Cultura

Artigo de Dom Pedro José Conti: A lenda dos patos





Reflexão para o 7° domingo do Tempo Comum| 19 de Fevereiro 2023 – Ano “A” 

Certo dia, uma grave disputa divide os patos da fazenda. De repente, cada qual vai se instalar no seu pequeno lago, para patinar no que lhe parece o oceano. Mas ficam até um pouco tristes por estarem separados. Sair do seu lago para se dirigir ao dos outros está fora de questão! Eis que a chuva cai forte sobre a fazenda. A água ocupa cada um dos lagos. No final, forma um grande lago, onde todos os pequenos patos, enfim reunidos, patinam juntos com jubilosa algazarra, fruindo a felicidade dos reencontros.

No evangelho de Mateus deste 7º Domingo do Tempo Comum ouviremos de Jesus algo que nos parece impossível ou, sem faltar o respeito, até devaneio. Ele nos diz: “Amai os vossos inimigos e rezai por aqueles que vos perseguem”. O nosso “bom senso” pode chegar, talvez, a não praticar a vingança contra quem nos prejudicou, a desistir de entrar na Justiça para ter de volta o que deixou de ser devolvido, a arriscar de caminhar um pouco junto com alguém no qual não confiamos, mas amar? É demais para nós. Nem todos têm a vocação de ser heróis ou burros, conforme a nossa maneira de pensar. No entanto, são palavras de Jesus extremamente questionadoras a respeito do nosso jeito de conviver e organizar a sociedade. Muito, pouco, ou ao menos um pouquinho, nós cristãos precisamos, urgentemente, dizer ao mundo que é possível pensar e agir de maneira diferente, buscando sempre formas novas de solucionar os erros e os conflitos da humanidade.

A motivação que Jesus nos apresenta é simples e clara: aquele Deus que ele pretende nos fazer conhecer é diferente dos outros deuses ou das ideias dele que construímos com a nossa inteligência. O Deus, Pai de Jesus e do qual ele nos diz que também somos filhos, não é um Deus de parte ou juiz da bondade ou maldade dos homens. Não! Ele “faz nascer o sol sobre maus e bons, e faz cair a chuva sobre justos e injustos” (Mt 5,45). Como assim? Agora vale tudo? Quem vai nos dizer quem está certo e quem está errado neste mundo? A questão é que o Deus Pai de Jesus é assim mesmo, é somente amor e, por isso, gratuidade absoluta, só pode doar a si mesmo, a sua vida plena e tudo o que existe e foi criado. As imagens do sol e da chuva ajudam a entender porque ambos são necessários para a vida. Se a alguém faltasse o sol e a chuva não poderia viver! Deus não exclui ninguém do seu amor e da vida, mas o oferece a todos, quer vida plena, cheia de sentido para todos. Não há privilegiados, queridinhos e outros adversários e inimigos. Assim é a bondade de Deus: é oferecida a todos. Também aos não cristãos, aos que seguem outras religiões, aos que não têm religião alguma, aos que pensam o contrário e disputam com eles, aos que, por algum motivo, cultivam sentimentos de ódio e praticam o mal e as injustiças. Está na hora de entender que o Deus Pai de Jesus e nosso tem um projeto de Vida Plena, de Reino, que é de fraternidade e comunhão. Não nos criou para sermos inimigos, para usarmos a nossa inteligência para matar ou enganar os outros.

Todos nós sabemos disso no fundo do nosso coração. No entanto, justamente porque é amor, Deus respeita a nossa liberdade, não nos obriga a fazer o bem e, menos ainda, o mal. Maravilhosamente, entregou em nossas mãos a criação, só pede que cultivemos este jardim para que “todos tenham vida e vida em abundância” (Jo 10,10). Bastaria reconhecê-lo como Deus Pai e obedecer ao mandamento do amor que Jesus nos ensinou. “Pecado” é desconfiar do projeto amoroso de Deus, duvidar que um dia toda a humanidade possa viver feliz e em paz neste planeta, que poderia e deveria ser o verdadeiro “paraíso terrestre”, não “um vale de lágrimas”. “Pecado” é gastar a vida para servir aos “nossos” projetos de poder, lucro e dominação, que geram sofrimentos e morte. Quando vamos entender isso, aprender e ensinar sermos irmãos? Vai precisar de um novo “dilúvio universal” para renovar a humanidade? Não, só um pouco de chuva para chegar a ter uma única lagoa para todos e assim nos encontrarmos de novo, felizes, como na lenda dos patos.

Por Dom Pedro José Conti

 

Fonte: Diocese de Macapá