O Dia Internacional da mulher traz em si um resgate de valores que são essencialmente femininos. Muito além de uma luta de gêneros, a data comemorativa procura ressaltar características que lhe são particulares. Em sua Audiência Geral desta manhã o Papa Francisco relembra em sua catequese, de forma especial, a celebração de hoje:
Neste dia Internacional da mulher, agradeço-lhes pelo empenho na construção de uma sociedade mais humana, através da sua capacidade de perceber a realidade com um olhar criativo e um coração terno. Este é um privilégio apenas das mulheres! Uma bênção especial para todas as mulheres presentes na praça. E uma salva de palmas para as mulheres! Elas merecem!’
De fato, olhar para a mulher neste dia, faz retomar as características divinas que levam à afirmação de que Deus é Pai, e também é Mãe. E pensando à maternidade divina, se confirmam estas duas características humanas: a criatividade e a ternura.
A criatividade como dom do Espírito, que faz ver com olhar potencialmente confiante a criatura divina, por vezes reduzida aos limites da própria realidade. Discorrendo ainda sobre o tema da Evangelização, o Papa relembrou a responsabilidade de cada evangelizador e evangelizadora em anunciar com a criatividade que é característica própria da vida cristã. Nesta missão, muitas mulheres doam suas vidas no caminho do seguimento de Jesus, iniciado no batismo.
Também à imagem de Deus que ama a todos os seus filhos com coração grande e terno, vemos ressoar nas mulheres o desafio de acolher a humanidade, principalmente os mais pobres e sofredores, com a característica própria do coração de Deus: sua ternura infinita com a qual abraça a todos os seus filhos, e a cada um em particular.
Diante de Nossa Senhora, espelho e modelo de vida cristã, está refletida a imagem do sonho de Deus para todo ser humano, por isso, de modo especial neste dia, o apelo seja adentrar no espaço sagrado do próprio interior com olhos novos, sempre mais inspiradas e inspirados pelo Espírito, pela Santa Ruah, que guia e dá dinamismo e feminilidade à vida cristã.
- Papa: se é a mulher que promove a paz, precisa ser valorizada como o homem
O livro "Mais liderança feminina para um mundo melhor: o cuidado como motor para a nossa casa comum" (Editora Vita e Pensiero), organizado por Anna Maria Tarantola, ganhou prefácio do Papa Francisco. O texto é o resultado de uma pesquisa comum promovida pela Fundação Centesimus Annus Pro Pontifice, da qual Tarantola é a atual presidente, e pela rede internacional Sacru, denominada Aliança Estratégica de Universidades Católicas de Pesquisa. A investigação, que reuniu 15 acadêmicos de diferentes disciplinas de 10 universidades de 8 países, procurou evidenciar tanto as dificuldades que ainda são enfrentadas pelas mulheres para alcançar papéis de destaque no mundo do trabalho como as vantagens associadas à sua maior presença nas esferas da economia, da política e da própria sociedade.
“Este livro fala de mulheres, dos seus talentos, das suas habilidades e competências, e das desigualdades, violências e preconceitos que ainda caracterizam o mundo feminino. As questões da mulher são particularmente importantes para mim.”
Assim o Papa começou a desenvolver o seu pensamento no prefácio sobre a "plena valorização da mulher". Francisco já salientou em outras oportunidades que "o homem e a mulher não são iguais e um não é superior ao outro", mas que é a mulher a portadora de harmonia da qual o mundo tanto precisa "para combater a injustiça, a cobiça cega que prejudica as pessoas e o meio ambiente, a guerra injusta e inaceitável".
A própria Igreja, segundo o Pontífice, pode se beneficiar da valorização da mulher, como destacou em discurso na conclusão do Sínodo dos Bispos da Região Panamazônica, em outubro de 2019: "não percebemos o que a mulher significa na Igreja e nos limitamos apenas à parte funcional [...]. Mas o papel da mulher na Igreja vai muito além da funcionalidade. É nisso que devemos continuar a trabalhar. Muito além disso". Um trabalho para abrir oportunidades iguais a homens e mulheres, escreveu o Papa, que deve ser feito por "todos juntos".
“O pensamento das mulheres é diferente daquele dos homens, elas estão mais atentas à proteção ambiental, o seu olhar não está voltado para o passado, mas para o futuro. As mulheres sabem que dão à luz com dor para alcançar uma grande alegria: dar a vida e abrir vastos e novos horizontes. É por isso que as mulheres querem a paz, sempre. As mulheres sabem expressar força e ternura juntas, são boas, competentes, preparadas, sabem inspirar novas gerações (não apenas os filhos).”
