Cultura

O Papa: uma Igreja sem medos e lamentos, livre de moralismos





No encontro com bispos, sacerdotes, diáconos, pessoas consagradas, seminaristas e agentes pastorais, o Papa encorajou a construir “uma Igreja mais habitada pela alegria do Ressuscitado, que rejeite medos e lamentos, que não se deixe endurecer por dogmatismos e moralismos”. O encontro foi realizado na manhã desta quinta-feira (15) na Catedral de Nur-Sultan

No terceiro dia da sua viagem ao Cazaquistão, depois do encontro com os membros da Companhia de Jesus, o Papa Francisco encontrou os bispos, sacerdotes, diáconos, pessoas consagradas, seminaristas e agentes pastorais na Catedral de Nur-Sultan. Na sua saudação inicial o Papa disse estar feliz por encontrar a Conferência Episcopal da Ásia Central e ver uma Igreja feita de muitos rostos, histórias e tradições diferentes, e todas unidos por uma única fé em Cristo Jesus. Acrescentando que a beleza da Igreja está nisto: “em sermos uma única família, na qual ninguém é estrangeiro.

“Repito: ninguém é estrangeiro na Igreja, somos um único Povo santo de Deus, rico de tantos povos!”

"E a força do nosso povo sacerdotal e santo está precisamente em fazer da diversidade uma riqueza através da partilha daquilo que somos e temos; a nossa pequenez multiplica-se, se a partilharmos”. Citando a passagem da Palavra de Deus de São Paulo que diz, 'o mistério de Deus foi revelado a todos os povos', o Papa disse: “Todo o homem pode ter acesso a Deus, porque – como explica o Apóstolo – todos os povos ‘são admitidos à mesma herança, membros do mesmo corpo e participantes da mesma promessa, em Cristo Jesus, por meio do Evangelho’".

Herança e promessa

Em seguida disse que gostaria de sublinhar duas palavras usadas por São Paulo: “Herança e promessa: a herança do passado é a nossa memória, a promessa do Evangelho é o futuro de Deus que vem ao nosso encontro: uma Igreja que caminha na história entre memória e futuro".

Memória e futuro

“Em primeiro lugar, a memória. Se hoje neste vasto país, multicultural e multirreligioso, podemos ver comunidades cristãs vibrantes e um sentido religioso que permeia a vida da população, deve-se sobretudo à rica história que vos precedeu”. Recomendando em seguida: “No caminho espiritual e eclesial, não devemos perder a lembrança de quantos nos anunciaram a fé, porque fazer memória ajuda-nos a desenvolver o espírito de contemplação pelas maravilhas que Deus operou na história, mesmo no meio das fadigas da vida e das fragilidades pessoais e comunitárias”. Porém, adverte Francisco: “Mas tenhamos cuidado! Não se trata de olhar para trás com nostalgia”.

“Quando se volta para fazer memória, o olhar cristão pretende abrir-nos à estupefação perante o mistério de Deus, enchendo o nosso coração de louvor e gratidão por tudo o que realizou o Senhor”

Sem memória, não há estupefação do Mistério

“É esta memória viva de Jesus que nos enche de maravilha – continuou Francisco - e nos faz tirar sobretudo do Memorial eucarístico a força de amor que nos impele. É o nosso tesouro. Por isso, sem memória, não há estupefação. Se perdemos a memória viva, então a fé, as devoções e as atividades pastorais correm o risco de esmorecer, sendo como fogos de palha que acendem imediatamente mas depressa se apagam”. Concluindo seu pensamento sobre a memória ainda acrescenta: “A fé não é uma bela exposição de coisas do passado, mas um evento sempre atual, o encontro com Cristo que acontece aqui e agora na vida. Por isso não se comunica apenas com a repetição das coisas de sempre, mas transmitindo a novidade do Evangelho. Assim a fé permanece viva e tem futuro”.

Futuro

“E vemos aparecer aqui a segunda palavra: futuro”. Continua Francisco: “a memória do passado não nos fecha em nós mesmos, mas abre-nos à promessa do Evangelho. Jesus garantiu-nos que estaria sempre conosco”. “Apesar das nossas fraquezas, Ele não Se cansa de estar conosco, construindo juntamente conosco o futuro da sua e nossa Igreja”.

Ser pequenos

O Papa fala também dos desafios da fé ao dizer que num país vasto como o Cazaquistão poder-se-ia sentir “pequenos” e inadequados. Contudo, encoraja, “o Evangelho diz que ser pequeno, pobre em espírito, é uma bem-aventurança, a primeira bem-aventurança”. E afirma em seguida: “há uma graça escondida no fato de se constituir uma pequena Igreja, um pequeno rebanho; em vez de exibir as nossas forças, os nossos números, as nossas estruturas e todas as outras formas de relevância humana, deixamo-nos guiar pelo Senhor e colocamo-nos, com humildade, ao lado das pessoas”.

“Ricos de nada e pobres de tudo, caminhamos com simplicidade, próximo das irmãs e irmãos do nosso povo, levando às situações da vida a alegria do Evangelho”

Ponderando o aspecto da pequenez o Pontífice afirma ainda: “Ser pequeno lembra-nos que não somos autossuficientes: que precisamos de Deus, mas também dos outros, de todos eles: das irmãs e irmãos doutras confissões, de quem professa um credo religioso diferente do nosso, de todos os homens e mulheres animados de boa vontade”.

