Eis a transcrição de trabalho da conversa do Papa Francisco com jornalistas no voo de retorno do Bahrein.
1) Fatema Alnajem (Bahrain News Agency)
Gostaria de lhe dizer algo antes de lhe fazer minha pergunta. O senhor tem um lugar muito especial no meu coração, não só porque visitou meu país, mas porque quando o senhor foi eleito Papa, era o dia do meu aniversário. Tenho uma pergunta: como o senhor avalia os resultados de sua histórica visita ao Reino do Bahrein e como avalia os esforços que o Bahrein está fazendo para consolidar e promover a convivência, em todos os âmbitos da sociedade, de todas as religiões, sexos e raças?
Foi uma viagem de encontro porque o objetivo era precisamente encontrar-se em diálogo inter-religioso com o Islã e em diálogo ecumênico com Bartolomeu. As ideias do Grão Imame de Al-Azhar estavam precisamente nessa direção de buscar a unidade, a unidade dentro do Islã respeitando as nouances, as diferenças, mas com unidade, unidade com os cristãos e com outras religiões, e para entrar em diálogo inter-religioso ou diálogo ecumênico é necessário ter sua própria identidade. Não se pode partir de uma identidade difusa. Eu sou islâmico, sou cristão, mas tenho esta identidade e, portanto, posso falar com identidade. Quando não se tem uma identidade própria, um pouco no ar, é um pouco difícil o diálogo porque não há um ir e um voltar e é por isso que é importante e estes dois que vieram, tanto o Grão Imame de Al-Azhar como o Patriarca Bartolomeu, têm uma grande identidade. E isso é bom.
Do ponto de vista islâmico, escutei atentamente os três discursos do Grão Imame e fiquei impressionado com a forma como ele insistiu tanto no diálogo intra-islâmico, entre vocês, não para cancelar as diferenças, mas para se entenderem e trabalhar juntos, não ser um contra o outro. Nós cristãos temos uma história um pouco feia de diferenças que nos levou a guerras religiosas: católicos contra os ortodoxos ou contra os luteranos. Agora, graças a Deus depois do Conselho, há uma aproximação e podemos dialogar e trabalhar juntos e isto é importante, um testemunho de fazer o bem aos outros. Depois os especialistas, os teólogos, discutirão coisas teológicas, mas devemos caminhar juntos como crentes, como amigos, como irmãos, fazendo o bem. Eu também fiquei impressionado com as coisas que foram ditas no Conselho de Anciãos, sobre a criação e a preservação da criação, e esta é uma preocupação comum a todos, islâmicos, cristãos, a todos. Agora, no mesmo avião, eles vão do Bahrein ao Cairo, o Secretário de Estado do Vaticano e o Grão Imame de Al-Azhar, juntos como irmãos. Isto é algo bastante comovente. Isto é uma coisa boa. Também a presença do Patriarca Bartolomeu - ele é uma autoridade no campo ecumênico – foi muito boa. Vimos isso na função ecumênica que fizemos e nas palavras que ele também disse anteriormente. Em resumo: foi uma viagem de encontro.
Para mim, a novidade de conhecer uma cultura aberta a todos. Em seu país, há espaço para todos. Também vi, o rei me disse: aqui todos fazem o que querem, se uma mulher quer trabalhar, que trabalhe. Abertura total, assim ele me disse. Você sabe, "você trabalha". E também a parte religiosa, a abertura. Fiquei impressionado com a quantidade de cristãos, filipinos, indianos de Kerala que estão aqui e vivem no país e trabalham no país.
Fatema Alnajem
Eles amam muito o senhor.
Esta é a ideia, encontrei uma novidade e isto me ajuda a entender e interagir mais com as pessoas. A palavra-chave é diálogo, diálogo, e para dialogar é preciso partir da própria identidade, ter identidade.
Fatema Alnajem
Obrigado, Santidade. Rezarei a Alá, o Todo-Poderoso, para abençoar o senhor com boa saúde, felicidade e uma longa vida.