"É justo", enfatizou assim o Papa no prefácio, "que elas possam expressar essas habilidades em todos os âmbitos, não apenas naquele familiar, e possam ser remuneradas igualmente com os homens por papéis iguais, compromisso e responsabilidade". A capacidade de cuidar, característica feminina desenvolvida dentro da família, pode ser ampliada e "com sucesso", sugeriu o Papa, também "na política, nos negócios, na universidade e no local de trabalho". É o que os economistas chamam de "diversidade eficiente".
“A paz, portanto, nasce da mulher, se levanta e se reascende com a ternura das mães. Assim, o sonho da paz se torna realidade quando se olha para as mulheres. É o meu pensamento que, como emerge da pesquisa, a igualdade deva ser alcançada na diversidade. Não igualdade porque as mulheres adotam o comportamento masculino, mas igualdade porque as portas do campo de jogo estão abertas a todos os jogadores, sem diferenças de gênero (e também de cor, religião, de cultura...).”
"As lacunas que ainda existem são uma grave injustiça", escreveu Francisco, como é o caso do preconceito, das desigualdades, do fenômeno da violência condenado várias vezes pelo Pontífice e da falta de acesso à educação por parte das mulheres: "infelizmente, ainda hoje, cerca de 130 milhões de meninas no mundo não vão à escola. Não há liberdade, justiça, desenvolvimento integral, democracia e paz sem educação". Se existisse a plena igualdade de oportunidades, destacou o Papa no prefácio do livro, as mulheres poderiam contribuir por um mundo de paz, de inclusão, de solidariedade e sustentabilidade integral.
- Com Francisco, mais mulheres estão trabalhando no Vaticano
O Papa conta atualmente com 1.165 funcionárias em relação a 846 no início do seu pontificado em 2013. O percentual de mulheres que trabalham no Vaticano aumentou nos últimos 10 anos de cerca de 19,2% para 23,4%. São dados gerais referentes tanto à Santa Sé quanto ao Estado da Cidade do Vaticano.
O aumento no número de mulheres empregadas é ainda mais saliente se olharmos exclusivamente para a Santa Sé, ou seja, para a Cúria Romana. Aqui, o percentual de mulheres aumentou de 19,3% para 26,1% nos últimos 10 anos. Isso significa que, hoje, mais de um em cada quatro empregados da Santa Sé é uma mulher - em números absolutos: 812 de 3.114 funcionários.
Na escala de dez níveis utilizada no Vaticano, a maioria das mulheres da Cúria está no sexto e no sétimo níveis há muitos anos. Elas trabalham, portanto, em profissões que normalmente exigem um diploma acadêmico. Em 2022, 43% das mulheres empregadas na Cúria trabalhavam nos sexto e no sétimo níveis.
Durante esse tempo, as mulheres alcançaram cargos de liderança que vão além do décimo nível. Hoje, na Santa Sé, 5 mulheres ocupam o cargo de subsecretária e uma a posição de secretária. As secretárias e subsecretárias são respectivamente o segundo e terceiro níveis de gestão na maioria dos órgãos da Cúria e fazem parte da equipe diretiva juntamente com o prefeito. Esses níveis são de nomeação papal.
No Dicastério para o Serviço de Desenvolvimento Humano Integral, o Papa Francisco nomeou pela primeira vez em 2021 uma secretária feminina, a religiosa italiana Alessandra Smerilli. Esse é o cargo mais alto já ocupado por uma mulher na Santa Sé.
As subsecretárias, ao invés disso, trabalham nos Dicastérios para os Institutos de Vida Consagrada, dos Leigos, da Família e da Vida (duas subsecretárias), para a Cultura e a Educação, e, finalmente, na Secretaria de Estado, onde, no entanto, a subsecretária Francesca Di Giovanni (70 anos) em breve deixará o cargo devido ao limite de idade. A Secretaria Geral do Sínodo também tem uma subsecretária, a religiosa francesa Nathalie Becquart, embora se deva notar que o Sínodo não faz parte da Santa Sé (enquanto ela está incluída nessa pesquisa estatística).
