A mãe estava passando roupa e o filho adolescente sentado à mesa escrevia, no seu caderno, os bons propósitos da sua vida. “Se visse alguém que estivesse para afogar – escrevia o jovem – logo me jogaria na água para socorrê-lo. Se pegasse fogo a casa salvaria as crianças. Se acontecesse um terremoto, não teria medo de entrar nos prédios mais perigosos para salvar alguém. Gastarei a minha vida para ajudar todos os pobres do mundo…”. De repente, a mãe lhe diz:
– Por favor, meu filho, vai à padaria, aqui embaixo, e compra alguns pães. Responde o jovem:
– Ó mãe, a senhora não vê que está chovendo?
No evangelho de Lucas deste 23º Domingo do Tempo Comum, Jesus nos apresenta mais algumas condições para nos tornarmos seus discípulos. Ele já nos alertou sobre a ganância, o apego às coisas materiais, às amizades interesseiras que nos impedem de sermos felizes experimentando um pouco do amor gratuito de Deus. Agora, parece pedir mais ainda. Nada de vida fácil para os seus discípulos. Será necessário se desapegar da família, carregar a própria cruz e renunciar a tudo o que temos. Jesus não exagerou demais na sua maneira de falar? E se alguém não conseguir tudo isso, nunca será discípulo do Mestre?
Vamos começar a entender um pouco melhor o que pode significar “carregar” a própria cruz. Logo pensamos em fardos pesados, situações adversas que vão exigir grandes esforços e sacrifícios. Na realidade, a nossa cruz somos nós mesmos, levando em conta os defeitos e as limitações que experimentamos, sem esquecer as circunstâncias – tempo e lugar – onde nascemos, crescemos e vivemos. Por isso, Jesus fala de uma “obra”, semelhante à construção de uma torre que deve ser bem calculada, para não parar no meio por falta de recursos e, assim, passar vergonha. Vale, também, a comparação com uma “guerra” que não pode ser ganha se o número dos próprios homens for pequeno demais para enfrentar o inimigo. Qualquer coisa que queiramos fazer ou alcançar na vida, somente será possível construir, incluindo a nossa personalidade ou maturidade que seja, a partir da nossa realidade que nunca é perfeita. São Paulo diz: “…quando quero fazer o bem, é o mal que se me apresenta… (Rm 7,21-24). Nós vivemos mergulhados em bons exemplos e em bons sentimentos, mas também sempre com a tentação de desprezar e invejar os outros, transformando tudo em disputas, brigas e confusões. Encontramos amigos para amar, mas tropeçamos em inimigos que nos fazem sentir ódio e rancor.
Carregar a nossa cruz significa todo dia – talvez toda hora – suar um pouco ou muito para corrigir o nosso egoísmo, reconhecer que erramos, perdoar quem nos ofendeu, aprender sempre de novo a amar como Jesus nos deu o exemplo, servindo no último lugar aos pobres e pequenos. Por isso, ele nos pede de escolhê-lo como único “Senhor” da nossa vida, como “luz”, para podermos ter olhos capazes de ver o mal, as injustiças e as mentiras, também se podemos encontrar tudo isso entre os nossos familiares e, com certeza e sobretudo, nas coisas materiais que aprisionam o nosso coração e nos fazem construir uma sociedade desumana de excluídos e famintos. Acontece que é muito mais fácil apontar os erros dos outros que os próprios. Para os sócios, os amigos e os parentes valem critérios e desculpas bem diferentes daqueles que aplicamos aos demais. Com a melhor das intenções (amizade? afeto?) talvez compactuamos com os pecados pessoais e sociais que nada contribuem para o bem comum e a esperança de todos. Os panos sujos se lavam em casa, diz o ditado, mas é necessário fazermos alguma coisa para que eles fiquem limpos, quem sabe, de uma vez por todas. Jesus não nos coloca contra as nossas famílias e nem contra os bens deste mundo, somente nos pede para fazermos bem os cálculos para perseverarmos até o fim na construção da grande obra do seu Reino sem nos desviarmos, por outros objetivos, ao longo do caminho. Não precisa querer salvar todo o mundo ou esperar alguma fatalidade para sermos aclamados heróis. Começamos a ajudar alguém que precisa. Também se lá fora chove egoísmo e indiferença.
Por Dom Pedro José Conti
Fonte: Diocese de Macapá