Santo Padre: Sim, reze por mim, não contra (risos).
2) Imad Atrach
Santo Padre, desde a assinatura do "Documento sobre a Fraternidade humana", três anos atrás, até a visita a Bagdá e também recentemente ao Cazaquistão: este caminho está dando frutos tangíveis em sua opinião? Podemos esperar que culmine em um encontro no Vaticano? Então gostaria de agradecer ao senhor por mencionar o Líbano hoje, porque como libanês posso lhe dizer que precisamos realmente de uma viagem urgente da sua parte, também e sobretudo porque agora nem sequer temos um presidente, então peço que vá para abraçar o povo diretamente.
"Obrigado. Tenho pensado muito nestes dias - e conversamos sobre isso com o Grão Imame - sobre como surgiu a ideia do Documento de Abu Dhabi, aquele Documento que fizemos juntos, o primeiro. Ele tinha vindo ao Vaticano para uma visita de cortesia: após nosso encontro protocolar, estava quase na hora do almoço e ele estava partindo, e enquanto eu o acompanhava para despedir-me dele, perguntei-lhe: "Mas, aonde vai para almoçar? Não sei o que ele me disse. "Mas venha, vamos almoçar juntos". Foi algo que veio de dentro. Depois, sentados à mesa, ele, seu secretário, dois conselheiros, eu, meu secretário, meu conselheiro, pegamos o pão, o partimos e o demos um ao outro. Um gesto de amizade, oferecendo o pão. Foi um almoço muito agradável, muito fraternal. E no final, não sei quem teve a ideia, dissemos um para o outro: mas por que não escrevemos sobre este encontro? Assim nasceu o Documento de Abu Dhabi. Os dois secretários começaram a trabalhar, com um rascunho indo e um rascunho voltando, um rascunho indo e um rascunho voltando, e no final aproveitamos do encontro de Abu Dhabi para publicá-lo. Foi uma coisa de Deus, não se pode entender de outra forma, porque nenhum de nós tinha isto em mente. Surgiu durante um almoço amigável, e isso é uma coisa importante. Depois continuei pensando, e o Documento de Abu Dhabi foi a base da "Fratelli tutti"; o que escrevi sobre amizade humana na "Fratelli tutti" é baseado no Documento de Abu Dhabi. Acredito que não se pode pensar em tal caminho sem pensar em uma bênção especial do Senhor neste caminho. Quero dizer isto por justiça, penso que é justo que vocês saibam como o Senhor inspirou este caminho. Eu nem sabia nem mesmo qual era o nome do Grão Imame, depois nos tornamos amigos e fizemos algo como dois amigos, e agora conversamos toda vez que nos encontramos. O Documento é atual, e estamos trabalhando para torná-lo conhecido.
Depois no Líbano... O Líbano é uma dor para mim. Como o Líbano não é um país em si mesmo, um Papa disse-o antes de mim, o Líbano não é um país, é uma mensagem. O Líbano tem um significado muito grande para todos nós. E o Líbano está sofrendo neste momento. Rezo, e aproveito esta oportunidade para fazer um apelo aos políticos libaneses: deixem os interesses pessoais de lado, olhem para o país e concordem entre si. Primeiro Deus, depois a pátria, depois os interesses. Mas Deus e a pátria. Neste momento não quero dizer "salvar o Líbano" porque não somos salvadores, mas por favor, apoiem o Líbano, ajudem para que o Líbano pare esta descida, para que o Líbano recupere sua grandeza. Há meios, há a generosidade do Líbano, quantos refugiados políticos o Líbano tem! Tão generoso e está sofrendo. Aproveito esta oportunidade para pedir uma oração pelo Líbano, a oração também é uma amizade. Vocês são jornalistas, olhem para o Líbano e falem sobre isso para aumentar a conscientização. Obrigado.
