Um dos grandes poetas da Grécia e do mundo, Sófocles, foi denunciado como louco por seus próprios filhos, que, antes do tempo, pretendiam a herança paterna. Muitas pessoas acorreram ao tribunal para assistir ao processo. Por um lado, o velho poeta estava tranquilo e por outro, os seus filhos rebeldes se esforçavam para demonstrar a demência do pai. Então, Sófocles puxou debaixo da toga a sua última tragédia e a declamou diante dos acusadores, juízes e povo. Quando terminou, todos o aplaudiram freneticamente e pediram que o glorioso ancião fosse coroado com a coroa de louro, enquanto seus filhos, humilhados, fugiram às pressas. Há talentos que não é possível esconder.
No 5º Domingo do Tempo Comum, o Evangelho de Mateus nos oferece mais um trecho do discurso de Jesus, que chamamos “do monte” e que continuaremos a ler até o início da Quaresma. Sabemos que, com muita habilidade e sabedoria, o “mestre” ensinava através de comparações. Com efeito, Jesus declara que os seus discípulos são “sal da terra” e “luz do mundo”, mas continua dizendo que se o sal perde o sabor não servirá mais para nada e será jogado fora. Igualmente, qualquer luz, se ficar escondida, será inútil porque nada iluminará. Ao contrário, quando o sal preserva o seu sabor, dá gosto aos alimentos e uma lâmpada colocada no lugar certo “brilha para todos os que estão na casa”.
Podemos entender essas palavras como um desafio missionário. Pela própria realidade deles, o sal não dá sabor a si mesmo e nem a luz clareia a si mesma. Com as devidas diferenças, ambos cumprem um “serviço” para algo fora de si. O sal se mistura com os alimentos e a luz se espalha ao seu redor. Essa é a nossa primeira reflexão: a boa notícia do Reino que Jesus veio inaugurar deve ser difundida, mas não como a propaganda de um produto comercial ou de uma ideia mais ou menos brilhante. É fácil entender que nas comparações de Jesus o que está em jogo é o próprio sentido da nossa vida. Todos nós podemos preencher os dias à nossa disposição fazendo muitas coisas, algumas para sobreviver, outras para nos divertir, outras ainda para “enganar o tempo”. Podemos gastar a vida também atrás de ilusões ou adorando os ídolos que o mundo nos oferece. Porém, se aceitamos o convite para sermos discípulos de Jesus, comprometemo-nos, cada um com a sua vocação e os seus talentos, para que o Reino “do amor, da justiça e da paz” aconteça e preencha de gosto, alegria e luz a nossa vida e a vida daqueles que encontramos nos caminhos difíceis da existência. Alguns detalhes a mais para entendermos o certo e não imaginar coisas grandiosas pensando no tamanho da “terra” e do “mundo”. Não é a quantidade do sal que interessa, mas o sabor. É suficiente pouco sal, na medida certa, para dar gosto à comida. Assim, também, numa hora de escuridão, uma pequena luz pode clarear o necessário para encontrarmos o caminho. Jesus diz ainda que o eventual “brilho” do bem o qual somos chamados a realizar não será para nos exaltar, vangloriar ou competir entre nós, mas com o objetivo de os que o reconhecerem e compreenderem louvem o “Pai que está nos céus”. Tudo e sempre o que conseguirmos fazer deve ser para a glória do Pai, como fez Jesus em toda a sua vida. Ele mesmo nos ensinou a rezar: “Pai… santificado seja o vosso nome”.
Mãos à obra, então, na certeza que tudo o que for realmente bom, em prol da vida e da dignidade humana, feito por causa do Reino, haverá de aparecer e brilhar para a alegria de todos e a glória do Pai. Sempre ouviremos vozes a nos chamar de inúteis visionários, sonhadores do impossível, politicamente incorretos, talvez de loucos ou “endemoninhados” como aconteceu com Jesus. Mentiras podem ser levantadas, mas quando o poeta Sófocles expôs a sua poesia, não somente foi constatado que não era nada louco, como também todos acabaram aplaudindo. Menos os filhos dele que, com certeza, ficaram envergonhados. Afinal o que é belo, bom e o verdadeiro sempre brilhará, também se às vezes a luz parece demorar.
Por Dom Pedro José Conti
Fonte: Diocese de Macapá