O ser humano é o verdadeiro templo de Deus: foi o que recordou o Papa Francisco ao celebrar a missa na Basílica de São Pedro neste Dia Mundial dos Pobres.
O Pontífice inspirou a sua homilia no Evangelho deste XXXIII Domingo do Tempo Comum, em que Jesus faz duas exortações: não vos deixeis enganar e dai testemunho.
Jesus quer nos livrar da tentação de ler os fatos mais dramáticos de modo supersticioso ou catastrófico, como se estivéssemos já perto do fim do mundo não valendo a pena empenhar-nos em algo de bom. Durante as crises, nunca faltam magos, gurus, horóscopos e teorias fantasiosas propostas por qualquer “messias” da última hora. "E muitos cristãos buscam o horóscopo como se fosse a voz de Deus", lamentou. Por sua vez, o discípulo do Senhor não cede ao desânimo nem mesmo nas situações mais difíceis, porque o seu Deus é o Deus da ressurreição e da esperança.
A arte tipicamente cristã: reagir ao mal com o bem
Assim, a segunda exortação é justamente esta: Tereis ocasião de dar testemunho. E Francisco acentuou a palavra “ocasião”, ressaltando que é uma “arte tipicamente cristã” não ficar refém daquilo que acontece, mas aproveitar a oportunidade de construir mesmo a partir de situações negativas. "O cristão não permanece vítima daquilo que acontece", recordou o Papa. Portanto, situações de prova, de perda de controle, de insegurança são ocasiões para testemunhar o Evangelho. "Também eu me faço esta pergunta hoje: o que está nos dizendo o Senhor diante desta III Guerra Mundial?"
A crise, explicou ainda Francisco, é abertura, enquanto o mau espírito trabalha para que a crise se torne conflito. "O conflito é sempre fechamento, sem horizonte e sem saída. Não! Vivamos a crise como pessoas humanas, como cristãos, sem as transformar em conflito porque toda crise é uma possibilidade e oferece ocasião de crescimento."
O Papa convidou cada um a se interrogar: "Diante desta III Guerra Mundial tão cruel, diante da fome de tantas crianças, de tantas pessoas: eu posso desperdiçar, desperdiçar dinheiro, desperdiçar a minha vida, desperdiçar o sentido da minha vida sem tomar coragem e ir avante?"
O sofrimento do povo ucraniano
E este é o convite que ressoa neste Dia Mundial dos Pobres, para romper esta surdez interior que nos impede de ouvir o grito de sofrimento, sufocado, dos mais frágeis.
Também hoje vivemos em sociedades feridas e assistimos, tal como nos disse o Evangelho, a cenários de violência, "é só pensar na crueldade que está sofrendo o povo ucraniano", de injustiça e de perseguição; há a crise gerada pelas alterações climáticas e pela pandemia; ampliam-se os conflitos, estamos diante da “calamidade da guerra”; há desemprego e migração forçada. E os pobres são os mais penalizados.
“Mas, se o nosso coração estiver blindado e indiferente, não conseguiremos ouvir o seu flébil grito de dor, chorar com eles e por eles, ver quanta solidão e angústia se escondem mesmo nos cantos esquecidos das nossas cidades, vê-se ali tanta miséria, tanta dor e tanta pobreza descartada.”
Não dar ouvidos aos falsos "messias"
Portanto, prosseguiu o Papa, façamos nosso o convite forte e claro do Evangelho a não nos deixarmos enganar. Não vamos dar ouvidos aos profetas da desgraça, às sirenes do populismo, aos falsos "messias" que, em nome do lucro, proclamam receitas úteis apenas para aumentar a riqueza de poucos.
Ao contrário, vamos dar testemunho: aproveitar a ocasião para testemunhar o Evangelho da alegria e construir um mundo mais fraterno; empenhando-nos em prol da justiça, da legalidade e da paz, permanecendo ao lado dos mais frágeis. “Não fujamos para nos defender da história, mas lutemos para dar a esta história que estamos vivendo um rosto diferente.”
A força vem da confiança em Deus. Abrindo o nosso coração a Ele, aumentará em nós a capacidade de amar e "este é o caminho: crescer no amor". Deixemo-nos interrogar: como cristãos, que atitude tomar diante desta civilização que descarta os pobres, os velhos e os nascituros? Francisco recordou uma tradição italiana, na ceia de Natal, de reservar um lugar vazio à mesa para o Senhor que poderá bater à porta. E questionou: "O seu coração tem sempre um lugar vazio para aquela gente, ou estamos tão atarefados com os amigos, os eventos sociais, as obrigações? Nunca temos um lugar vazio para aquelas pessoas. Amados por Ele, decidamo-nos amar os filhos mais descartados. Ele se identifica com o pobre."
