Cultura

No Barein, papa condena rearmamento que leva mundo ao precipício





O papa Francisco apelou nesta sexta-feira (4) a líderes religiosos para ajudar a trazer o mundo de volta da “beira de um precipício delicado” e manifestar oposição a uma nova corrida de rearmamento, que o pontífice disse estar redesenhando as esferas de influência da era da Guerra Fria.

Francisco discursou em seu primeiro dia no Barein no encerramento de um fórum sobre o diálogo Leste-Oeste, promovido pelo rei do país do Golfo, onde os cristãos podem praticar sua fé publicamente nas igrejas.

A visita segue a política do papa de melhorar os laços com o mundo islâmico após uma visita histórica a Abu Dhabi em 2019 – a primeira de um pontífice à Península Arábica. Ele já visitou cerca de dez países predominantemente muçulmanos, desde sua eleição em 2013.

Francisco, que sofre de um problema no joelho que o obriga a se locomover em cadeira de rodas e com auxílio de bengala, teceu seu discurso em torno do papel das religiões na promoção da paz, desarmamento e justiça social.

"Depois de duas terríveis guerras mundiais, uma guerra fria que por décadas manteve o mundo em suspense, conflitos catastróficos ocorrendo em todas as partes do globo e em meio a acusações, ameaças e condenações, continuamos à beira de um precipício delicado e não queremos cair", disse ele em um reluzente pátio de mármore do palácio real.

Aparentemente referindo-se à Ucrânia, Francisco condenou uma situação em que "alguns potentados são apanhados em uma luta resoluta por interesses partidários, revivendo a retórica obsoleta, redesenhando esferas de influência e blocos opostos".

Francisco, que apoia a proibição total de armas nucleares e muitas vezes condenou o comércio global de armas, disse que os líderes religiosos não podem apoiar guerras, em aparente referência ao patriarca da Igreja Ortodoxa Russa, Kirill, que apoiou entusiasticamente a invasão da Ucrânia pela Rússia e que o papa já havia criticado implicitamente antes.

 

- Francisco: caminhar segundo o Espírito para restabelecer a plena unidade entre nós

"A unidade para a qual caminhamos sobrevive na diferença. Não nos encerra na uniformidade, mas predispõe-nos para nos acolhermos nas diferenças. Isso acontece a quem vive segundo o Espírito: aprende a encontrar cada irmão e irmã na fé como parte do corpo a que pertence. Este é o espírito do caminho ecumênico", disse o Papa em seu discurso na Catedral de Nossa Senhora da Arábia, no Bahrein.

Após o encontro com o Conselho Muçulmano de Anciãos, na Mesquita do Palácio Real Sakhir, o Papa Francisco se dirigiu para a Catedral de Nossa Senhora da Arábia, em Awali, onde se realizou o Encontro ecumênico e oração pela paz.

Em sua alocução, Francisco recordou a passagem dos Atos dos Apóstolos que fala que, em Jerusalém, no dia de Pentecostes, cada um ouvia os discípulos falarem das maravilhas de Deus em sua própria língua. Apesar de virem de muitas regiões, as pessoas se sentiram unidas num só Espírito. "Hoje, como então, a variedade de origens e línguas não é um problema, mas um recurso", disse o Papa, reiterando que "isto é válido também para nós, porque, «num só Espírito, fomos todos batizados para formar um só corpo»".

Quanto nos une, supera em muito quanto nos divide

Infelizmente, com as nossas dilacerações, ferimos o corpo santo do Senhor, mas o Espírito Santo, que une todos os membros, é maior do que as nossas divisões carnais. Por isso é justo afirmar que, quanto nos une, supera em muito quanto nos divide e que, quanto mais caminharmos segundo o Espírito, tanto mais seremos levados a desejar e, com a ajuda de Deus, a restabelecer a plena unidade entre nós.

Voltando ao texto de Pentecostes, o Papa citou dois elementos úteis para o caminho de comunhão entre os cristãos: "A unidade na diversidade e o testemunho de vida". "O povo cristão é chamado a reunir-se, para que aconteçam as maravilhas de Deus. O fato de estar aqui no Bahrein como um pequeno rebanho de Cristo, disperso em vários lugares e confissões, ajuda a sentir a necessidade da unidade, da partilha da fé: assim como neste arquipélago não faltam ligações seguras entre as ilhas, assim aconteça também entre nós, para não estarmos isolados, mas em comunhão fraterna", sublinhou.

O louvor e a adoração nos conduzem às fontes do Espírito

"Como fazer para aumentar a unidade, se a história, o hábito, as obrigações e as distâncias nos parecem atrair para outras partes? Qual é o «lugar de encontro», o «cenáculo espiritual» da nossa comunhão?", perguntou Francisco, respondendo que "é o louvor a Deus, que o Espírito suscita em todos. A oração de louvor e adoração é gratuita e incondicional, atrai a alegria do Espírito, purifica o coração, reconstitui a harmonia, sanifica a unidade. O louvor e a adoração nos conduzem às fontes do Espírito, levando-nos de novo às origens, à unidade".

