Finalmente, após dois anos por causa da pandemia, podemos realizar publicamente o Círio de Nossa Senhora de Nazaré. Estamos alegres e animados. Iremos cantar e rezar atrás de uma imagem? Não. Nós católicos não “adoramos” as imagens; elas simplesmente nos ajudam a lembrar e a “imaginar” – isso sim – aqueles e aquelas que buscamos conhecer melhor para aprender a viver um pouco mais da santidade e das virtudes deles e delas. No Círio deste ano, iremos em procissão atrás de muitos anseios e de uma grande esperança, confiantes na intercessão maternal e amorosa de Nossa Senhora que chamamos, nestes dias, de Virgem de Nazaré.
O primeiro grande anseio que está em nossos corações é o mesmo grito dos dez leprosos do evangelho de Lucas deste domingo. À distância, eles pedem que Jesus, o mestre, tenha compaixão deles. Imploram a cura da doença, mas também a possibilidade de voltar a viver junto aos demais cidadãos, com os mesmos direitos e a mesma dignidade. A exclusão social dos pequenos, dos mais pobres e esquecidos, daqueles que podem ter errado na vida, é a lepra que ainda marca a existência de tantos irmãos e irmãs. A cura está ao nosso alcance todas as vezes que superamos as distâncias e nos tornamos próximos dos caídos nos caminhos da vida. Outro anseio que o Círio pode nos ajudar a expressar, mas que nem todos percebem, é o desejo de agradecer.
Com efeito, dos dez leprosos curados, somente um voltou para fazer isso atirando-se aos pés de Jesus. No entanto manifestar a nossa gratidão é a maneira mais simples de reconhecer a total gratuidade do dom recebido. É urgente aprender a agradecer a Deus também quando nem tudo acontece como nós gostaríamos . O Deus Pai bondoso, que Jesus veio nos fazer conhecer, não é alguém bom ou mau conforme a “nossa” vontade. Ele não é Deus para nos agradar e realizar os “nossos” planos. Ele quer nos conduzir pelos caminhos certos, para o nosso bem, assim que possamos aprender a sermos mais fraternos e misericordiosos também quando passamos por provações e dificuldades. Talvez os anos da pandemia nos tenham ensinado a transformar o medo em paciência, confiança e solidariedade.
Todos precisamos ser curados da lepra do egoísmo e da indiferença. Faz bem nos sentirmos limitados, menos poderosos do que pensamos, todos iguais: peregrinos, de passagem neste mundo, mortais. Somente assim motivamos e alimentamos a grande esperança de podermos ser melhores, como pessoas humanas e cristãs.
Relendo a página das Bodas de Caná e aproveitando da sua mensagem simbólica, nós não nos sentimos humilhados em pedir ajuda, em invocar a intercessão de Maria. Ela sempre diz por nós a Jesus: “Não tem mais vinho”. Ela confia plenamente naquilo que o Filho irá fazer. Ele não deixará acabar a festa da aliança entre Deus e a humanidade, porque o Pai é fiel às suas promessas. Houve, porém, uma grande surpresa: o vinho “novo” de Jesus não foi simplesmente o mesmo de antes, foi melhor em qualidade e quantidade. Como cristãos temos a missão de sermos homens e mulheres de esperança. Isso exige de nós muito mais do que continuarmos a fazer o que sempre fizemos, talvez vivendo uma fé tradicional só de alguns momentos da semana, de cada ano ou da vida inteira.
Neste domingo do Círio, resgatamos a memória dos nossos irmãos e irmãs que perdemos, mas também de tudo aquilo de que mais sentimos falta no tempo da pandemia: saúde, liberdade, amizade, coragem, aproximação, alegria. Quantas vezes, naqueles dias, nos perguntávamos sobre quando tudo aquilo ia acabar, mas também pensávamos: como será depois? O “depois da pandemia” chegou e temos a obrigação de transformar tudo o que refletimos e aprendemos em algo melhor. Cabe a nós preencher a vida nossa e dos nossos irmãos e irmãs com tudo aquilo do qual sentimos falta. O sinal milagroso do vinho melhor vai acontecer se praticarmos o que Maria disse e sempre nos repete: “Fazei o que ele vos disser”. Colocamos paz, crescerá a alegria; semeamos amor, florescerá a vida.
Por Dom Pedro José Conti
Fonte: Diocese de Macapá