“Não podemos ficar – como aqueles de quem fala o Evangelho – a admirar as belas pedras do templo, sem reconhecer o verdadeiro templo de Deus, o ser humano, o homem e a mulher, especialmente o pobre, em cujo rosto, em cuja história, em cujas feridas está Jesus. Foi Ele que o disse… Nunca o esqueçamos!”
Bianca Fraccalvieri
- Angelus: com Jesus não há nada a temer, vamos perseverar na construção do bem
A perseverança foi o tema da alocução do Papa Francisco antes de rezar o Angelus dominical neste XXXIII Domingo do Tempo Comum: "A perseverança é o reflexo no mundo do amor de Deus, porque o amor de Deus é fiel, nunca muda."
Depois da missa celebrada na Basílica Vaticana, o Papa rezou o Angelus com os fiéis e peregrinos reunidos na Praça São Pedro.
Em sua alocução, comentou o Evangelho deste domingo, que nos leva a Jerusalém, ao lugar mais santo: o templo. Jesus adverte que tudo será destruído, que não ficará pedra sobre pedra, mas Francisco se concentra na frase final do trecho de Lucas para introduzir o tema da perseverança. De fato, Jesus diz: “É permanecendo firmes que ireis ganhar a vida!”
Jesus pede para persistir no que realmente importa e eis o significado da perseverança: construir o bem a cada dia.
“Perseverar é permanecer constantes no bem, especialmente quando a realidade circundante impele a fazer outra coisa.”
O Papa fez exemplos da vida concreta, com situações que acontecem conosco ou pessoas próximas a nós, que vão desde adiar o momento de oração até se deixar influenciar por pessoas que tiram vantagem de tudo. Perseverar, por outro lado, é permanecer no bem. Francisco então nos convida a refletir:
“Como está a minha perseverança? Sou constante ou vivo a fé, a justiça e a caridade de acordo com os momentos: se dá vontade rezo, se me convém sou correto, disponível e prestativo, enquanto, se estou insatisfeito, se ninguém me agradece, deixo de sê-lo? Em suma, minha oração e meu serviço dependem das circunstâncias ou de um coração firme no Senhor?”
Ao invés, Jesus nos recorda que se perseverarmos não temos nada a temer, mesmo nos tristes momentos da vida, mesmo diante do mal ao nosso redor, porque permanecemos alicerçados no bem.
“A perseverança é o reflexo no mundo do amor de Deus, porque o amor de Deus é fiel, nunca muda. Que Nossa Senhora, serva do Senhor perseverante na oração, fortaleça a nossa constância.”
Bianca Fraccalvieri
- Ucrânia, Eritreia, COP27, Laudato Si: os apelos do Papa no Angelus
No Regina Coeli de 23 de maio de 2021, na iminência do encerramento do Ano especial dedicado à sua Encíclica dedicada ao cuidado da Casa Comum, o Papa anunciava o lançamento da "Plataforma Laudato si". Papa recordou o aniversário da iniciativa, bem como das guerras na África e no leste europeu.
O cuidado da Casa Comum tem lugar privilegiado no Pontificado de Francisco. Após rezar o Angelus neste XXXIII Domingo do Tempo Comum, Francisco começou recordando o aniversário da Plataforma Laudato Si:
Amanhã é o primeiro aniversário do lançamento da Plataforma de Ação Laudato si', que promove a conversão ecológica e estilos de vida coerentes com ela. Agradeço a todos os que aderiram a esta iniciativa: trata-se cerca de seis mil participantes, entre particulares, famílias, associações, empresas, instituições religiosas, culturais e de saúde. É um excelente começo para um caminho de sete anos destinado a responder ao clamor da terra e ao clamor dos pobres. Encorajo esta missão, crucial para o futuro da humanidade, para que promova em todos um compromisso concreto com o cuidado da criação.
No mesmo sentido, a atenção à Cúpula do Clima COP27 que está em andamento no Egito, dizendo esperar "que sejam dados passos em frente, com coragem e determinação, na esteira do Acordo de Paris."
A cúpula da COP27, aberta no domingo, 6 de novembro, concentra-se nos quatro pilares do Acordo de Paris: mitigação, adaptação, finanças e perdas e danos. Pilares que, como observou recentemente o secretário de Estado, cardeal Pietro Parolin, são "uma questão de equidade, justiça e equidade".