3) Carol Glatz (CNS)
Santidade, durante esta viagem ao Bahrein, o senhor falou dos direitos fundamentais, inclusive das mulheres, da sua dignidade, do direito a ter o seu espaço na esfera social e pública e encorajou os jovens a terem coragem, a fazerem barulho, a irem adiante por um mundo mais justo. Vista a situação aqui perto, no Irã, com as manifestações desencadeadas por algumas mulheres e por muitas jovens que querem mais liberdade, o senhor apoia este empenho das mulheres e dos homens que pedem para terem direitos fundamentais, que se encontram também no documento sobre a Fraternidade Humana?
Mas devemos dizer a verdade. A luta pelos direitos da mulher é uma luta contínua. Porque, em alguns lugares, a mulher consegue ter uma igualdade com os homens. Mas em outros lugares não consegue. Não? Eu me lembro nos anos 50 no meu país, quando houve a luta pelos direitos civis das mulheres, para que as mulheres pudessem votar. Porque até os anos 50 mais ou menos só os homens podiam votar no meu país. E penso nesta mesma luta nos Estados Unidos, famosa, pelo voto feminino. Mas por que – me questiono – a mulher deve lutar assim para manter os seus direitos? Há uma lenda – não sei se é uma lenda – sobre a origem das joias da mulher – talvez uma lenda – que explica a crueldade de muitas situações contra a mulher. Diz-se que a mulher carrega tantas joias porque em algum país – não lembro, talvez seja um fato histórico – havia o hábito que quando o marido se cansava da mulher, lhe dizia “vai embora!” e ela não podia voltar para pegar nada. Tinha que ir embora com aquilo que tinha consigo. E por isso acumulavam ouro para pelo menos terem alguma coisa. Dizem que esta seja a origem das joias. Não sei se é verdade ou não, mas a imagem nos ajuda.
Os direitos são fundamentais: mas por que hoje, hoje, no mundo não podemos parar com a tragédia da infibulação nas meninas? Isto é terrível. Hoje. Que exista esta prática, que a humanidade não consiga eliminar isto que é um crime, um ato criminoso! As mulheres, segundo dois comentários que ouvi, ou são material descartável - é feio, não? - ou são “espécie protegida”. Mas a igualdade entre homens e mulheres ainda não existe universalmente, e existem esses episódios: que as mulheres são de segunda classe ou menos. Devemos continuar a lutar, porque as mulheres são um dom. Deus não criou o homem e depois lhe deu um cachorrinho para se divertir. Não. Criou os dois, iguais, homem e mulher. E aquilo que Paulo escreveu em uma das suas cartas sobre a relação homem-mulher, que hoje nos parece antiquado, naquele momento foi tão revolucionário que escandalizou sobre a fidelidade homem e mulher. (Disse): o homem cuide da mulher como da própria carne. Naquele momento, isto foi uma coisa revolucionária. Todos os direitos da mulher vêm desta igualdade. E uma sociedade que não é capaz de colocar a mulher no seu lugar não vai adiante. Temos a experiência (disto). No livro que escrevi “Voltemos a sonhar”, na parte sobre a economia por exemplo: existem mulheres economistas neste momento no mundo que mudaram a visão econômica e são capazes de levá-la avante. Porque têm um dom diferente. Sabem administrar as coisas de outro modo, que não é inferior, é complementar. Uma vez tive um colóquio com uma chefe de governo, uma grande chefe de governo, uma mãe com vários filhos que teve um sucesso muito grande em resolver uma situação muito difícil. E eu lhe disse: diga-me, senhora, como fez para resolver uma situação tão difícil?
