Conta-se que vários bichos decidiram fundar uma escola. Reuniram-se e começaram a escolher as disciplinas. O pássaro insistiu que o voo entrasse no currículo. O peixe defendia o nado como disciplina obrigatória. A lebre queria, de qualquer jeito, inserir a corrida. Para contentar a todos, incluíram todas as matérias sugeridas. Mas cometeram um grande erro, pois insistiram que todos os bichos cursassem todas as disciplinas. A lebre foi magnifica na corrida, mas queriam ensiná-la a voar. Saltou do alto de uma árvore e quebrou uma perna. Não aprendeu a voar e acabou sem poder correr. O pássaro voava como nenhum outro bicho, mas o obrigaram a nadar como o peixe. Foi agredido e ferido na água por répteis analfabetos. Escapou por um triz. A primeira escola para bichos faliu, após uma semana, por falta de presença dos alunos, pois todos estavam de atestado médico.
Uma brincadeira impossível, mas que também pode ajudar a refletir. No Quinto Domingo da Páscoa, continuamos a leitura de um trecho do Evangelho de João. Encontramos a página na qual Jesus declara ser ele “o Caminho, a Verdade e a Vida” (Jo 14,6). Somente teremos acesso ao Pai passando por ele, porque conhece o Pai e, com sua palavra e suas obras, o revela plenamente. É isso que Jesus responde a Felipe que lhe pede para mostrar-lhe o Pai: “Quem me viu, viu o Pai” (Jo 14,9). O evangelista João coloca todas essas palavras de Jesus no longo discurso de despedida dele na última Ceia e, portanto, ainda antes da sua Paixão, Morte e Ressurreição. Quando, porém, os Evangelhos foram escritos, tudo já havia acontecido e as comunidades já tinham espalhado os fatos por bastante anos e, sobretudo, refletido e rezado muito sobre o evento Pascal de Jesus. Estava ficando claro o que era, e é, a “salvação”. Nós continuamos a usar esse termo, mas que, pelo costume, pode não expressar toda a riqueza e amplidão do mistério no qual dizemos acreditar. Arrisco dizê-lo em poucas palavras: o Filho assumiu a condição humana em tudo, menos no pecado, para nos fazer conhecer o amor do Pai e, com isso, reconduzir-nos na intimidade e na confiança com ele. Esse é o sentido das “muitas moradas”, porque na “casa do Pai” tem lugar para todos. O caminho para chegar lá, porém, é um só, é Jesus. Surgem, então, algumas perguntas sobre a nossa liberdade e as demais religiões. O que podia parecer um entrave – só um caminho? – na realidade é, mais uma vez, a manifestação da extraordinária vontade de Deus “salvar” a todos. Para os cristãos, passar pelo único caminho que é Jesus não significa que todos vamos ser obrigados a fazer as mesmas coisas. Sempre poderemos escolher se amar mais ou amar menos, se praticar mais ou menos a comunhão e com quem. O importante é acertar o caminho do amor-gratuidade.
O mesmo vale para todo ser humano que reconheça o valor da própria vida, dos demais e da natureza em conjunto. Todos aqueles e aquelas que gastam as suas vidas para promover “vida”, para alegrar a vida e lutar contra todo tipo de morte, incluindo o desprezo, a indiferença com os outros e a exclusão social de tantos irmãos e irmãs, estão caminhando rumo ao encontro com o Deus “Verdade e Vida”, sem buscar vantagens próprias, usando enganos ou ilusões. Quem gostaria que todos pensassem e agissem do mesmo jeito, muitas vezes, somos nós mesmos, quem sabe, a fazer comparações ou nos sentirmos importantes, possuidores de algum segredo a mais. Isso não esvazia o compromisso que a Igreja tem de anunciar o Evangelho. Ao contrário, mais ainda a Igreja é chamada a ser missionária com o diálogo e o testemunho. O Concilio Vaticano II, no Decreto “Ad Gentes” n.7, ensina que: “Embora Deus, por caminhos a Ele conhecidos, possa levar à fé, sem a qual não é possível agradar-lhe, os homens que sem culpa ignoram o Evangelho, todavia incumbe à igreja a necessidade e, ao mesmo tempo o sagrado direito de evangelizar”. O amor-gratuidade tem muitas faces e muitas cores. Deus não deixa faltar possibilidades de “salvação” aos homens e às mulheres de “boa vontade”. Sem precisar de cruzadas, cruzadinhas e… atestados médicos.
Por Dom Pedro José Conti
Fonte: Diocese de Macapá