Ucrânia e Eritreia
Como tem feito desde o início da guerra - e o fez também em sua homilia na Missa celebrada pouco antes na Basílica de São Pedro por ocasião do Dia Mundial dos Pobres, recordando quanta crueldade sofre o povo ucraniano - o Santo Padre dirigiu novamente seu pensamento à Ucrânia:
Permaneçamos sempre próximos de nossos irmãos e irmãs da martirizada Ucrânia. Próximos com a oração e com a solidariedade concreta. A paz é possível! Não nos resignemos à guerra.
E ao dirigir-se aos cerca de 30 mil peregrinos e grupos presentes na Praça São Pedro para o tradicional encontro dominical, Francisco saudou em particular os membros da comunidade eritreia de Milão, assegurando sua oração pelo país. De fato, desde 2020, um conflito ensanguenta o país já marcado por tantas calamidades, provocando além das mortes e feridos, milhares de deslocados.
- Papa: as ameaças recíprocas dos poderosos abafam o grito de paz da humanidade
Em sua Mensagem para o 6° Dia Mundial dos Pobres, Francisco volta a condenar a guerra na Ucrânia: "Uma ‘superpotência’, que pretende impor a sua vontade contra o princípio da autodeterminação dos povos”. O apelo: "Diante dos pobres, não serve retórica, mas arregaçar as mangas". A advertência contra o dinheiro: "Não pode tornar-se um absoluto, tal coisa ofusca o olhar".
Pobres e "empobrecidos" pela "tempestade" da pandemia, indigentes, refugiados e deslocados pela guerra na Ucrânia, onde "a intervenção direta de uma ‘superpotência’” pretende "impor sua vontade contra o princípio da autodeterminação dos povos". É a todos eles que o Papa Francisco dedica sua Mensagem para o 6º Dia Mundial do Pobre, a ser celebrado em 13 de novembro. Um longo documento no qual o Papa condena desde as primeiras linhas uma das principais causas da pobreza em nosso tempo: a guerra. Um "desastre", escreve, que apareceu no horizonte pouco depois de "uma nesga de céu sereno" ter se aberto após a pandemia. Uma tragédia "destinada a impor ao mundo um cenário diferente".
A ameaça dos poderosos e a voz da humanidade
O conflito que vem ocorrendo há mais de cem dias, afirma o Pontífice, veio "unir-se às guerras regionais que nestes anos tem produzido morte e destruição", mas "o quadro apresenta-se mais complexo".
Vemos repetir-se cenas de trágica memória e, mais uma vez, as ameaças recíprocas de alguns poderosos abafam a voz da humanidade que implora paz.
Atingidos os fracos e indefesos
"Quantos pobres gera a insensatez da guerra", exclama Francisco. " Para onde quer que voltemos o olhar, constata-se como os mais atingidos pela violência sejam as pessoas indefesas e frágeis. Deportação de milhares de pessoas, sobretudo meninos e meninas, para os desenraizar e impor-lhes outra identidade".
Milhões de mulheres, crianças e idosos veem-se constrangidos a desafiar o perigo das bombas para pôr a vida a salvo, procurando abrigo como refugiados em países vizinhos. Entretanto, aqueles que permanecem nas zonas de conflito têm de conviver diariamente com o medo e a carência de comida, água, cuidados médicos e sobretudo com a falta de afeto familiar.
Dificuldade à ajuda
Nestes momentos, “a razão fica obscurecida e quem sofre as consequências é uma multidão de gente simples, que vem juntar-se ao número já elevado de pobres. Como dar uma resposta adequada que leve alívio e paz a tantas pessoas, deixadas à mercê da incerteza e da precariedade?”. Não apenas isso: "Quanto mais se alonga o conflito, mais se agravam suas consequências", observa o Papa. Portanto, a disponibilidade que, nos últimos anos, moveu “populações inteiras” para abrir as portas a fim de acolher milhões de refugiados das guerras no Oriente Médio, na África Central e, agora, na Ucrânia, assim como o altruísmo de tantas famílias que "abriram suas casas para dar lugar a outras famílias", colide com a dureza de uma realidade fora de controle:
“Os povos que acolhem têm cada vez mais dificuldade em dar continuidade à ajuda; as famílias e as comunidades começam a sentir o peso duma situação que vai além da emergência”
Todavia agora é “o momento de não ceder, mas de renovar a motivação inicial”, encoraja Francisco, “o que começamos precisa de ser levado a cabo com a mesma responsabilidade”. Com efeito, a solidariedade é precisamente isso: “partilhar o pouco que temos com quantos nada têm, para que ninguém sofra. Quanto mais cresce o sentido de comunidade e comunhão como estilo de vida, tanto mais se desenvolve a solidariedade”.