E ela começou a mover as mãos assim, em silêncio. Depois me disse: como fazemos (nós) as mães. A mulher, para resolver um problema, tem o próprio caminho, que não é o do homem. E ambos os caminhos devem trabalhar juntos: a mulher igual ao homem trabalha pelo bem comum com aquela intuição que as mulheres têm. Vi que, no Vaticano, toda vez que uma mulher entra para fazer um trabalho no Vaticano, as coisas melhoram. Por exemplo, a vice-governadora do Vaticano é uma mulher, a vice-governadora é uma mulher e as coisas mudaram bem. No Conselho para a Economia, havia seis cardeais e seis leigos, todos homens. Mudei os leigos e coloquei um homem e cinco mulheres. E esta é uma revolução porque as mulheres sabem encontrar o caminho certo, sabem ir adiante. E agora coloquei Marianna Mazzuccato, na Pontifícia Academia para a Vida. Ela é uma grande economista dos Estados Unidos, (a coloquei) para dar um pouco de humanidade a isto. As mulheres trazem a sua contribuição. Não devem se tornar como os homens. Não. São mulheres e nós precisamos delas. E uma sociedade que cancela as mulheres da vida pública é uma sociedade que empobrece. Empobrece. Igualdade de direitos, sim. Mas também uma igualdade de oportunidades. Igualdade de (possibilidades) para ir avante, porque, do contrário, se empobrece. Creio que com isto disse aquilo que globalmente é preciso fazer. Mas ainda falta caminhar, porque existe este machismo. Eu venho de um povo machista. Os argentinos somos machistas, sempre. E isso é ruim, mas depois recorremos às mães que são aquelas que resolvem os problemas. Mas este machismo mata a humanidade. Obrigado por ter me dado a oportunidade de dizer isto, (algo) que levo muito no coração. Lutemos não só pelos direitos, mas porque é preciso ter mulheres na sociedade que nos ajudem a mudar.
4) Antonio Pelayo (Vida Nueva)
Santo Padre, a única vez nesta viagem que o senhor improvisou foi para se referir à “martirizada Ucrânia” e às “negociações de paz”. Gostaria de perguntar ao senhor se pode nos dizer algo sobre como prosseguem as negociações por parte do Vaticano e outra pergunta: o senhor falou ultimamente com Putin ou tem intenção de fazê-lo proximamente?
Bom, antes de tudo: o Vaticano está continuamente atento, a Secretaria de Estado trabalha e trabalha bem, trabalha bem. Sei que o secretário, Dom Gallagher, se move bem ali. Depois, um pouco de história. No dia sucessivo (ao início) da guerra – pensei que não se pudesse fazer algo inusual – fui à embaixada russa para falar com o embaixador, que é uma boa pessoa. Eu o conheço há seis anos, desde que chegou, um humanista. Lembro de um comentário que me fez naquela ocasião: “Nous sommes tombés dans la dictature de l’argent” (Nós caímos na ditadura do dinheiro), falando da civilização. Um humanista, um homem que luta pela igualdade. Eu lhe disse que estava disposto a ir a Moscou para falar com Putin, caso fosse necessário. Mas me respondeu muito educadamente Lavrov (o ministro das Relações Exteriores, ndr) – obrigado – (mas) naquele momento não era necessário. Mas a partir daquele momento, nos interessamos muito. Falei duas vezes por telefone com o presidente Zelensky; depois com o embaixador algumas outras vezes. E se faz um trabalho de aproximação, para buscar soluções. Também a Santa Sé faz o que deve fazer em relação aos prisioneiros, essas coisas... são coisas que sempre se fazem e a Santa Sé sempre as fez, sempre. E (depois) a pregação pela paz. A mim impressiona – por isso uso a palavra “martirizada” para a Ucrânia – a crueldade - que não é do povo russo, talvez... porque o povo russo é um povo grande -, é dos mercenários, dos soldados que vão fazer a guerra como fazem uma aventura, os mercenários... Eu prefiro pensar assim, porque tenho uma estima muito elevada do povo russo, do humanismo russo. Basta pensar em Dostojevskij que até hoje nos