Cultura

Artigo de Dom Pedro José Conti: A mulher da praça





Reflexão para o 31º Domingo do Tempo Comum | 30 de outubro 2022 – Ano “C” 

Uma mulher vivia numa praça. Ela havia transformado aquele lugar em seu lar. Ali ela dormia numa rede, amarrada entre árvores. Quando chovia, jogava um plástico sobre a rede e assim se protegia da chuva. Possuía,  também, uma caixa de papelão onde guardava seus pertences pessoais, ou seja, roupas e alimentos que ganhava das pessoas que moravam na redondeza. Certa vez, parou na praça um caminhão da prefeitura e recolheu tudo o que a mulher possuía. Os funcionários lhe disseram que ali não era lugar para morar. No outro dia, após o ocorrido, a mulher estava no mesmo local. Mantinha uma fisionomia tranquila e estendia a mão para quem passasse, pedindo auxílio. Uma pessoa que  a conhecia, observando a ausência da rede e da caixa, perguntou-lhe o que havia acontecido. Com voz calma e sem manifestar revolta, a mulher explicou tudo. Depois acrescentou: “Eu não me preocupo muito com isso, porque todas as  vezes que me tiram as coisas, as pessoas me dão outras e, na maioria das vezes, acabo recebendo mais do que possuía antes.

No evangelho de Lucas deste 31º Domingo do Tempo Comum, encontramos a conhecida página do cobrador de imposto Zaqueu. Por ser baixo em estatura, ele achou por bem subir numa árvore para “ver quem era Jesus” (19,3). Inesperadamente, ao passar por aí, Jesus olhou para cima e disse a Zaqueu para descer às pressas porque iria ficar na casa dele. Outra surpresa: não somente o chefe dos cobradores acolheu Jesus em sua casa, mas declarou publicamente a sua decisão de dar metade dos seus bens aos pobres e devolver quatro vezes mais àqueles a quem havia defraudado. Às críticas imediatas dos bem pensantes, Jesus respondeu confirmando a sua própria missão: “Com efeito, o Filho do Homem veio procurar e salvar o que estava perdido” (19,10).

Deixo de lado muitas outras considerações que poderíamos fazer sobre esta página tão dinâmica quanto “evangélica” no sentido da “boa notícia” que nos traz. Vou responder a uma simples pergunta que todos nós, talvez, deveríamos ter a coragem de nos fazer: afinal Zaqueu ganhou ou perdeu com a chegada de Jesus em sua vida? O que ganhou e o que perdeu? Ele estava acostumado com a administração do dinheiro; portanto a entrada de Jesus em sua casa lhe causou um enorme prejuízo financeiro. Num instante perdeu “metade” dos seus bens e quem sabe o montante que decidiu devolver aos que tinha explorado com suas cobranças. Para quem afirma que a fé em Jesus só traz bons negócios temos que lembrar que o caso de Zaqueu não foi o único. Mateus, outro cobrador de impostos (Mt 9,9), e muitos outros deixaram tudo para seguir o Mestre. O que Zaqueu ganhou foi aquela que Jesus chama de “salvação” (19,10), algo que não tem cotação na “bolsa valores”, na compra e venda de mercadorias ou ações financeiras. Nesse caso, o que Jesus oferece como “salvação” é facilmente explicável com outra palavra sempre mal-entendida e polêmica: “libertação”. De fato, Zaqueu vivia preso aos seus interesses e aos seus lucros. Os outros eram só “clientes” ou pessoas a serem extorquidas na cobrança dos impostos. Quando Jesus – e a salvação-libertação junto – entram na casa de Zaqueu, ele se lembra dos pobres, dos pertencentes a uma outra classe social, a mais baixa e, para ele, mais desprezível. Voltam à sua memória também aqueles que havia enganado com as mentiras e a corrupção e decide devolver muito mais do que tinha roubado. Foi quase uma confissão de culpa, uma superindenização que, talvez hoje, chamaríamos “por danos morais”, além dos materiais. 

Zaqueu ganhou a liberdade do dinheiro que o escravizava, mas também a consciência de ser “humano” como os demais, que as riquezas não tornam ninguém superior, e que a providência amorosa de Deus se serve do bom coração de quem tem para que não falte o necessário a quem passa necessidade. Às vezes, precisa saber perder algo, para ganhar outros bens muito mais preciosos como a bondade e a fraternidade. A pobre mulher da praça, moradora de rua, sem casa, sem bens, nunca perdia a esperança. Sempre ganhava mais do que possuía antes, sinal de caridade. Palavra dela. 

Por Dom Pedro José Conti

Fonte: Diocese de Macapá