O Papa disse que "a unidade para a qual caminhamos sobrevive na diferença. Não nos encerra na uniformidade, mas predispõe-nos para nos acolhermos nas diferenças. Isso acontece a quem vive segundo o Espírito: aprende a encontrar cada irmão e irmã na fé como parte do corpo a que pertence. Este é o espírito do caminho ecumênico".

A seguir, Francisco disse: "Perguntemo-nos, como avançamos neste caminho. Eu, pastor, ministro, fiel, sou dócil à ação do Espírito? Vivo o ecumenismo como um peso, como um compromisso extra, como um dever institucional, ou então como o desejo veemente de Jesus de que nos tornemos «um só», como uma missão que brota do Evangelho? Concretamente, que faço eu por aqueles irmãos e irmãs que acreditam em Cristo e não são dos «meus»? Conheço-os, procuro-os, interesso-me por eles? Mantenho as distâncias comportando-me de maneira formal ou então procuro compreender a sua história e apreciar as suas particularidades, sem as considerar obstáculos intransponíveis?"

Voltar a descobrir e praticar a caridade

Depois da unidade na diversidade, o Papa passou ao segundo elemento: o testemunho de vida. No dia de Pentecostes, os discípulos se abrem, saem do Cenáculo e vão a todos os lugares do mundo. "Jerusalém, que parecia o seu ponto de chegada, torna-se o ponto de partida de uma aventura extraordinária", sublinhou Francisco, reiterando que "o nosso anúncio não é tanto um discurso feito de palavras, mas um testemunho a ser mostrado com os fatos; a fé não é um privilégio a ser reivindicado, mas um dom a ser partilhado".

O fato de estar aqui, no Bahrein, permitiu a muitos de vocês voltar a descobrir e praticar a genuína simplicidade da caridade: penso na assistência aos irmãos e irmãs que chegam, numa presença cristã que com humildade quotidiana testemunha, nos locais de trabalho, compreensão e paciência, alegria e mansidão, benevolência e espírito de diálogo. Numa palavra: paz.

Unidade e testemunho são coessenciais

Francisco disse que devemos "nos interrogar também sobre o nosso testemunho, porque, com o passar do tempo, podemos ir em frente apenas por inércia e esmorecer em mostrar Jesus através do espírito das Bem-aventuranças, a coerência e a bondade da vida, a conduta pacífica". "Agora que nos encontramos a rezar juntos pela paz, perguntemo-nos: Somos realmente pessoas de paz? Estamos possuídos pelo desejo de manifestar, por todo o lado e sem esperar nada em troca, a mansidão de Jesus? Fazemos nossas as fadigas, as feridas e as desuniões que vemos ao nosso redor?"

O Papa concluiu, dizendo que a "unidade e testemunho são coessenciais: não se pode testemunhar verdadeiramente o Deus do amor, se não estivermos unidos entre nós como Ele deseja; e não se pode estar unido, permanecendo cada um por conta própria, sem se abrir ao testemunho, sem dilatar os confins dos nossos interesses e de nossas comunidades em nome do Espírito que abraça toda a língua e anseia por alcançar a cada um. Ele une e envia, reúne em comunhão e manda em missão. Na oração, confiemos-Lhe o nosso percurso comum e invoquemos sobre nós a sua efusão, um renovado Pentecostes que dê olhares novos e passos ligeiros ao nosso caminho de unidade e paz".

Mariangela Jaguraba

 

O Papa: o "comércio da morte" transforma a terra num arsenal, a paz deve ser enraizada

Em seu discurso ao Conselho Muçulmano de Anciãos, Francisco disse que "o Deus da paz nunca conduz à guerra, nunca incita ao ódio, nunca apoia a violência. Nós, que cremos n’Ele, somos chamados a promover a paz através de instrumentos de paz, como o encontro, pacientes negociações e o diálogo, que é o oxigênio da convivência comum".

O Papa Francisco encontrou-se com os membros do Conselho Muçulmano de Anciãos, na Mesquita do Palácio Real Sakhir, em Awali, no Bahrein, na tarde desta sexta-feira (04/11).

A palavra "paz" norteou o discurso de Francisco. O Pontífice reiterou que "o Deus da paz nunca conduz à guerra, nunca incita ao ódio, nunca apoia a violência". "Nós, que cremos n’Ele, somos chamados a promover a paz através de instrumentos de paz, como o encontro, pacientes negociações e o diálogo, que é o oxigênio da convivência comum. Entre os objetivos que vocês propõem, conta-se o de difundir uma cultura da paz baseada na justiça. Este é o caminho, aliás o único caminho, já que a paz é «obra da justiça»", sublinhou o Papa, reiterando que "a paz não pode ser apenas proclamada, deve ser enraizada. E isto é possível removendo as desigualdades e as discriminações, que geram instabilidade e hostilidade".