inspira, inspira os cristãos a pensar o cristianismo. Tenho um grande afeto pelo povo russo e também tenho um grande afeto pelo povo ucraniano. Quando eu tinha 11 anos, havia um padre que celebrava em ucraniano e todas essas canções ucranianas eu as conheço na língua deles, porque eu as aprendi quando criança, por isso tenho um afeto muito grande pela liturgia ucraniana. Estou em meio a dois povos aos quais quero bem. Mas não só eu, a Santa Sé fez muitos encontros reservados, muitas coisas com êxito positivo. Porque não podemos negar que uma guerra no início talvez nos faça corajosos, mas depois cansa e faz mal e se vê o mal que uma guerra faz. Isso da parte mais humana, mais próxima. Depois gostaria de me lamentar, aproveitando esta pergunta: em um século, três guerras mundiais! A de 1914-1918, a de 1939-1945, e esta! Esta é uma guerra mundial, porque é verdade que quando os impérios, seja de um lado, seja do outro, se enfraquecem, precisam fazer uma guerra para se sentirem fortes e também para vender armas! Porque hoje creio que a maior calamidade que existe no mundo é a indústria das armas. Por favor! Disseram-me, não sei se é verdade ou não, que se por um ano não se produzissem armas se poderia acabar com a fome no mundo. A indústria das armas é terrível. Alguns anos atrás, três ou quatro, chegou de um país um navio repleto de armas a Gênova, e deveria passar as armas para um navio maior para levá-lo ao Iêmen. Os operários de Gênova se recusaram… Foi um gesto. O Iêmen: mais de dez anos de guerra. As crianças do Iêmen não têm o que comer. Os Rohingya, transferindo-se de um lado a outro porque foram expulsos, sempre em guerra. Em Mianmar, é terrível o que está acontecendo… Agora, espero que hoje na Etiópia algo pare, com um tratado… Mas estamos em guerra em todos os lugares e nós não entendemos isso. Agora, nos toca de perto, na Europa, a guerra russo-ucraniana. Mas está em todos os lugares, há anos. Na Síria, 12-13 anos de guerra, e ninguém sabe se há prisioneiros e o que acontece ali dentro. Depois, o Líbano, falamos desta tragédia... Eu não sei se já disse isso a vocês: quando fui a Redipuglia, em 2014, vi isso – e meu avô lutou no Piave e me contou o que acontecia ali - e aqueles túmulos de jovens... chorei, chorei, não tenho vergonha de dizer. Depois num 2 de novembro, que sempre vou ao cemitério, fui perto de Anzio e vi o túmulo daqueles jovens americanos, (mortos) no desembarque de Anzio. (Tinham) 19-20-22-23 anos e chorei, realmente, me veio do coração… E pensei nas mães quando batem à sua porta: “Uma carta para a senhora”. Abre o envelope: “Senhora, tenho a honra de lhe dizer que tem um filho herói da pátria... As tragédias da guerra. Não quero falar mal de ninguém, mas me tocou o coração: quando se recordou o desembarque na Normandia, havia os chefes de muitos governos para celebrar. É verdade, foi o início da queda do nazismo, é verdade. Mas quantos jovens ficam na praia da Normandia? Dizem 30 mil … Quem pensa naqueles jovens? A guerra semeia tudo isto. Por isso, vocês que são jornalistas, por favor, sejam pacifistas, falem contra as guerras, lutem contra a guerra. Eu lhes peço como um irmão. Obrigado.
5) Hugues Lefevre (I. Media)
Santo Padre, esta manhã em seu discurso ao clero do Bahrein, o senhor falou sobre a importância da alegria cristã, mas nos últimos dias muitos fiéis franceses perderam essa alegria quando descobriram pela imprensa que a Igreja tinha mantido em segredo a condenação, em 2021, de um bispo, agora aposentado, que tinha cometido abuso sexual nos anos 90 quando era sacerdote. Quando esta história saiu na imprensa, cinco novas vítimas apareceram. Hoje, muitos católicos desejam saber se a cultura do sigilo da justiça canônica deve mudar e se tornar transparente (e eu) gostaria de saber se o senhor acha que as sanções canônicas devem ser tornadas públicas, obrigado.
