A Santa Sé não tem dúvidas: um mundo livre de armas nucleares, "responsabilidade cara e perigosa", é "necessário e possível". O seu uso, mas também sua simples posse é "imoral". Enquanto o conflito na Ucrânia continua, que fez emergir o medo da ameaça de armas atômicas, o Papa volta a reiterar a urgência do desarmamento, um "objetivo desafiador e de longo alcance", especialmente num momento em que a humanidade está numa "encruzilhada", bem como a necessidade de respeitar os acordos internacionais: "Não são uma forma de fraqueza, mas fontes de força". O Pontífice relança seu apelo numa mensagem ao embaixador Alexander Kmentt, presidente da primeira reunião dos Estados membros do Tratado sobre a Proibição de Armas Nucleares, que teve início nesta terça-feira (21/06), e prossegue até o próximo dia 23, em Viena.
A mensagem do Papa foi lida na abertura da reunião pelo Secretário Vaticano para as Relações com os Estados, dom Paul Richard Gallagher. No documento, Francisco destaca como a situação entrou em colapso em relação a cinco anos atrás, quando a conferência diplomática foi convocada para negociar o Tratado: “O mundo - escreve ele - parece estar numa encruzilhada. A visão corajosa deste instrumento jurídico, fortemente inspirada em argumentos éticos e morais, aparece cada vez mais atual”.
Mesmo que no contexto atual falar ou apoiar o desarmamento possa parecer “paradoxal”, segundo o Papa Francisco não se pode ignorar os “perigos de abordagens míopes à segurança nacional e internacional e os riscos de proliferação”.
O preço da não observância é inevitavelmente pago com o número de vidas inocentes e medido em termos de carnificina e destruição.
O apelo, fortemente reiterado pelo Papa, é de “calar todas as armas e eliminar as causas dos conflitos através de um incansável recurso às negociações”. "Aqueles que fazem a guerra... esquecem a humanidade", reitera, como já tinha dito da janela da Residência Apostólica no primeiro Ângelus após a eclosão do conflito na Ucrânia.
A paz é indivisível e, para ser verdadeiramente justa e duradoura, deve ser universal. É um raciocínio enganoso e autodestrutivo pensar que a segurança e a paz de alguns estão desconectadas da segurança e da paz coletiva de outros.
A pandemia da Covid-19 já deveria ter nos dado uma lição nesse sentido, demonstrando "tragicamente" que "a segurança do nosso futuro depende de garantir a segurança pacífica dos outros, porque se a paz, a segurança e a estabilidade não forem estabelecidas globalmente, elas não serão desfrutadas de forma alguma”.
Individual e coletivamente, somos responsáveis pelo bem-estar presente e futuro de nossos irmãos e irmãs.
Nesse sistema de segurança coletiva, Francisco reitera que “não há lugar para armas nucleares e outras armas de destruição em massa”. São "uma responsabilidade perigosa e custosa", escreve, e as consequências humanitárias e ambientais que resultariam do eventual uso de armas nucleares seriam "catastróficas", com "efeitos devastadores, indiscriminados e incontidos, no tempo e no espaço".
Ao mesmo tempo, alertou o Bispo de Roma, não podemos ignorar “a precariedade que deriva da simples manutenção dessas armas: o risco de acidentes, involuntários ou não, que podem levar a cenários muito preocupantes”. Nesse sentido, a energia nuclear pode bem ser definida como um "multiplicador de risco" que "só dá a ilusão de um tipo de paz".
Tentar defender e garantir a estabilidade e a paz por meio de uma falsa sensação de segurança e de um “equilíbrio do terror”, sustentado por uma mentalidade de medo e desconfiança, acaba inevitavelmente por envenenar as relações entre os povos e dificultar toda forma possível de diálogo real.
Além disso, a posse de armas atômicas leva facilmente à ameaça de seu uso: torna-se assim "uma espécie de 'chantagem'", diz o Papa, "que deveria ser repugnante para as consciências da humanidade".
O Papa convida todos, cada um com seu papel ou status, a cooperar "sinceramente" no esforço de "banir o medo e a expectativa ansiosa da guerra das mentes dos homens". A responsabilidade é "a nível público, como Estados membros da mesma família de nações", mas também "a nível pessoal, como indivíduos e membros da mesma família humana e como pessoas de boa vontade".
Por fim, uma reflexão final do Pontífice sobre os tratados de desarmamento existentes que “são mais do que simples obrigações legais”:
A adesão e o respeito dos acordos internacionais de desarmamento e do direito internacional não são uma forma de fraqueza. Pelo contrário, é fonte de força e responsabilidade, pois aumenta a confiança e a estabilidade.
Ao final da mensagem, Francisco expressa sua proximidade aos Hibakusha, os sobreviventes dos bombardeios de Hiroshima e Nagasaki, e a todas as vítimas dos testes de armas nucleares. Em seguida, encoraja os representantes dos Estados, das organizações internacionais e da sociedade civil a “promover uma cultura da vida e da paz baseada na dignidade da pessoa humana e na consciência de que todos somos irmãos e irmãs”.
A Igreja católica continua irrevogavelmente comprometida com a promoção da paz entre os povos e as nações e em promover a educação para a paz em todas as suas instituições.
Fonte: Salvatore Cernuzio – Vatican News