Cultura

O Papa está confiante de que as reformas financeiras evitarão novos escândalos





Quarta parte da entrevista de Francisco com Phil Pullella da Agência Reuters, dedicada a questões financeiras.

Respondendo a uma pergunta da Agência Reuters, o Papa Francisco disse acreditar que as reformas financeiras evitarão escândalos no futuro, como os que vieram à tona nos últimos anos e como o da venda do edifício de Londres na Sloane Avenue, agora sob consideração no processo realizado pelo Tribunal do Vaticano.

Falando sobre o prédio de Londres, o jornalista perguntou: "O senhor acha que houve mudanças suficientes para evitar que escândalos semelhantes se repitam?" "Creio que sim, respondeu o Pontífice, enumerando em seguida todos os passos realizados: "A criação da Secretaria para a Economia com técnicos que entendam, que não caiam nas mãos de 'benfeitores', ou de amigos que os fazem escorregar. Acredito que este novo dicastério, digamos assim, que tem todo o financiamento nas mãos, seja uma segurança séria na administração, pois antes, a administração era muito desordenada”.

O Papa citou então o exemplo de um chefe de seção da Secretaria de Estado que tinha que administrar as finanças, mas, não sendo qualificado, procurava, de boa fé, amigos para lhe dar uma mão. "Mas às vezes os amigos não eram a Beata Imelda e aí aconteceu o que aconteceu", comentou Francisco, citando Imelda, uma menina do século XIV que é um exemplo de pureza.

"(A culpa foi) – disse o Papa - a irresponsabilidade da estrutura, naquele momento, que deu a responsabilidade a uma pessoa boa que estava ali porque tinha a função que tinha. E ele não entendia (de questões financeiras) e teve que pedir ajuda fora sem controles suficientes de dentro. A administração não estava madura".

Francisco concluiu, lembrando que "a ideia da Secretaria para a Economia nasceu do cardeal Pell. Ele foi o gênio”.

 

- A profecia de Lampedusa

Nove anos atrás o Papa Francisco visitou Lampedusa, a ilha símbolo do drama dos migrantes no Mediterrâneo. Nessa memorável primeira viagem do Pontificado, o Papa destacou a questão decisiva da fraternidade. Um aviso que hoje parece ainda mais urgente em um mundo desfigurado por guerras, enquanto se tenta, com dificuldade, superar a crise pandêmica

Alessandro Gisotti

Há acontecimentos neste pontificado, escolhas feitas por Francisco que, com o passar dos anos, assumem cada vez mais força e uma dimensão que, em alguns casos, não é exagero chamar de proféticas. Em 8 de julho, há nove anos, poucos meses após o início de seu pontificado, fez sua primeira viagem apostólica, indo para a Ilha de Lampedusa. Uma viagem que foi também uma mensagem porque naquelas poucas horas passadas na ilha símbolo do drama dos migrantes no Mediterrâneo, Francisco testemunhou com gestos e sinais o que entendia como "Igreja em saída". E mostrou porque é necessário começar, concretamente e não metaforicamente, a partir das "periferias existenciais", se quisermos construir um mundo mais justo e solidário, uma humanidade reconciliada consigo mesma.

Daquela visita temos na memória algumas imagens que não se apagam: o Papa celebrando a missa em um altar feito de barcos dos migrantes, a grinalda de flores jogadas ao mar de um barco, o abraço com os jovens que sobreviveram a essas viagens chamadas viagens de esperança, mas que infelizmente muitas vezes se transformam em viagens do desespero. O coração da visita era, portanto, claramente a difícil situação dos migrantes. Todavia, naquela ocasião, Francisco fez uma homilia que ampliava o olhar, que ia além daquela ilha e do que ela significava naquele momento. Uma homilia que hoje impressiona ao ser relida (e mais ainda ouvida novamente) à luz do que está acontecendo nos últimos meses na Ucrânia sob ataque russo, bem como em cada canto mais ou menos remoto da terra onde as guerras se desencadeiam – libertando das correntes - o "espírito caimista de matar, ao em vez do espírito de paz".

Naquela homilia, o Papa ofereceu sua meditação pessoal sobre o diálogo que o Senhor tem com Caim imediatamente após o assassinato de seu irmão Abel. Deus faz a pergunta que hoje e sempre deve ressoar como um aviso para cada um de nós: "Caim, onde está o teu irmão?". Francisco chega a repetir essa pergunta lancinante por seis vezes: "Onde está o teu irmão?”. Teu irmão migrante, teu irmão prostrado pela pobreza, teu irmão esmagado pela guerra.

Nos anos que seguiram essa viagem, o Pontífice retornou inúmeras vezes à essa antinomia decisiva fraternidade-fratricídio. Em 13 de fevereiro de 2017, em uma missa na Casa Santa Marta, falando mais uma vez sobre Caim e Abel, proferiu palavras fortes de condenação para os que decidem que "um pedaço de terra é mais importante do que o vínculo da fraternidade". Francisco advertiu os poderosos da terra que ousam dizer: "A mim interessa este território, este pedaço de terra, se a bomba cai e mata duzentas crianças, a culpa não é minha: é da bomba".

O Papa da Fratelli tutti, da Declaração de Abu Dhabi sobre a Fraternidade, o Bispo de Roma que tomou o nome do frade Francisco, adverte que exatamente esta luta entre fraternidade e fratricídio é a questão das questões de nosso tempo. Com o passar dos anos, ele vê tragicamente o esboço sombrio do que ele chamaria de "Terceira Guerra Mundial em pedaços" se tornando cada vez mais definido. E o que é isso senão também um "Fratricídio Mundial em Pedaços", pois cada guerra traz dentro de si precisamente aquela raiz maligna que leva Caim a matar seu irmão e depois responder com desprezo a Deus que lhe pergunta: "Sou porventura eu o guardião do meu irmão?”.

Na Statio Orbis de 27 de março de 2020 na Praça de São Pedro vazia, o Papa declarou que, com a tempestade da pandemia, "ficou a descoberto, uma vez mais, aquela abençoada pertença comum a que não nos podemos subtrair: a pertença como irmãos". Causa certa impressão justapor estas palavras com aquelas, amargas e angustiadas, que ele pronunciaria na Urbi et Orbi deste ano, na Páscoa. "Era o momento de sairmos do túnel juntos, de mãos dadas,  - referindo-se à pandemia - juntando as forças e os recursos... Em vez disso, estamos demostrando que ainda não existe em nós o Espírito de Jesus, mas existe ainda em nós o espírito de Caim, que vê Abel não como um irmão, mas como um rival, e pensa como há de eliminá-lo”.

Francisco tem dito repetidamente que se sai de uma crise melhor ou pior, nunca o mesmo. Hoje, a humanidade está enfrentando uma das crises mais profundas e multifacetadas que já teve que enfrentar. Para sairmos melhor, portanto, devemos inverter o rumo, nos exorta o Papa, afastando-nos do poderoso ímã de Caim e orientando a bússola de nossas vidas decisivamente em direção à estrela polar da fraternidade. 

Alessandro Gisotti

Fonte: Vatican News