Obrigado a você pela pergunta. Eu gostaria de começar (com) um pouco de história sobre isso. O problema do abuso sempre existiu, não apenas na Igreja, mas em todos os lugares. Vocês sabem que de 42 a 46% dos abusos sexuais ocorrem na família ou no bairro. Isto é muito grave, mas o hábito sempre foi o de encobrir. Na família ainda hoje tudo é encoberto, e até no bairro tudo é encoberto ou pelo menos a maioria dos casos. Um hábito feio que na Igreja começou a mudar quando houve o escândalo de Boston nos tempos do cardeal Law que, por causa do escândalo, renunciou. Foi a primeira vez que (um caso de abuso) saiu como um escândalo. Desde então, a Igreja tomou consciência disso e começou a trabalhar, enquanto na sociedade e em outras instituições normalmente se encobre. Quando houve o encontro dos presidentes das conferências episcopais (sobre este tema) pedi ao Unicef, a ONU as estatísticas deste (fenômeno), os dados percentuais: nas famílias, bairros, nas escolas, no esporte... e um estudo preciso foi feito incluindo também a Igreja. Alguns dizem que somos uma pequena minoria, mas (eu digo) se fosse um único caso ainda seria trágico, porque você sacerdote tem a vocação de fazer as pessoas crescer e ao se comportar dessa maneira você as destrói. Para um sacerdote, o abuso é como ir contra a própria natureza sacerdotal e contra a própria natureza social. Por isso, é uma coisa trágica e não devemos parar, não devemos parar.
Neste despertar-se, fazer investigações e acusações, nem sempre (e em todos os lugares) foi tudo igual, algumas coisas foram escondidas. Antes do escândalo de Boston as pessoas eram deslocadas (os sacerdotes eram transferidos), agora tudo é claro e estamos avançando neste ponto. Por isso, não devemos nos surpreender que casos como este surjam. Agora me lembrei de outro caso, de outro bispo. Existem sabe? E (agora) não é fácil dizer "não sabíamos" ou "era a cultura da época e continua sendo a cultura social a de esconder". Digo-lhe isto: a Igreja está determinada sobre isso, e quero agradecer publicamente aqui o heroísmo do cardeal O'Malley, um bom frade capuchinho, que sentiu a necessidade de institucionalizar isso com a Comissão para a Proteção dos Menores que ele está realizando e isso faz bem a todos nós e nos dá coragem.
Estamos trabalhando com tudo o que podemos, mas saiba que existem pessoas dentro da Igreja que ainda não veem claramente, não compartilham. É um processo o que estamos fazendo e o estamos realizando com coragem e nem todos têm coragem; às vezes há a tentação de fazer acordo, também somos todos escravos de nossos pecados, mas a vontade da Igreja é de esclarecer tudo. Por exemplo, nos últimos meses recebi duas queixas sobre casos de abuso que tinham sido encobertos e não julgados bem pela Igreja: pedi imediatamente um novo estudo (os dois casos) e agora um novo julgamento está sendo feito; há também isto então, a revisão de julgamentos antigos, não bem feitos (não ocorridos de maneira adequada). Fazemos o que podemos, somos todos pecadores, sabe? E a primeira coisa que temos que sentir é vergonha, a vergonha profunda disso. Eu acredito que a vergonha seja uma graça. Podemos lutar contra todos os males do mundo, mas sem a vergonha... (é inútil). Por isso, me surpreendeu que Santo Inácio nos Exercícios Espirituais, quando faz você pedir perdão por todos os pecados que cometeu, ele faz você chegar até a vergonha, e se você não tem a graça da vergonha, não pode ir adiante. Um dos insultos que temos na minha terra é "você ser um sem-vergonha" e acredito que a Igreja não pode ser "uma sem-vergonha". Ela deve se envergonhar das coisas ruins, assim como (dizer) agradecer a Deus pelas coisas boas que faz. Isto eu posso lhe dizer: (nós) temos toda a boa vontade de ir em frente, também graças à sua ajuda.