A brasileira Cristiane Murray também faz parte da estatística de mulheres em cargos de responsabilidade no Vaticano, quando foi nomeada pelo Papa Francisco como vice-diretora da Sala de Imprensa da Santa Sé, em 25 de julho de 2019. Na então Rádio Vaticano desde 1995, ela fazia parte da equipe brasileira que transmite programas diários para todo o território nacional e administra o portal do Vatican News em português e as redes sociais.
Historicamente, a nomeação de especialistas mulheres para altos cargos na Cúria começou com Paulo VI. Durante o seu pontificado, a australiana Rosemarie Goldie trabalhou no Pontifício Conselho para os Leigos - de 1967 a 1976 - como uma das duas vice-secretárias. Em 2004, João Paulo II nomeou uma nova subsecretária: Irmã Enrica Rosanna para a Congregação para a Vida Consagrada.
Com o Papa Francisco, as nomeações de mulheres para cargos de liderança se multiplicaram, embora menos de 5% de todas as funções diretivas na Cúria sejam atualmente confiadas a mulheres e, por enquanto, não há nenhuma prefeita como "número um" de uma autoridade da Cúria. No entanto, o caminho foi traçado: com a Constituição Apostólica Praedicate Evangelium de 2022, Francisco tornou possível que no futuro também os leigos, e portanto também as mulheres, possam dirigir um dicastério, ou seja, se tornem prefeitas, um cargo que antes era reservado a cardeais e arcebispos. Em uma entrevista de dezembro de 2022, Francisco anunciou a intenção de nomear a primeira prefeita num futuro próximo.
No Estado da Cidade do Vaticano, o Papa Francisco nomeou duas mulheres para cargos superiores nos 10 anos de seu pontificado: em 2016, Barbara Jatta, diretora dos Museus do Vaticano, e em 2022, a Irmã Raffaella Petrini, secretária-geral do Governatorato. Enquanto os Museus do Vaticano sempre foram dirigidos por leigos, a religiosa italiana no Governatora assumiu o papel geralmente atribuído a um bispo. Por outro lado, o percentual de mulheres empregadas no Estado da Cidade do Vaticano permaneceu estável em cerca de 19% durante o pontificado do Papa Francisco.
Em nível de liderança, porém, Francisco não apenas colocou um número de mulheres no topo, no Vaticano, mas também nomeou outras mulheres para cargos onde elas possam "influenciar o Vaticano, mantendo a sua independência". Ele mesmo escreveu isso em seu livro 'Voltamos a sonhar'. De fato, Francisco foi o primeiro Papa a nomear mulheres como membros dos organismos da Cúria, uma decisão que merece ser mais destacada. Até então, apenas cardeais e alguns bispos haviam sido membros das congregações da Santa Sé. Os membros - como prefeitos e secretários - têm o direito de votar nas assembleias plenárias.
Assim, em 2019, Francisco nomeou 7 superiores ao Dicastério para os Religiosos. A partir de 2020, no Conselho para a Economia que tem 15 membros, 8 são cardeais e 7 os leigos, incluindo 6 mulheres. Em 2022, o Papa Francisco nomeou 2 religiosas e uma leiga como membros do Dicastério para os Bispos, que participam do processo de seleção dos bispos para a Igreja, juntamente com cardeais e bispos que, como eles, são membros do Dicastério.
Nos 10 anos de seu pontificado, o Papa Francisco aumentou a presença, a visibilidade e a influência das mulheres no Vaticano. Várias vezes, no entanto, ele advertiu contra ver a tarefa das mulheres na Igreja e no Vaticano de um ponto de vista puramente funcionalista. Em "Voltamos a sonhar", Francisco descreveu como um desafio para ele "criar espaços em que as mulheres possam assumir a liderança de uma forma que lhes permita moldar a cultura e garantir que elas sejam valorizadas, respeitadas e reconhecidas". Ao traçar um rumo em favor das mulheres, o Pontífice quer que Roma se torne finalmente um modelo para a Igreja universal.
Nota: Os dados estatísticos deste artigo dizem respeito ao Estado da Cidade do Vaticano e à Santa Sé, incluindo o Dicastério para a Evangelização e as Obras Missionárias Pontifícias, os tribunais e as instituições ligadas à Santa Sé. A única instituição não incluída é a Fabbrica di San Pietro, que tem administração própria. De acordo com esses dados, o percentual de mulheres empregadas na Fabbrica é exatamente 10%, 17 de 170 empregados.
Fonte: Vatican News