Precisamos cada vez mais de nos encontrar, conhecer e estimar

A seguir, Francisco disse que ficou impressionado ao ver como um hospede é acolhido no Bahrein, "não só com um aperto de mão, mas levando também a outra mão ao coração em sinal de afeto; como se dissesse: a tua pessoa não fica longe de mim, mas entra no meu coração, na minha vida. Com respeitoso afeto, também eu levo a mão ao coração, vendo cada um de vocês e bendizendo ao Altíssimo pela possibilidade de nos encontrarmos".

"Creio que precisamos cada vez mais de nos encontrar, conhecer e estimar, superando os preconceitos e as incompreensões da história em nome d’Aquele que é Fonte de Paz. Diante de uma humanidade cada vez mais ferida e dilacerada que, sob a veste da globalização, respira com dificuldade e medo, os grandes credos devem ser o coração que une os membros do corpo, a alma que dá esperança e vida às aspirações mais elevadas", disse o Papa, acrescentando:

Caros amigos, irmãos em Abraão, que creem no Deus único, os males sociais e internacionais, os males econômicos e pessoais, bem como a dramática crise ambiental, que caracteriza estes tempos e sobre a qual se refletiu hoje aqui, vêm em última análise do afastamento de Deus e do próximo. Temos, portanto, uma tarefa única e imprescindível: a de ajudar a reencontrar estas fontes de vida esquecidas, de levar novamente a humanidade a beber nesta antiga sabedoria, de aproximar os fiéis à adoração do Deus do céu e aos homens para os quais Ele fez a terra.

Oração e  fraternidade

Segundo o Papa, para se fazer isso, "os meios são essencialmente dois: a oração e a fraternidade. Estas são as nossas armas, humildes e eficazes".

Não devemos deixar-nos tentar por outros instrumentos, por atalhos indignos do Altíssimo, cujo nome de Paz é insultado por aqueles que creem nas razões da força, alimentam a violência, a guerra e o mercado das armas, «o comércio da morte» que, através de somas astronômicas de dinheiro, transformam a nossa Casa comum num grande arsenal. Por trás de tudo isto, quantas tramas obscuras e quantas dolorosas contradições!

Francisco convidou a pensar, "nas várias pessoas que são obrigadas a migrar da sua terra por causa de conflitos alimentados pela compra a preços acessíveis de armamentos já sem validade, para acabar depois identificadas e rejeitadas em outras fronteiras através de equipamentos militares cada vez mais sofisticados. E, assim, a esperança é morta duas vezes! Pois bem, perante estes trágicos cenários, enquanto o mundo segue as quimeras da força, do poder e do dinheiro, somos chamados a lembrar, com a sabedoria dos anciãos e dos antigos, que Deus e o próximo vêm antes de tudo, que só a transcendência e a fraternidade nos salvam. Cabe a nós desenterrar estas fontes de vida; caso contrário, o deserto da humanidade será cada vez mais árido e mortífero. Sobretudo cabe a nós testemunhar, mais com os fatos, do que com as palavras, que acreditamos nisto".

Devemos ser modelos exemplares daquilo que pregamos

Temos uma grande responsabilidade diante de Deus e dos homens, e devemos ser modelos exemplares daquilo que pregamos, não só nas nossas comunidades e em nossa casa, isto já não basta, mas também no mundo unificado e globalizado. Nós, que descendemos de Abraão, pai na fé dos povos, não podemos ter no coração somente «os nossos», mas devemos dirigir-nos, cada vez mais unidos, a toda a comunidade humana que habita na terra.

A seguir, o Papa fez as seguintes perguntas: "Quem é o homem? Porquê o sofrimento, o mal, a morte, a injustiça? O que existe depois desta vida?" "Em muitos, porém, anestesiados por um materialismo prático e por um consumismo paralisador, tais questões jazem adormecidas, enquanto em outros são silenciadas pelas chagas desumanas da fome e da pobreza", sublinhou Francisco, reiterando que, "entre os motivos do esquecimento daquilo que conta, não se inclua a nossa incúria, o escândalo de nos empenharmos em outra coisa e não no anunciar o Deus que dá paz à vida e a paz que dá vida aos homens. Apoiemo-nos nisso, demos continuidade ao nosso encontro de hoje, caminhemos juntos! Seremos abençoados pelo Altíssimo e pelas criaturas mais pequeninas e frágeis que são as preferidas d’Ele: os pobres, as crianças e os jovens, que, depois de tantas noites tenebrosas, aguardam o surgir de uma alvorada de luz e de paz".

Mariangela Jaguraba 

Fonte: Agencia Brasil - Vatican News