6) Vânia De Luca (Rai-Tg3)
Vossa Santidade, o senhor falou sobre os migrantes nestes dias. Quatro navios na costa da Sicília, com centenas de mulheres, homens, crianças, em dificuldade, mas nem todos podem desembarcar. O senhor teme que na Itália tenha voltado uma política de "portos fechados" da direita e como avalia a posição sobre isso de alguns países do norte da Europa? Eu queria perguntar também em geral: que impressão, que opinião o senhor tem sobre o novo governo italiano, que pela primeira vez é liderado por uma mulher?
… Eh é um desafio, é um desafio. Sobre os migrantes, o princípio: os migrantes devem ser acolhidos, acompanhados, promovidos e integrados. Se não forem feitos estes quatro passos, o trabalho com os migrantes não será bom. Acolhidos, acompanhados, promovidos e integrados, chegar ao ponto de integração. A segunda coisa que digo: todos os governos da União Europeia devem entrar de acordo sobre quantos migrantes podem receber. Pelo contrário, há quatro países que recebem migrantes: Chipre, Grécia, Itália e Espanha que são os mais próximos do Mediterrâneo, mas internamente existem alguns, como a Polônia, Belarus... mas (falando) dos grandes migrantes do mar: a vida deve ser salva. Hoje, você sabe que o Mediterrâneo é um cemitério? Talvez o maior cemitério do mundo. Acho que a última vez eu lhes disse que li um livro em espanhol chamado Hermanito, é pequeno e se lê rapidamente, acho que certamente foi traduzido para o francês e também para o italiano. Pode ser lido rapidamente em duas horas.
É a história de um menino da África, não sei se da Tanzânia ou de outro lugar, que, seguindo os passos do irmão, chegou à Espanha: sofreu cinco escravidão antes de embarcar! Muita gente, conta ele, é levada à noite para esses barcos - não para os grandes navios que têm outra função - e se não quiserem embarcar: pum, pum! E são deixados na praia. O que essas pessoas fazem é realmente uma ditadura da escravidão - e depois há o risco de morrer no mar. Se você tiver tempo, leia isso, que é importante. A política migratória deve ser acordada entre todos os países, não se pode fazer uma política sem consentimento, e a União Europeia deve assumir uma política de colaboração e ajuda, não pode deixar Chipre, Grécia, Itália e Espanha com a responsabilidade de todos os migrantes que chegam às praias. A política dos governos até agora tem sido salvar vidas, isso é verdade.
Até certo ponto isso foi feito e acredito que esse governo (italiano) tenha a mesma política. Não conheço os detalhes, mas acho que não queira ir embora, acredito que já fez desembarcar as crianças, as mães, os doentes, pelo que ouvi, pelo menos a intenção tinha. A Itália pensamos aqui... este governo não pode fazer nada sem o acordo com a Europa, a responsabilidade é europeia, e então eu gostaria de mencionar outra responsabilidade europeia sobre a África. Acredito que tenha dito isso uma das grandes mulheres estadistas que tivemos e temos, Merkel. Ela disse que o problema dos migrantes deve ser resolvido na África, mas se pensarmos na África com o lema: a África deve ser explorada, é lógico que os migrantes, as pessoas fogem daquele resultado. Devemos, a Europa deve tentar fazer planos de desenvolvimento para a África.
