O Santo Padre recebeu, na manhã deste sábado (26/11), no Vaticano, os membros da Direção Central Anticrime italiana, após a comemoração do “Dia Internacional de Combate à Violência Contra a Mulher”, proclamado pelas Nações Unidas neste último dia 25 de novembro. O evento, este ano, teve como tema "UNITE! Activism to End Violence against Women and Girls", um verdadeiro apelo para unir as forças pela libertação de mulheres e meninas das diversas formas de violência, que já se tornou permanente, generalizada e transversal na sociedade.
Por isso, o Papa iniciou seu discurso aos presentes, agradecendo-lhes pelo trabalho, que realizam com empenho profissional e humano, chamando a atenção de todos para a necessidade de unir suas forças para atingir o objetivo de uma maior dignidade e civilização. E acrescentou:
“Infelizmente, as crônicas diárias nos trazem contínuas notícias de violência contra mulheres e meninas. Mas, vocês são um ponto de referência institucional para combater esta dolorosa realidade. Há muitas mulheres entre vocês, e este é um grande recurso, que buscam ajudar outras mulheres, as ouvem, entendem e apoiam. Imagino como seja difícil para vocês, mulheres, carregar interiormente o peso dessas situações, em um nível humano”.
É necessário uma boa preparação psicológica, afirmou Francisco, para enfrentar este desafio, mas também espiritual, para manter serenidade e calma, diante das vítimas de violência brutal. Aqui, citou o exemplo de algumas mulheres cristãs, que merecem a nossa veneração como mártires: Ágata e Lúcia, Maria Goretti e Irmã Maria Laura Mainetti.
Em âmbito institucional, o Papa recordou outro aspecto importante: muitas denúncias de violência não recebem justiça imediata, correndo o risco de se tornar justicialismo. O Estado deve acompanhar os casos, em todas as suas etapas, para que a vítima possa obter uma rápida justiça. Neste sentido, recordou ainda que as mulheres sejam “salvaguardadas” e resguardadas das ameaças e também das recaídas, sobretudo após uma eventual condenação. Mas, como? E o Papa explicou:
“De fato, para vencer esta batalha, não é suficiente um órgão especializado, como o de vocês, por mais eficiente que seja, tampouco um trabalho de combate e ações repressivas necessárias. É preciso unir nossas forças, colaborar, fazer rede, não apenas defensiva, mas, sobretudo, preventiva, para eliminar este flagelo social, ligado a atitudes culturais, mentalidade e preconceitos enraizados”.
A presença de vocês, que, às vezes, pode se tornar um testemunho, também representa um estímulo na sociedade, para agir e reagir, não para se resignar. Trata-se de uma ação, sobretudo, de prevenção. E referindo-se às famílias, exasperadas pela pandemia, que sofrem por tensões latentes, podem ser prevenidas em nível educacional, também devido à crise econômica e social.
No entanto, Francisco recordou ainda outro aspecto decisivo: são continuamente propostas pela mídia também mensagens que nutrem uma cultura hedonista e consumista, que contrasta com uma ação educativa. Aqui, o Papa citou o exemplo de Santa Josefina Bakhita, sob cujo nome, muitas instituições eclesiais trabalham com as mulheres, vítimas de tráfico. Além desta santa, há ainda muitas mulheres, igualmente santas, graças à misericórdia e a ternura de Cristo, que, com a sua vida, dão testemunho do amor, proximidade, solidariedade, que podem salvar da escravidão.
O Santo Padre concluiu seu discurso aos membros da Direção Central Anticrime italiana, fazendo um apelo para que este tipo de testemunho seja apresentado às crianças nas escolas, grupos esportivos, oratórios, associações, mediante verdadeiras histórias de libertação e cura de tantas mulheres que saíram do túnel da violência.
Manoel Tavares
- O Papa aos religiosos: que o exercício da autoridade não se degenere em formas autoritárias
O Papa Francisco recebeu em audiência, neste sábado (26/11), os participantes da assembleia da União dos Superiores Gerais (USG) que se reuniram em Assembleia de 23 a 25 de novembro, na cidade de Sacrofano, próxima a Roma, sobre o tema “Chamados a ser artífices da paz”. Francisco sublinha, em seu discurso entregue, que construir a paz é um apelo urgente que diz respeito a todos e “especialmente às pessoas consagradas”.