Não retórica, mas agir
Aliás, escreve o Papa, deve-se considerar que há países onde, nas últimas décadas, se verificou um significativo crescimento do bem-estar de muitas famílias, que alcançaram um estado de vida seguro. “Como membros da sociedade civil, mantenhamos vivo o apelo aos valores da liberdade, responsabilidade, fraternidade e solidariedade; e, como cristãos, encontremos sempre na caridade, na fé e na esperança o fundamento do nosso ser e da nossa atividade”. “Agir”, é de fato, para o Pontífice, a palavra-chave:
“No caso dos pobres, não servem retóricas, mas arregaçar as mangas e pôr em prática a fé através de um envolvimento direto, que não pode ser delegado a ninguém”
Mau uso do dinheiro
Às vezes, porém, pode sobrevir “uma forma de relaxamento que leva a assumir comportamentos incoerentes, como no caso da indiferença em relação aos pobres”. Acontece “que alguns cristãos, devido a um apego excessivo ao dinheiro, fiquem empantanados num mau uso dos bens e do património. São situações que manifestam uma fé frágil e uma esperança fraca e míope”, anota o Papa.
Sabemos que o problema não está no dinheiro em si, pois faz parte da vida diária das pessoas e das relações sociais, mas sim, sobre o valor que o dinheiro tem para nós:
Um tal apego impede de ver, com realismo, a vida de todos os dias e ofusca o olhar, impedindo de reconhecer as necessidades dos outros. Nada de mais nocivo poderia acontecer a um cristão e a uma comunidade do que ser ofuscados pelo ídolo da riqueza, que acaba por acorrentar a uma visão efémera e falhada da vida.
Não é o ativismo que salva
Portanto, acrescenta Francisco, não se trata de ter "um comportamento assistencialista" em relação aos pobres.
“Não é o ativismo que salva, mas a atenção sincera e generosa que me permite aproximar de um pobre como de um irmão que me estende a mão para que acorde do torpor em que caí”
Novas políticas sociais
O Papa renova seu convite "urgente" para encontrar "estradas que possam ir além da configuração daquelas políticas sociais “concebidas como uma política para os pobres, mas nunca com os pobres, nunca dos pobres, e muito menos inserida em um projeto que reúna os povos".
Estamos diante dum paradoxo, que, hoje como no passado, é difícil de aceitar, porque embate na lógica humana: há uma pobreza que nos torna ricos... A experiência de fragilidade e limitação, que vivemos nestes últimos anos e, agora, a tragédia de uma guerra com repercussões globais, devem ensinar-nos decididamente uma coisa: não estamos no mundo para sobreviver, mas para que, a todos, seja consentida uma vida digna e feliz.
A pobreza que mata
Jesus mostra-nos o caminho que há “uma pobreza que humilha e mata, e há outra pobreza – a d’Ele – que liberta e nos dá serenidade”. A pobreza que mata é “a miséria, filha da injustiça, da exploração, da violência e da iníqua distribuição dos recursos. É a pobreza desesperada, sem futuro, porque é imposta pela cultura do descarte que não oferece perspectivas nem vias de saída”.
Quando a única lei passa a ser o cálculo do lucro no fim do dia, então deixa de haver qualquer freio na adoção da lógica da exploração das pessoas: os outros não passam de meios. Deixa de haver salário justo, horário justo de trabalho e criam-se novas formas de escravidão, suportada por pessoas que, sem alternativa, devem aceitar este veneno de injustiça a fim de ganhar o mínimo para comer.
A pobreza que liberta
Ao contrário, pobreza libertadora é “aquela que se nos apresenta como uma opção responsável para alijar da estiva quanto há de supérfluo e apostar no essencial”. “Encontrar os pobres – afirma o Pontífice - permite acabar com tantas ansiedades e medos inconsistentes, para atracar àquilo que verdadeiramente importa na vida e que ninguém nos pode roubar: o amor verdadeiro e gratuito”. Na realidade, os pobres, “antes de ser objeto da nossa esmola, são sujeitos que ajudam a libertar-nos das armadilhas da inquietação e da superficialidade”.
Salvatore Cernuzio/Jane Nogara
Fonte: Vatican News