Pensar que alguns países da África não são donos de seu próprio subsolo, que ainda depende das potências coloniais! É hipocrisia resolver o problema dos migrantes na Europa. Devemos resolvê-los também na casa deles. A exploração das pessoas na África é terrível para essa concepção. No dia 1º de janeiro tive um encontro com estudantes universitários da África. O encontro foi o mesmo que eu tive com a Universidade Loyola dos Estados Unidos. Aqueles estudantes têm uma capacidade, uma inteligência, criticidade, vontade de seguir em frente, mas às vezes não podem por causa da força colonialista que a Europa exerce em seus governos. Se quisermos resolver definitivamente o problema dos migrantes, devemos resolvê-lo na África. Os migrantes que vêm de outras partes são menores, são menos, mas temos a África, ajudemos a África. O novo governo começa agora. Eu estou aqui: desejo-lhe o melhor. Eu desejo sempre o melhor a um governo porque o governo é para todos e desejo o melhor para que possa fazer progredir a Itália, e a todos os outros que são contrários ao partido vencedor, que colaborem com criticidade, com a ajuda, mas um governo de colaboração, não um governo onde movem o seu rosto, fazem você cair se não gostam de uma coisa ou outra. Por favor, eu em relação a isso chamo à responsabilidade. Diga-me, é justo que desde o início do século até agora a Itália tenha tido 20 governos? Vamos acabar com essas brincadeiras!
7) Ludwig Ring-Eifel (Centrum informationis Catholicum),
Também quero dizer algo pessoal antes de tudo, porque me sinto muito emocionado, porque depois de uma pausa de 8 anos estou de volta ao voo papal. Estou muito grato por estar aqui novamente....
Seja bem-vindo,
Ludwig
Muito obrigado. Nós do grupo alemão somos poucos, apenas três neste voo, pensamos: como podemos fazer uma conexão entre o que vimos no Bahrein e a situação na Alemanha. Porque no Bahrein vimos uma Igreja pequena, um pequeno rebanho, uma Igreja pobre, com muitas restrições e assim por diante, mas uma Igreja animada, cheia de esperança, que cresce. Na Alemanha, por outro lado, temos uma grande Igreja, com grandes tradições; rica, com teologia, dinheiro e tudo mais, mas perdendo trezentos mil fiéis a cada ano, que vão embora, que estão em profunda crise. Há algo a aprender com este pequeno rebanho que vimos no Bahrein para a grande Alemanha?
A Alemanha tem uma velha história religiosa. Citando Hoelderlin, direi: "muitas coisas viveram, muitas". Sua história religiosa é grande e complicada, de lutas. Eu digo aos católicos alemães: a Alemanha tem uma grande e bela Igreja Evangélica; eu não gostaria de outra, que não será (nunca) tão boa quanto essa; mas a quero católica, à católica, em fraternidade com a Evangélico. Às vezes perdemos o sentido religioso do povo, do Santo Povo fiel de Deus, e caímos em discussões de ética, discussões de conjuntura, discussões que são consequências teológicas, mas não são o núcleo da teologia. O que pensa o Santo Povo fiel de Deus? Como o povo santo de Deus se sente? Ir até ele e procurar saber como se sente, aquela religiosidade simples, que você encontra nos avós. Não estou dizendo para voltar atrás, não; mas à fonte de inspiração nas raízes.
Todos nós temos uma história de raízes de fé; até mesmo os povos a têm: reencontrá-la! Vem-me em mente a frase de Hoelderlin para nossa idade: "o homem velho deveria cumprir o que prometeu quando criança" Nós, em nossa infância... prometemos muitas coisas, muitas coisas. Agora entramos em discussões éticas, em discussões conjunturalistas, mas a raiz da religião é a bofetada no rosto que o Evangelho nos dá, o encontro com Jesus Cristo vivo: e dali as consequências, todas elas; dali a coragem apostólica, dali ir para às periferias, também as periferias morais do povo para ajudar; mas do encontro com Jesus Cristo. Se não houver o encontro com Jesus Cristo, haverá uma ética disfarçada de cristianismo. Isto é o que eu queria dizer, mas do fundo do coração. Obrigado.
Fonte: Vatican News