O Papa decidiu falar espontaneamente aos 150 superiores gerais que encontrou na Sala do Sínodo e oferece em seu texto escrito uma ampla reflexão sobre a paz, especificando que a paz doada por Deus aos homens "e que nos faz sentir todos irmãos" não é "uma situação de não-guerra ou de fim-de-guerra, um estado de tranquilidade e bem-estar", mas é "fruto da caridade, nunca é uma conquista do ser homano", "é um conjunto harmonioso das relações com Deus, consigo mesmo, com os outros e com a Criação". "A paz é também a experiência da misericórdia", acrescenta o Papa, "do perdão e da benevolência de Deus, que nos torna capazes de exercer a misericórdia, o perdão, rejeitando toda forma de violência e opressão".
A paz se baseia “no reconhecimento da dignidade da pessoa humana”, afirma Francisco, “e exige uma ordem para a qual contribuem inseparavelmente a justiça, a misericórdia e a verdade”.
“Fazer a paz” é um trabalho artesanal, a ser feito com paixão, paciência, experiência, tenacidade, porque é um processo que perdura no tempo. A paz não é um produto industrial, mas um trabalho artesanal. Não se realiza de forma mecânica, requer a sábia intervenção humana. Não é construída em série, apenas com o desenvolvimento tecnológico, mas requer desenvolvimento humano. Por isso, os processos de paz não podem ser delegados aos diplomatas ou aos militares: a paz é responsabilidade de todos e de cada um.
O Papa então se dirige aos consagrados, exortando-os a se comprometerem a semear a paz com “ações cotidianas, com atitudes e gestos de serviço, de fraternidade, diálogo, misericórdia” e a rezar incessantemente para obter de Jesus o dom da paz. Tudo isso começando “com suas próprias comunidades”, construindo pontes e não muros dentro e fora delas.
Quando cada um contribui cumprindo seu dever com caridade, há paz na comunidade. O mundo também precisa de nós consagrados como artesãos da paz!
No entanto, há outro aspecto que deve caracterizar a vida consagrada, destaca Francisco: a sinodalidade.
Como consagrados, temos a obrigação especial de participar dela, pois a vida consagrada é sinodal por sua natureza. Também possui muitas estruturas que podem promover a sinodalidade.
O Papa evidencia que essas estruturas, capítulos, visitas fraternas e canônicas, assembleias, comissões e outras estruturas próprias de cada instituto, devem ser revistas.
Deve-se ver e talvez também rever a forma de exercer o serviço de autoridade. De fato, é necessário estar vigilante contra o perigo de que possa se degenerar em formas autoritárias, às vezes despóticas, com abusos de consciência ou espirituais que são também terreno propício para os abusos sexuais, porque a pessoa e seus direitos não são mais respeitados. E ainda, corre-se o risco de que a autoridade seja exercida como um privilégio, para quem a detém ou para quem a sustenta. Portanto também como uma forma de cumplicidade entre as partes, para que cada um faça o que quer, favorecendo assim, paradoxalmente, uma espécie de anarquia, que tanto dano causa à comunidade.
Francisco espera “que o serviço da autoridade seja sempre exercido em estilo sinodal, respeitando o direito próprio e as mediações que ele oferece, para evitar o autoritarismo, os privilégios e o “deixar pra lá”; favorecendo um clima de escuta, respeito pelos outros, diálogo, participação e partilha". Caminhar juntos, escutar-se, valorizar a variedade dos dons e ser comunidades acolhedoras é o modo de viver a sinodalidade, acrescenta o Papa, e os consagrados, com o seu testemunho, "podem dar muito à Igreja", sobretudo no processo de sinodalidade que está sendo vivido.
Por fim, as reorganizações e as reconfigurações dos institutos. O Papa recomenda que elas sejam sempre feitas salvaguardando a comunhão, "para não reduzir tudo em fusões de circunscrições, que podem se revelar não facilmente controláveis ou motivo de conflitos" e que "os superiores estejam atentos a fim de evitar que algumas pessoas não estejam bem ocupadas, pois isso, além de prejudicar os sujeitos, gera tensões na comunidade". O Papa conclui, pedindo aos superiores gerais para realizarem o seu serviço "com serenidade e com fruto", reiterando o convite a serem artífices da paz.
Tiziana Campisi/Mariangela Jaguraba
Fonte: Vatican News