Cultura

O adeus a Bento XVI: Pai, nas tuas mãos entregamos o seu espírito





"Bento, fiel amigo do Esposo, que a tua alegria seja perfeita escutando definitivamente e para sempre a sua voz!", com estas palavras, Francisco encerrou a homilia das exéquias do Papa emérito, diante de milhares de fiéis.

A cidade de Roma amanheceu encoberta por uma forte neblina, que impedia até mesmo de ver a cúpula da Basílica Vaticana, diante da qual milhares de fiéis se reuniram para o funeral do Papa emérito Bento XVI.

As imagens remetem a abril de 2005, quando o mundo se despediu de São João Paulo II: o caixão de madeira, simples, posicionado diante do altar, sobre o qual foi apoiado o Evangelho aberto. Ao ser depositado no chão, recebeu um beijo do seu então secretário particular Dom Georg Gänswein. Estima-se que cerca de 50 mil pessoas participaram do funeral, entre as quais inúmeras autoridades e chefes de Estado. Celebraram com o Pontífice, além do cardeal-decano Giovanni Battista Re no altar, mais de 120 cardeais,  400 bispos e quase quatro mil sacerdotes.

O funeral seguiu o protocolo de um Papa reinante, com algumas modificações. Na homilia, o Papa comentou a leitura extraída de Lucas 23, 46, de modo especial a seguinte frase: «Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito».

“São as últimas palavras que o Senhor pronunciou na cruz; quase poderíamos dizer, o seu último suspiro, capaz de confirmar aquilo que caraterizou toda a sua vida: uma entrega contínua nas mãos de seu Pai. Mãos de perdão e compaixão, de cura e misericórdia, mãos de unção e bênção.”

Francisco nomeou Bento uma única vez, no final, mas as referências são extraídas de textos do Papa emérito: a Encíclica “Deus caritas est”, a homilia na Missa Crismal de 2006 e a missa do início do seu pontificado.

Citações que traçam o perfil do seu pastoreio, que se deixou cinzelar pela vontade do Pai, carregando aos ombros todas as consequências e dificuldades do Evangelho até ao ponto de ver as suas mãos chagadas por amor. Até ao ponto de fazer palpitar no próprio coração os mesmos sentimentos de Cristo Jesus de dedicação agradecida, orante e sustentada pela consolação do Espírito.

Foram essas três “dedicações” explanadas por Francisco.

Dedicação agradecida feita de serviço ao Senhor e ao seu Povo que nasce da certeza de se ter recebido um dom totalmente gratuito. Dedicação orante, que se plasma e aperfeiçoa silenciosamente por entre as encruzilhadas e contradições que o pastor deve enfrentar e o esperançado convite a apascentar o rebanho. Como o Mestre, carrega sobre os ombros a canseira da intercessão e o desgaste da unção pelo seu povo, especialmente onde a bondade é contrastada e os irmãos veem ameaçada a sua dignidade. Dedicação sustentada pela consolação do Espírito, que sempre o precede na missão e transparece na paixão de comunicar a beleza e a alegria do Evangelho.

“Também nós, firmemente unidos às últimas palavras do Senhor e ao testemunho que marcou a sua vida, queremos, como comunidade eclesial, seguir as suas pegadas e confiar o nosso irmão às mãos do Pai: que estas mãos misericordiosas encontrem a sua lâmpada acesa com o azeite do Evangelho, que ele difundiu e testemunhou durante a sua vida.”

Para Francisco, Bento XVI cultivou a consciência do pastor que não pode carregar sozinho aquilo que, na realidade, nunca poderia sustentar sozinho e, por isso, soube abandonar-se à oração e ao cuidado do povo que lhe está confiado.

É o Povo fiel de Deus que, congregado, acompanha e confia a vida de quem foi seu pastor. E o faz com o perfume da gratidão e o unguento da esperança, com a mesma unção, sabedoria, delicadeza e dedicação que o Papa emérito soube dispensar ao longo dos anos.

“Queremos dizer juntos: «Pai, nas tuas mãos entregamos o seu espírito». Bento, fiel amigo do Esposo, que a tua alegria seja perfeita escutando definitivamente e para sempre a sua voz!”

