Cultura

Papa Francisco: um martírio na Ucrânia, não o esqueçamos





Francisco interrompeu sua pausa de verão para receber numa única audiência os participantes de três Capítulos em andamento em Roma. A eles, indicou o critério essencial do discernimento: a evangelização. Mais uma vez manifestou sua solidariedade ao povo ucraniano e recomendou aos religiosos: tolerância zero na questão dos abusos.

O Papa Francisco quebrou o “jejum” das audiências deste mês de julho recebendo esta quinta-feira os capitulares de três Congregações religiosas: Ordem Basiliana de São Josafat, Ordem da Mãe de Deus e Congregação da Missão.

Não se trata de uma "salada de frutas" de institutos, brincou o Papa no início de sua saudação, afirmando que esta foi a modalidade encontrada neste período em que estão suspensas as audiências no Vaticano. Mas que faz questão de receber os Capítulos.

Evangelização: critério essencial

E foi justamente a experiência capitular o tema do discurso do Santo Padre, que convidou os presentes a “saborearem” este momento que a pandemia impossibilitou durante tanto tempo. De fato, disse o Papa, isso deveria ajudar a não dar como certo o fato de poder se encontrar, confrontar-se olhando nos olhos e, sobretudo, rezar e ouvir juntos a Palavra e compartilhar a Eucaristia.  

O Capítulo, prosseguiu Francisco, é o momento do discernimento comunitário, uma das mais belas e fortes experiências eclesiais. Com a ajuda do Espírito Santo, busca-se ver em que medida foram fiéis ao carisma e que direção seguir. "Se não tem o Espírito num Capítulo, fechem as portas e voltem para casa! O Espírito deve ser quase o protagonista de um Capítulo", disse o Papa. Para isso, indicou o critério essencial: a evangelização. Isto é, se as escolhas feitas, os métodos, os instrumentos e os estilos de vida são orientados a testemunhar e anunciar o Evangelho. Não obstante os carismas sejam diferentes, todos podem e devem cooperar para a evangelização. Citando a Evangelii Nutiandi de Paulo VI, o Pontífice recordou que a "vocação da Igreja é evangelizar, a alegria da Igreja é evangelizar".

Este chamado não diz respeito somente ao plano pessoal, como todo batizado, mas também de forma comunitária, com a vida fraterna. “Esta é a via mestra para mostrar a pertença a Cristo”, disse Francisco, reconhecendo, porém, quanto seja difícil. Inconcebível para a mentalidade do mundo, a vida em comunidade requer uma atitude cotidiana de conversão, de colocar-se em discussão e de vigilância sobre as rigidezes.

Mas sobretudo, indicou Francisco, requer humildade e simplicidade de coração. Por não ser “dons naturais”, devem ser pedidos incessantemente a Deus. Não se trata de manter relações de fachada e sorrisos artificiais, mas de viver uma fraternidade livre. Só assim, pode transparecer a verdadeira alegria: “A alegria de ser de Cristo e de sê-lo juntos, com os nossos limites e os nossos pecados. Alegria de ser perdoados por Deus e compartilhar este perdão com os irmãos. Esta alegria não se pode esconder, transparece! E é contagiosa”.

Cuidado com as fofocas

É a alegria dos santos outro elemento importante de uma Congregação. No caso dos capitulares presentes São João Leonardi, São Josafat e São Vicente de Paulo. Estes santos mostram a importância de rezar e trabalhar. Foram evangelizadores, não proselitistas. Do ponto de vista da evangelização, não servem propostas místicas sem compromisso social e missionário, nem práxis sociais e pastorais sem espiritualidade. “Não se nasce fundadores!”, afirmou o Papa. Mas se torna por atração: o santo não atrai para si, mas para o Senhor.

Eis então as palavras-chave: humildade, simplicidade de coração e alegria. “Este é o caminho de uma fraternidade evangelizante. Impossível aos homens, mas não a Deus!” O Papa mais uma vez alertou para as insídias das fofocas, que destroem a alegria comunitária.

Ucrânia e abusos

Antes de concluir, Francisco dirigiu seu pensamento à Ucrânia, lugar de origem de São Josafat, membro da Ordem de São Basílio. Neste momento de "dor e martírio" da pátria ucraniana, o Pontífice manifestou a sua solidariedade e a de toda a Igreja. Pediu mais uma vez que não nos habituemos à guerra, afirmando que outro dia viu que a notícia sobre o conflito estava somente na página 9 de um jornal. "Faço votos de que o Senhor tenha compaixão e esteja próximo com o dom da paz."

