O segundo discurso oficial do Santo Padre na sua Viagem Apostólica ao Cazaquistão foi o da abertura do VII Congresso de Líderes Mundiais e Religiões Tradicionais, que se realizou em Nur-Sultan na manhã desta quarta-feira (14) no Palácio da Independência. Na ocasião, Francisco abordou vários temas do encontro que reúne Líderes religiosos e Autoridades governamentais e representantes de Organizações Internacionais. Sobretudo propôs alguns desafios a serem considerados:“frente ao mistério do infinito que nos sobrepuja e atrai, as religiões lembram-nos que somos criaturas”, disse o Papa, “não somos omnipotentes, mas mulheres e homens em caminho para a mesma meta celeste. Assim a dimensão de criatura que partilhamos estabelece uma comunhão, uma real fraternidade”.
Francisco recordou o poeta mais famoso do país, pai da sua literatura moderna, o educador e compositor muitas vezes representado precisamente junto com o instrumento dombra: Abai (1845-1904). Assim é conhecido popularmente, e disse o Papa, nos deixou “escritos impregnados de religiosidade, nos quais transparece a alma melhor deste povo. Abai – continuou - provoca-nos com um interrogativo atemporal: ‘Que beleza pode ter a vida, se não se vai em profundidade?’".
Em seguida disse - dirigindo-se aos Líderes religiosos - que o mundo espera de nós o exemplo de almas despertas e mentes límpidas, espera uma religiosidade autêntica. “Chegou a hora - continuou - de despertar daquele fundamentalismo que polui e corrói toda a crença, chegou a hora de tornar límpido e compassivo o coração. Mas é hora também de deixar apenas aos livros de história os discursos que por demasiado tempo, aqui e noutras partes, inculcaram suspeitas e desprezo a respeito da religião, como se esta fosse um fator desestabilizador da sociedade moderna”.
“Portanto precisamos de religião para responder à sede de paz do mundo e à sede de infinito que habita o coração de cada homem”
Para que tudo isso aconteça, ou seja, a condição essencial para um desenvolvimento verdadeiramente humano e integral “é a liberdade religiosa. Irmãos, irmãs, somos criaturas livres” recordou o Papa aos presentes. E com ênfase Francisco disse: “A liberdade religiosa constitui um direito fundamental, primário e inalienável, que é preciso promover em todos os lugares e que não se pode limitar apenas à liberdade de culto. De fato, é direito de cada pessoa prestar testemunho público da sua própria crença: propô-lo, sem nunca o impor. Destacando:
“É a prática correta do anúncio, diferente daquele proselitismo e doutrinamento de que todos são chamados manter-se distantes”
“Por entre vulnerabilidade e tratamento, a pandemia representa o primeiro de quatro desafios globais que quero delinear convocando a todos – mas de modo especial as religiões – para uma maior unidade de intentos. A Covid-19 colocou-nos a todos no mesmo plano. Fez-nos compreender que ‘não somos demiurgos – como dizia Abai –, mas mortais’ (Ibid.). Ao falar sobre os efeitos da pandemia sobretudo nos países pobres disse:
“O maior fator de risco do nosso tempo continua a ser a pobreza. Enquanto continuarem a assolar disparidades e injustiças, não poderão cessar os vírus piores do que a Covid, ou seja, os do ódio, da violência, do terrorismo”
Isto leva-nos ao segundo desafio planetário, que interpela de maneira particular os crentes: o desafio da paz. “Se o Criador, a quem dedicamos a existência, deu origem à vida humana, como podemos nós – que nos professamos crentes – consentir que a mesma seja destruída? E como podemos pensar que os homens do nosso tempo – muitos dos quais vivem como se Deus não existisse – estejam motivados para se comprometer num diálogo respeitoso e responsável, se as grandes religiões, que constituem a alma de tantas culturas e tradições, não se empenham ativamente pela paz?”.
“Nunca justifiquemos a violência. Não permitamos que o sagrado seja instrumentalizado por aquilo que é profano. O sagrado não seja suporte do poder, e o poder não se valha de suportes de sacralidade!”
Francisco recordou mais uma vez: "Deus é paz, e sempre conduz à paz, nunca à guerra. Por isso empenhemo-nos ainda mais a promover e reforçar a necessidade de que os conflitos sejam resolvidos não com as razões inconclusivas da força, com as armas e as ameaças, mas com os únicos meios abençoados pelo Céu e dignos do homem: o encontro, o diálogo, as negociações pacientes".
Depois dos desafios da pandemia e da paz, abracemos um terceiro desafio: o do acolhimento fraterno. “Nunca antes tínhamos assistido, como agora, a tão grandes deslocamentos de populações, causados por guerras, pobreza, alterações climáticas, pela busca dum bem-estar que o mundo globalizado permite conhecer, mas se revela frequentemente de difícil acesso. Está em curso um grande êxodo: das áreas mais desfavorecidas procura-se chegar às mais abastadas”. “Mas – adverte o Papa - é nosso dever lembrar que o Criador, que vela sobre os passos cada criatura, nos exorta a ter um olhar semelhante ao d’Ele, um olhar que reconheça o rosto do irmão”. Reiterando suas palavras disse ainda: “Redescubramos a arte da hospitalidade, do acolhimento, da compaixão. E aprendamos também a corar: sim, a sentir aquela saudável vergonha que nasce da piedade pelo homem que sofre, da comoção e estupefação pela sua condição, pelo seu destino de que nos sentimos parte. É o caminho da compaixão, que nos torna mais humanos e mais crentes”.
O último desafio global que nos interpela, disse, “é o da custódia da casa comum. À vista das convulsões climáticas, é preciso protegê-la, para que não fique sujeita às lógicas do lucro, mas seja preservada para as gerações futuras, em louvor do Criador”. “Com amoroso cuidado, o Altíssimo providenciou uma casa comum para a vida. E como podemos nós, que nos professamos Seus, permitir que aquela seja poluída, maltratada e destruída? Unamos esforços também neste desafio” foi seu convite.
Por fim o Papa concluiu com as seguintes palavras:
“Queridos irmãos e irmãs, avancemos juntos, para que seja cada vez mais amistoso o caminho das religiões. Abai dizia que 'o falso amigo é como uma sombra: quando o sol brilha sobre ti, não te livrarás dele, mas quando as nuvens se acumularem sobre ti, não se fará ver em parte alguma' (Palavra 37). Que isso não aconteça conosco!”.
Fonte: Jane Nogara - Vatican News