 

Bianca Fraccalvieri

 

Bento XVI deixou um patrimônio sobre as verdades de fé

O caixão com os restos mortais do Papa emérito foi fechado na noite de quarta-feira com alguns sinais da dignidade pontifícia e o 'rogito', texto que recorda brevemente a história da vida e do ministério de Joseph Ratzinger.

Os últimos atos cumpridos na discrição após a infinita homenagem pública. Na noite de quarta-feira, depois de estar no centro da peregrinação ininterrupta de mais de 200.000 pessoas à Basílica do Vaticano durante três dias, o corpo de Bento XVI foi encerrado em um caixão de cipreste, no qual foram colocados o pálio, moedas e medalhas do pontificado e o 'Rogito', um texto guardado num cilindro de metal que recorda os traços marcantes da vida e do ministério do Papa emérito, desde o seu nascimento até aos seus últimos dias. O texto do 'Rogito' foi lido pelo mestre das celebrações litúrgicas pontifícias, monsenhor Diego Ravelli. Após o funeral presidido pelo Papa Francisco, o caixão de cipreste será colocado em um revestimento de zinco e depois em um caixão de madeira para ser finalmente tumulado nas Grutas do Vaticano.

Segue abaixo a íntegra do 'Rogito':

À luz de Cristo ressuscitado dos mortos, no dia 31 de dezembro do ano do Senhor 2022, às 9h34 da manhã, quando terminava o ano e estávamos prontos para cantar o Te Deum pelos múltiplos benefícios concedidos pelo Senhor, o o amado Pastor emérito da Igreja, Bento XVI, passou deste mundo ao Pai. Toda a Igreja junto com o Santo Padre Francisco em oração acompanharam seu trânsito.

Bento XVI foi o 265° Papa. Sua memória permanece no coração da Igreja e de toda a humanidade.

Joseph Aloisius Ratzinger, eleito Papa em 19 de abril de 2005, nasceu em Marktl am Inn, no território da Diocese de Passau (Alemanha), em 16 de abril de 1927. Seu pai era comissário de polícia e vinha de uma família de agricultores na Baixa Baviera, cujas condições econômicas eram bastante modestas. A mãe era filha de artesãos de Rimsting, no lago Chiem, e antes de se casar trabalhou como cozinheira em vários hotéis.

Passou a infância e a adolescência em Traunstein, pequena cidade perto da fronteira com a Áustria, a cerca de trinta quilômetros de Salzburgo, onde recebeu sua formação cristã, humana e cultural.

O tempo de sua juventude não foi fácil. A fé e a educação da sua família prepararam-no para a dura experiência dos problemas associados ao regime nazista, conhecendo o clima de forte hostilidade para com a Igreja Católica na Alemanha. Nessa situação complexa, ele descobriu a beleza e a verdade da fé em Cristo.

De 1946 a 1951 estudou na Escola Superior de Filosofia e Teologia de Freising e na Universidade de Munique. Em 29 de junho de 1951 foi ordenado sacerdote, iniciando no ano seguinte a atividade docente na mesma Escola de Freising. Posteriormente, foi docente em Bonn, Münster, Tübingen e Regensburg.

Em 1962 tornou-se perito oficial do Concílio Vaticano II, como assistente do Cardeal Joseph Frings. Em 25 de março de 1977, o Papa Paulo VI o nomeou arcebispo de München e Freising e recebeu a ordenação episcopal em 28 de maio do mesmo ano. Como lema episcopal escolheu "Cooperatores Veritatis".

O Papa Montini o criou e o proclamou Cardeal, atribuindo a ele o título de Santa Maria Consolatrice al Tiburtino, no Consistório de 27 de junho de 1977.

Em 25 de novembro de 1981, João Paulo II o nomeou Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé; e em 15 de fevereiro do ano seguinte renunciou ao governo pastoral da Arquidiocese de München und Freising.

Em 6 de novembro de 1998 foi nomeado Vice-Decano do Colégio dos Cardeais e em 30 de novembro de 2002 tornou-se Decano, tomando posse do Título da Igreja Suburbicariana de Ostia.

