nas escrituras cristãs pelo apóstolo Paulo, ao descrever os anunciadores de Jesus Cristo:
“Como homem ou mulher de diálogo, construtores de pontes, um Embaixador deve ser uma figura de esperança, na bondade última da humanidade, pois todos fazem parte da mesma família. Esperança de que a última palavra jamais seja a última para evitar um conflito ou resolvê-lo pacificamente. Espero que a paz não seja um sonho impossível”.
Francisco continuou a definir o Embaixador com aquele que serve fielmente seu país de origem, mas também que seja imparcial ao encontrar soluções aceitáveis, o que não é fácil. A voz da razão e os apelos à paz, muitas vezes, encontram ouvidos surdos. No entanto, a atual situação mundial reforça a necessidade de os Embaixadores serem defensores do diálogo, paladinos da esperança.
A Santa Sé, recordou o Papa, aprecia o importante papel dos Embaixadores e seu compromisso diplomático:
“A Santa Sé, por sua própria natureza e missão particular, compromete-se em defender a dignidade inviolável de cada pessoa, promover o bem comum e a fraternidade humana entre todos os povos. Seus esforços, que não têm fins políticos, comerciais ou militares, se realizam mediante o exercício de uma neutralidade positiva. Longe de ser uma ‘neutralidade ética’, sobretudo, diante do sofrimento humano, a Santa Sé mantem uma posição bem definida na Comunidade internacional, que lhe permite contribuir para a resolução de conflitos e outras questões”.
Ao término da audiência aos novos Embaixadores, Francisco afirmou que poderão ser muitas as oportunidades para colaborar com a Santa Sé. A Secretaria de Estado, com os Dicastérios e outros setores da Santa Sé, está disposta a estabelecer, com os Embaixadores, um diálogo aberto e honesto, em benefício da família humana.
Fonte: Vatican News