Comunidade aberta ao futuro de Deus

E desejou que a comunidade eclesial do Cazaquistão seja sempre “uma comunidade aberta ao futuro de Deus, abrasada pelo fogo do Espírito: viva, esperançosa, disponível às novidades d’Ele e aos sinais dos tempos, animada pela lógica evangélica da semente que frutifica no amor humilde e fecundo”. “Deste modo – continuou o Papa - abre caminho não só para nós, mas realiza-se também para os outros, a promessa de vida e de bênção que Deus Pai derrama sobre nós por meio de Jesus. E realiza-se sempre que vivemos a fraternidade entre nós, que cuidamos dos pobres e de quem está ferido na vida, sempre que testemunhamos a justiça e a verdade nas relações humanas e sociais, dizendo ‘não’ à corrupção e à falsidade”. Desejando ainda que “as comunidades cristãs, em particular o Seminário, sejam ‘escolas de sinceridade’: não ambientes rígidos e formais, mas ginásios de treino para a verdade, a abertura e a partilha”. Concluindo esse ponto disse ainda:

“A abertura, a alegria e a partilha são os sinais da Igreja primitiva; mas são também os sinais da Igreja do futuro. Sonhemos e, com a graça de Deus, construamos uma Igreja mais habitada pela alegria do Ressuscitado, que rejeite medos e lamentos, que não se deixe endurecer por dogmatismos e moralismos”

Jane Nogara 

 

Cazaquistão, diante de Francisco, a vida evangélica de um pequeno rebanho

As histórias contadas ao Papa por leigos e consagrados durante o encontro na catedral de Nur-Sultan com bispos, sacerdotes, diáconos, consagrados e consagradas, seminaristas e agentes de pastoral, no terceiro e último dia da 38ª viagem apostólica

Andrea De Angelis 

Novos horizontes que livram de preconceitos, a capacidade de colocar o próprio ego, a gratidão por uma vocação que leva um a ver o outro como um dom, o sacerdócio como um serviço de compaixão, e mais agradecimentos ao Papa pelo que está fazendo para garantir que haja paz no mundo. Estes são apenas alguns dos temas dos testemunhos do encontro com bispos, sacerdotes, diáconos, consagrados, seminaristas e agentes da pastoral na Catedral Mãe de Deus do Perpétuo Socorro de Nur-Sultan, capital do Cazaquistão, onde se realiza a 38ª viagem apostólica de Francisco.

Ser religiosa é proximidade e serviço

Irmã Clara, da Comunidade das Bem-aventuranças, dirigiu-se a Francisco falando em nome das religiosas do Cazaquistão. "A primeira coisa que eu gostaria de dizer é uma palavra de gratidão a Deus pela minha vocação! A vocação é o mistério do amor entre Deus e o homem. Para mim, ser freira significa ser espiritualmente uma mãe para cada pessoa", disse. Depois enfatizou que "todos os dias tenho a prova de que nada é impossível a Deus". Mas o que significa ser uma religiosa no Cazaquistão? "Significa estar com as pessoas, acompanhando-as, alegrando-se quando elas se alegram, apoiando-as quando elas choram. É um testemunho", concluiu, "da presença ativa, do serviço simples e da misericórdia de Deus".

Sacerdotes em um pequeno rebanho

Ruslan Rakhimberlinov, sacerdote da Diocese de Karaganda e recém-nomeado Reitor do Seminário Interdiocesano "Maria, Mãe da Igreja", logo expressou sua felicidade e a de todos os fiéis presentes porque "esta histórica visita ao país tornou um sonho, realidade". Recordando que o Cazaquistão é uma nação multiétnica, multi-cultural e multi-religiosa, ele explicou que as pessoas sentem a necessidade da presença de um sacerdote "que celebre a Eucaristia, administre os Sacramentos, seja capaz de dizer uma boa palavra em uma homilia, seja capaz de compreender e apoiar em momentos difíceis e de alegrar e encorajar em momentos de consolo". “A nossa Igreja aqui no Cazaquistão", acrescentou, "é um pequeno rebanho de Cristo, e estou certo de que nesta situação há oportunidades para cultivar o Reino de Deus, para dar testemunho da alegria do Evangelho, superando dificuldades e obstáculos".

Agradecimento ao Papa, mensageiro da paz

A Sra. Miroslava Galushka, esposa de um sacerdote greco-católico da Administração Apostólica dos Católicos de Rito Bizantino do Cazaquistão e Ásia Central, disse em seu testemunho que estava "agradecida ao Senhor" que seu marido, há uma década atrás, "respondeu ao chamado do Espírito Santo e decidiu deixar sua pátria para vir exercer seu ministério no Cazaquistão, para compartilhar sua vida com o povo que o Senhor coloca no caminho da fé cristã, amparado pelo amor de Deus e pela alegria do Evangelho". Agradecendo ao Papa por "ter vindo ao Cazaquistão como mensageiro de paz. Agradeço por suas orações e por todos os seus esforços para restaurar a paz na minha pátria, a Ucrânia".

Os leigos e a possível contribuição à sociedade

"Sou filho único de pais divorciados, não tive experiência nem de uma educação paterna nem de uma família completa. Consequentemente, cresci fechado no egoísmo do meu ego, no qual está arraigado a conhecida crença de que tudo é devido ou que se tem o direito de fazer tudo". Assim iniciou seu relato o Sr. Kirill Boreychuk, que falou em nome dos leigos e das famílias cazaques. "A vida cristã reside para nós na fórmula sucinta de São Paulo Apóstolo: não viver para nós mesmos. Quero dar glória ao Senhor Deus", explicou então, "por ter me chamado para o caminho da vida cristã no seio da Igreja Católica, que me abre novos horizontes e me liberta dos preconceitos que adquiri em vários âmbitos da vida infantil e adulta". "À medida que aprendemos na Igreja a passar do egoísmo humano ao amor esponsal incondicional, percebemos", concluiu, "a nossa contribuição como uma célula saudável à vida da sociedade do nosso país".

Fonte: Vatican News