Na sexta-feira, 8 de abril de 2005, presidiu a Santa Missa fúnebre de João Paulo II na Praça de São Pedro.

Ele foi eleito Papa pelos Cardeais reunidos no Conclave em 19 de abril de 2005 e assumiu o nome de Bento XVI. Da sacada central da Basílica apresentou-se como “humilde trabalhador na vinha do Senhor”. No domingo, 24 de abril de 2005, iniciou solenemente o seu ministério petrino.

Bento XVI colocou no centro de seu pontificado o tema de Deus e da fé, na procura contínua da face do Senhor Jesus Cristo e ajudando todos a conhecê-lo, em particular mediante a publicação da obra Jesus de Nazaré, em três volumes. Dotado de vasto e profundo conhecimento bíblico e teológico, teve a extraordinária capacidade de elaborar sínteses iluminadoras sobre os principais temas doutrinários e espirituais, bem como sobre as questões cruciais da vida da Igreja e da cultura contemporânea.

Ele promoveu com sucesso o diálogo com anglicanos, com os judeus e com os representantes de outras religiões; assim como retomou os contatos com os padres da Comunidade São Pio X.

Na manhã de 11 de fevereiro de 2013, durante um Consistório convocado para decisões ordinárias sobre três canonizações, após o voto dos Cardeais, o Papa leu a seguinte declaração em latim: «Bene conscius sum hoc munus secundum suam essentiam spiritualem non solum agendo et loquendo exerceri debere, sed non minus patiendo et orando. Attamen in mundo nostri temporis rapidis mutationibus subiecto et quaestionibus magni ponderis pro vita fidei perturbato ad navem Sancti Petri gubernandam et ad annuntiandum Evangelium etiam vigor quidam corporis et animae necessarius est, qui ultimis mensibus in me modo tali minuitur, ut incapacitatem meam ad ministerium mihi commissum bene administrandum agnoscere debeam. Quapropter bene conscius ponderis huius actus plena libertate declaro me ministerio Episcopi Romae, Successoris Sancti Petri, mihi per manus Cardinalium die 19 aprilis MMV commisso renuntiare ita ut a die 28 februarii MMXIII, hora 20, sedes Romae, sedes Sancti Petri vacet et Conclave ad eligendum novum Summum Pontificem ab his quibus competit convocandum esse».

Na última Audiência Geral do pontificado, em 27 de fevereiro de 2013, ao agradecer todos e cada um também pelo respeito e compreensão com que sua decisão foi acolhida, garantiu: «Continuarei a acompanhar o caminho da Igreja com a oração e a reflexão, com aquela dedicação ao Senhor e à sua Esposa que tenho procurado viver até agora todos os dias e que gostaria de viver sempre».

Após uma breve permanência na residência de Castel Gandolfo, viveu os últimos anos de sua vida no Vaticano, no mosteiro Mater Ecclesiae, dedicando-se à oração e à meditação.

O magistério doutrinal de Bento XVI está sintetizado nas três Encíclicas Deus caritas est (25 de dezembro de 2005), Spe salvi (30 de novembro de 2007) e Caritas in veritate (29 de junho de 2009). Entregou à Igreja quatro Exortações Apostólicas, numerosas Constituições Apostólicas, Cartas Apostólicas, bem como as Catequeses propostas nas Audiências Gerais e as alocuções, inclusive as pronunciadas durante as vinte e quatro viagens apostólicas que realizou pelo mundo.

Diante do relativismo crescente e do ateísmo prático sempre mais difundido, em 2010, com o motu proprio Ubicumque et sempre, instituiu o Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização, para o qual em janeiro de 2013 transferiu as responsabilidades no campo da catequese.

Lutou firmemente contra os crimes cometidos por representantes do clero contra menores ou pessoas vulneráveis, chamando continuamente a Igreja à conversão, à oração, à penitência e à purificação.

Como teólogo de reconhecida autoridade, deixou um rico patrimônio de estudos e pesquisas sobre as verdades fundamentais da fé.

CORPUS
BENEDICTI XVI P.M.

Fonte: Vatican News