Cultura

Artigo de Dom Pedro José Conti: Está enganando a si mesma





Reflexão para o 19º Domingo do Tempo Comum | 05 Agosto 2022 – Ano “C” 

Certa vez, uma jovem, cheia de boas intenções, apresentou-se ao Aba Arfat e lhe disse:

 – Pai, jejuei duzentas semanas, aprendi o Antigo e o Novo Testamento. O que me resta ainda para fazer? O ancião respondeu?

– Qual fruto você alcançou? Para você o desprezo é igual a honra? A jovem respondeu:

– Não. O Aba continuou:

– Você considera a perda como um lucro? Trata os estranhos como parentes de sangue? Avalia a indigência igual à fartura? Respondeu a jovem:

– Absolutamente não! Então o Aba Arfat disse:

– Então não jejuou a cada seis dias como deveria e não aprendeu nem o Antigo e nem o Novo Testamento. Você está enganando a si mesma. Volte e comece a trabalhar o seu coração e os seus pensamentos, porque até agora não conseguiu nada.

O evangelho de Lucas deste 19º Domingo do Tempo Comum é um conjunto de palavras de Jesus, talvez pronunciadas em momentos diferentes, que o evangelista juntou nesta página. Somos exortados a vigiar, também se há motivações diferentes para ficar atentos e acordados. Com efeito, tem os homens que esperam a volta do senhor deles de uma festa de casamento. Essa é uma espera alegre. Quando o senhor chegar será uma festa; os que estiverem acordados serão felizes e o senhor os servirá. Diferente é a maneira de vigiar por parte de quem tem medo de ser roubado. Fica atento para não ser surpreendido, quando o ladrão chegar. Por fim, tem o administrador que aguarda a chegada do patrão. Se for um administrador “fiel e prudente” será elogiado e promovido. Mas se aproveitou da demora do patrão para maltratar os criados e embriagar-se, nesse caso, será severamente punido. Podemos concluir que Jesus nos convida a sermos discípulos atentos e ativos. Para quem quiser mesmo colaborar com o crescimento do Reino de Deus, não tem feriado e nem tempo a perder, ficando parados e acomodados. O Reino acontece em conjunto com a história humana, não por fora ou no céu. Os cristãos devem participar de maneira competente e responsável dos acontecimentos ou, melhor ainda, trabalhar para que a paz, a justiça e a fraternidade se tornem real – também se em constante construção – e não só um grande desejo. Por outro lado, “vigiar” significa também estarmos sempre atentos para não perder o entusiasmo, a confiança na presença do Senhor vivo e ressuscitado.  “Não deixemos que nos roubem a esperança”, ensina o Papa Francisco (EG 86). O seguimento de Jesus é outra coisa que ter a consciência anestesiada porque, talvez, pensamos muito nele, mas, afinal, desejamos somente o nosso bem-estar individual, sem nos deixar atingir pelos sofrimentos dos irmãos e as injustiças de uma sociedade que gera pobreza, fome e exclusão.

Volto às primeira palavras do evangelho deste domingo. Quantas vezes o nosso “tesouro” somos nós mesmos. O Evangelho e o amor ao próximo vêm muito depois. Se for assim, é óbvio que o defendamos com unhas e com dentes. Porque é ali, no nosso egoísmo individualista, que está o nosso coração! Vigiamos sim, mas para não perder privilégios, não partilhar algo que talvez sejam até sobras para nós. Construímos muros, isolamo-nos, filtramos notícias, para continuar a imaginar que todos tenham onde morar, o que colocar na mesa e onde “reclinar a cabeça”. Vivemos com medo de ser roubados, de perder o que, às vezes, ainda nem possuímos, mas que cobiçamos de todo coração. Conscientemente ou não, acabamos sendo escravos dos bens materiais, da conta no Banco, do orgulho da nossa posição social. Um dia, deixaremos tudo por aqui. Jesus nos propõe uma grande libertação. Alguns, podem até dar tudo mesmo em esmola e escolher a pobreza evangélica. Todos, porém, podemos ser bons “administradores”, de coração livre e, portanto, planejar a sociedade e os negócios não mais somente para os nossos interesses, mas para uma vida mais digna também para os nossos irmãos. Os “juros” do Banco do Céu não dependem dos nossos jejuns ou de ter decorado páginas da Bíblia. Dependem da liberdade e da responsabilidade com a qual administramos os bens que o Senhor nos confiou para que produzam fartos frutos de bondade e de paz. 

Por Dom Pedro José Conti