Cultura

Artigo de Dom Pedro José Conti: O ladrão





Reflexão para o I Domingo do Advento | 27 de Novembro 2022 – Ano “A”  
Certo dia, ao se dirigir à calçada em frente da sua casa a fim de depositar o lixo, uma mulher notou um rapaz procurando algo dentro do carro de seu marido que estava estacionado naquele lugar. Ainda com o lixo na mão, ela permaneceu atrás do rapaz que se encontrava com metade do corpo dentro do carro e continuava mexendo no interior do veículo. Julgou que ele estivesse procurando alguma ferramenta no carro, pois seu marido estava no bar da esquina conversando com alguns amigos. Pensando assim, ficou aguardando o desfecho daquela busca. Depois de alguns minutos, o rapaz voltou-se para fora do veículo, tendo em suas mãos o aparelho de som que havia “retirado” do carro. Ao se deparar com a mulher, frente a frente, o homem tomou um susto e ela, estendendo-lhe a mão, falou calmamente: “Dá aqui!”. Sem falar nada, meio atônito, o ladrão depositou o aparelho nas mãos da dona de casa e, subindo a rua, desapareceu. Foi só nesse momento que a mulher entendeu que se tratava de um roubo…Ela ainda deu um tempo para o rapaz se distanciar do local e, só depois, contou o fato para o marido.
 
Com o Primeiro Domingo de Advento, iniciamos o novo Ano Litúrgico. O evangelho de Mateus, que nos acompanhará neste novo ano,  convida-nos a ficar atentos, a vigiar, por uma simples razão: “Porque não sabeis em que dia virá o Senhor!” (Mt 24,42). A comparação é com o dono da casa que, se soubesse a hora em que o ladrão chegaria, não deixaria arrombar sua casa. A vida ordinária, repetitiva, quando nada de diferente acontece, pode nos tornar apáticos e distraídos e, assim, podemos ser surpreendidos por algo impensável como aconteceu no tempo do dilúvio. O que têm a ver todos esses alertas com o tempo de Advento? Aparentemente nada. Já sabemos como será. Faz dias que a propaganda do comércio  nos anuncia a proximidade do Natal. Teremos árvores  luminosas, pisca-pisca nas casas, pessoas disfarçadas de Papai-Noel, barbudas e de voz grossa, e, talvez, os católicos preparando o Presépio. Depois os votos de Feliz Natal, a troca de presentes, ceias e almoços com parentes e amigos. Alguns momentos serão alegres e sinceros, outros formais e enfadonhos.
 
Mais uma vez, tudo estará dentro do previsto e previsível. Mas se tudo se repete mais ou menos sempre igual, inclusive o Natal, por que “vigiar”? Ninguém vai roubar nada de ninguém.
 
É justamente nesse ponto que nós, cristãos, precisamos estar acordados e atentos para não sermos enganados. O “nosso” Natal é o de Jesus. Aquela criança que, em pleno século 21, nós ainda insistimos em dizer que ele era também o próprio Deus feito carne, ou seja, totalmente humano e totalmente divino. Para quem acredita, esse evento único foi a maior manifestação de Deus, a revelação não do seu poder, mas da sua humildade e, com isso, da sua bondade e da sua misericórdia. Como naquele tempo, ainda hoje, também entre os que se declaram cristãos, são muitos aqueles que aceitam “deus” só se for poderoso, dispensador de bens, fortunas, sorte e bem-estar. Melhor ainda se for alguém que pensa, julga e castiga como eles. Deve ser obviamente da mesma raça, da mesma cor e, porque não, do mesmo país. Um “deus” à parte, enfim, que jogue no “nosso” time, que não atrapalhe os “nossos” planos. Mas não foi assim que aconteceu naquele Natal. Jesus nasceu pobre, pequeno, desconhecido e, adulto, morreu crucificado como um malfeitor qualquer entre outros.
 
 O que ele fez não foi alguma obra humana extraordinária, mas uma obra “divinamente” extraordinária, porque ensinou e mostrou que Deus – que ele chamava de Pai – não manda, ele serve, não castiga, ele perdoa, não exclui ninguém porque ama a todos, não tira a vida, doa a sua própria Vida Divina: é o Menino-Deus do qual festejamos o Natal, não um “deus” qualquer do qual podemos usar o nome e adaptá-lo aos nossos gostos e interesse. Ele cresceu, questionou, apresentou um “rosto” de Deus tão novo e humano que só Deus podia ser assim. Ainda hoje, ele surpreende e incomoda. Não vamos deixar que outras questões ou interesses nos roubem o Natal de Jesus Cristo. Aos “ladrões” vamos dizer: – Dá aqui! 
 
Por Dom Pedro José Conti
 
Fonte: Diocese de Macapá