Cultura

Artigo de Dom Pedro José Conti: As flores





Reflexão para o 25º Domingo do Tempo Comum | 18 de setembro 2022 – Ano “C” 

Certo dia, um carro luxuoso parou na frente do cemitério e o motorista desceu para procurar o vigia. Este chegou e viu, sentada no banco de trás, uma senhora idosa visivelmente doente e triste. Ela lhe disse:

– Eu sou aquela que toda semana envio dinheiro para as flores no túmulo de meu filho. Os médicos me disseram que tenho pouco tempo de vida e, por isso, vim para uma última visita e para agradecer ao senhor. O vigia ficou perturbado e respondeu:

– Me desculpe, senhora, mas nunca colocamos flores no túmulo do seu filho.

– Como é possível isso? – interveio a senhora.

– Veja – continuou o homem – as flores duram pouco e aqui não tem ninguém que lhe dê valor. Eu faço parte de um grupo que visita os doentes nos hospitais. Ali, sim, precisa de flores! Os doentes apreciam o perfume e ficam alegres.

 A senhora fez sinal ao motorista para ir embora. Meses depois, aquele carro novamente chegou e era a própria senhora que o dirigia.

– Venho do hospital – disse sorrindo – Agora sou eu que levo as flores para os doentes. O senhor tinha razão. Eles se sentem felizes e me ajudam a melhorar. Os médicos não sabem explicar como é que eu fiquei boa. Mas eu o sei. Encontrei uma razão de vida. Levo as flores na lembrança do meu filho e isso me dá força.

No evangelho de Lucas deste 25º Domingo do Tempo Comum, escutamos Jesus falar, novamente, da administração de bens materiais. Dessa vez, é-nos apresentado o caso de um administrador denunciado como desonesto. Ele tem certeza de que será despedido do emprego e, para ganhar a amizade dos devedores do patrão, por conta própria, falsifica a contabilidade reduzindo, sensivelmente, a dívida de cada um. Era para se esperar uma insatisfação ou uma cobrança, ainda maior, por parte daquele rico senhor, que teve tanto prejuízo por culpa daquele administrador. No entanto, surpreendentemente, ele elogiou a expertise do administrador, porque afinal ele usou o dinheiro para conseguir os favores de outras pessoas. Terminada a parábola, Jesus conclui: “Eu vos digo: Usai o dinheiro injusto para fazer amigos, pois, quando acabar, eles vos receberão nas moradas eternas” (Lc 16,9). O ensinamento dele, portanto, não está na imitação da esperteza dos filhos deste mundo, que usam dos bens materiais para a própria vantagem, mas na capacidade de usar desses bens para promover amizade, vida, justiça e paz. Aí está o grande desafio: é possível que a humanidade consiga, um dia, administrar as riquezas deste mundo sem gerar tantas desigualdades e exclusões, mordomias de um lado e exploração do outro? As palavras de Jesus seriam uma receita possível de ser aplicada à economia mundial?

Evidentemente, eu não tenho resposta e não sei se alguns dos mais ilustres economistas do mundo a teriam. A situação do planeta e do seu funcionamento com bilhões de seres humanos, que devem ao menos sobreviver e se alimentar todo dia, é bem difícil, complexa e, podemos dizer, complicada por causa dos múltiplos interesses em jogo. Contudo estou convencido que as palavras de Jesus apontam o rumo certo de uma economia planetária mais humana e fraterna. As riquezas deveriam tornar a vida de todos mais alegre e feliz. Não deveriam ser motivo de brigas, guerra, morte e destruição. A história ensina que todas as vezes que prevaleceram os interesses particulares, só de um continente, de um país ou de um povo, outras populações, inteiras, ficaram gravemente prejudicadas. Os cientistas de muitas disciplinas dizem que o planeta Terra não aguenta mais tanto consumo e desperdício de bens e energia por parte das populações dos países mais ricos, quando tantos outros seres humanos passam apertos vergonhosos. No evangelho, Jesus chama os seus discípulos de “filhos da luz”. Talvez precisemos acreditar mais em pequenas experiências alternativas de fraternidade e partilha, que poderão servir de modelo para outras e mais outras. O Reino novo sempre começa pequeno. Muitos anos se passaram desde quando os jovens cantavam que era preciso colocar flores nos canhões. Hoje, os mísseis são cada vez mais sofisticados e destrutivos. Então, desistimos de oferecer flores?  Nunca é tarde. Como aquela senhora que reencontrou vida e saúde.

Por Dom Pedro José Conti

Fonte: Diocese de Macapá