Por fim, uma mensagem importante, desta vez às três congregações.

"Por favor, lembrem-se bem disto: tolerância zero com os abusos contra menores ou pessoas vulneráveis. Tolerância zero." Este problema não se resolve com a transferência do abusador. Por isso encorajou: "Não tenham vergonha de denunciar". 

Bianca Fraccalvieri - Vatican News

 

Francisco: Scalfari, o talento de um leigo fascinado pelo divino

Numa página publicada nos jornais La Repubblica e La Stampa, o Papa recorda sua amizade com o jornalista falecido, marcada por encontros estimulantes pela intensidade dos temas abordados, desde os horizontes da humanidade ao mistério insondável da fé, partilhados com "um homem de extraordinária inteligência e capacidade de escuta".

"Eugenio foi um intelectual aberto à contemporaneidade, corajoso, transparente em contar seus medos, nunca nostálgico do passado glorioso, mas projetado para frente, com uma pitada de desilusão, mas também grandes esperanças de um mundo melhor." Três linhas mostram o retrato de um homem e sua interioridade. Este é Eugenio Scalfari segundo a lembrança que permaneceu impressa no Papa Francisco, a de um "amigo fiel" com quem trocar reflexões sobre os grandes temas da contingência humana e da eternidade de Deus, sobre as coisas terrenas e as da alma.

Comparações próximas

O Papa recorda sua amizade com o jornalista falecido, nesta segunda-feira (14/07), aos 98 anos, nos textos de Paolo Rodari jornalista de La Repubblica, e de Domenico Agasso do jornal La Stampa, publicados nesta sexta-feira (14/07). Scalfari fundou o jornal La Repubblica, em 1976, e o dirigiu por 20 anos, transformando-o num ponto de referência na informação italiana. Nas colunas desses dois jornais, Francisco recorda os encontros na Casa Santa Marta quando o jornalista, "que dizia ser cético", contou como estava tentando entender o sentido da existência e da vida, analisando o cotidiano e o futuro através da meditação sobre experiências e grandes leituras". Uma conversa intensa com Scalfari no papel de explorador que "sempre se perguntava sobre a presença de Deus, sobre as coisas últimas", igualmente pronto para refletir "profundamente também sobre o significado da fé".

Um entusiasta ávido por conhecimento

O Papa refere-se a conversas "agradáveis e intensas". Os "minutos com ele passavam rapidamente, marcados pelo confronto sereno das respectivas opiniões e pela partilha de nossos pensamentos e ideias, e também por momentos de alegria". No diálogo também havia espaço para a vida cotidiana e os temas dos "grandes horizontes da humanidade do presente e do futuro, da escuridão que pode envolver o ser humano e da luz divina que pode iluminar o caminho". Intercâmbios partilhados com "um homem de extraordinária inteligência e capacidade de escuta", ávido "pelo conhecimento e por testemunhos que pudessem enriquecer a compreensão da modernidade", um "entusiasta e apaixonado por seu trabalho de jornalista", cujo percurso profissional "muitos de seus colaboradores e sucessores estão seguindo".

Sensível à atração de Deus

Na memória do Papa permanece viva a percepção da curiosidade de Scalfari sobre a escolha de seu nome Francisco, sobre seu "trabalho de pastor universal da Igreja ", sobre o compromisso da Igreja com o diálogo inter-religioso e ecumênico, sobre o mistério de Deus como "fonte de paz e fonte de caminhos de fraternidade concreta" entre pessoas, nações e povos. Interesses sobre os quais o fundador de La Repubblica, observa o Papa, "raciocinava em voz alta" mesmo em seus artigos, entrelaçando-os com o fascínio despertado nele "por várias questões teológicas, como o misticismo na religião católica e a passagem do Gênesis em que se diz que o homem é criado à imagem e semelhança de Deus, e pela composição e características das populações que habitarão a Casa comum nas próximas décadas".

Uma recordação preciosa

Ao dizer que está próximo da dor da família e de quem o conheceu, Francisco conclui: "A partir de hoje vou guardar ainda mais no coração a bela e preciosa lembrança das conversas que tive com Eugenio, que aconteceram durante esses anos de pontificado. Rezo por ele e pelo consolo dos que choram por ele. Confio sua alma a Deus, por toda a eternidade."

Alessandro De Carolis – Vatican News

Fonte: Vatican News