Política

Juros: Gasto extra com dívida pública bancaria o Auxílio Brasil





O gasto extra que o governo terá com a dívida pública por causa do aumento da taxa básica de juros neste ano seria suficiente para bancar todo o programa Auxílio Brasil e ainda sobrariam R$ 28 bilhões.

A Selic subiu de 9,25% para 12,75% no ano, aumentando a dívida em R$ 117 bilhões ao longo de 12 meses, de acordo com projeções do Banco Central. Só esse gasto extra é 31% maior que todo o Orçamento do governo para o programa Auxílio Brasil em 2022, de R$ 89 bilhões.

Considerando apenas o último aumento da taxa básica de juros Selic, de 11,75% para 12,75% ao ano, na semana passada, a dívida subiu R$ 33,4 bilhões.

E as estimativas feitas por mais de cem instituições financeiras e consultorias para o Boletim Focus, do BC, apontam que a taxa básica de juros vai subir ainda mais, até 13,25% pelo menos, havendo profissionais de mercado trabalhando com um cenário de Selic ainda maior, de 14%. O impacto desse aumento na dívida, dizem especialistas, vai complicar a vida do presidente que assumir em janeiro de 2023.

Sem gasto extra, Auxílio Brasil poderia até quadruplicar

Se os juros de fato subirem para 14%, as despesas totais do governo este ano com o pagamento de juros vão ficar na casa de R$ 700 bilhões, alta de 56% sobre os R$ 448,2 bilhões gastos em 2021, segundo projeções de mercado.

Essa diferença, de R$ 251,8 bilhões, seria suficiente para quadruplicar o tamanho do Auxílio Brasil.

Para conseguir honrar as despesas, o governo precisa emitir mais dívida justamente no momento em que as taxas de juros estão mais elevadas, diz a economista da Tendências Consultoria Juliana Damasceno, pesquisadora do Ibre/FGV.

Mesmo que, em termos contábeis, gasto primário seja diferente de gasto financeiro, do ponto de vista de políticas públicas, esses valores dão uma boa magnitude do problema que o aumento de juros provoca.
Juliana Damasceno, da Tendências Consultoria

Como explica a economista, gasto primário é todo tipo de despesa, como pagamentos de salários de servidores, aposentadorias, despesas administrativas e investimentos, exceto pagamentos de dívidas. Já o gasto financeiro vai para dívidas.

Efeito colateral do combate à inflação

O aumento dos gastos do governo com a dívida revela um dos efeitos colaterais mais graves da alta dos juros, um instrumento que está sendo usado de forma correta pelo BC, dizem economistas, para tentar controlar a inflação, que atingiu no acumulado em 12 meses até abril o maior patamar em 19 anos.

Desde que os juros começaram a subir, em março do ano passado, a dívida bruta do setor público cresceu R$ 300 bilhões: de R$ 6,7 trilhões, em fevereiro de 2021, para R$ 7 trilhões em fevereiro último.

O economista Guilherme Tinoco, mestre em Economia pela FEA/USP e assessor especial na secretaria da Fazenda do estado de São Paulo, diz que a dívida pública tende a crescer naturalmente em valores nominais, o que não seria um problema, em si.

O problema é que a nossa dívida pública está crescendo a uma velocidade mais alta, porque tem uma parte maior corrigida pela Selic, que subiu muito rapidamente.
Guilherme Tinoco, mestre em Economia pela FEA/USP

Juros colocam Orçamento no vermelho

Quando o gasto corrente é negativo, isso quer dizer que o governo economizou dinheiro, ou seja, gastou menos do que arrecadou.

Esse aumento do endividamento público está acontecendo mesmo com o governo gastando cada vez mais todos os meses para pagar juros ou para rolar a dívida. Isso é feito emitindo mais títulos públicos para, com o dinheiro levantado, pagar os títulos que estão vencendo.

O setor público inteiro —contando governo federal, estados e municípios— arrecadou mais que gastou em fevereiro, por exemplo, obtendo saldo de R$ 3,5 bilhões no mês. Em 12 meses, o saldo da arrecadação de tributos é positivo em R$ 123,4 bilhões.

Mas quando o pagamento de juros entra nessa conta, o setor público brasileiro fica no vermelho. O governo gastou R$ 26 bilhões com pagamento de juros em fevereiro, chegando a R$ 422,5 bilhões as despesas com pagamento de juros nos 12 meses acumulados até fevereiro.

Com o pagamento dos juros então, o governo brasileiro fica deficitário. O saldo negativo foi de R$ 22,5 bilhões em fevereiro e de R$ 299,1 bilhões no período de 12 meses encerrado em fevereiro.

Taxa de juros é o que mais influencia a dívida do governo

A dívida pública sobe com o aumento da Selic porque esse é o principal indexador do endividamento do governo entre os índices usados para corrigir os valores devidos.

E, nos últimos 12 meses, aumentaram as fatias da dívida pública corrigidas pelos juros e pela inflação.

A parte da dívida do governo corrigida pela taxa básica de juros, a Selic, subiu de 45%, em fevereiro de 2021, para 46,1% em fevereiro deste ano —último dado disponível.

Já a fatia do endividamento que acompanha a inflação medida pelo IPCA (Índice Nacional e Preços ao Consumidor Amplo) aumentou de 19,9% para 24,2% no mesmo período.

Isso quer dizer que o impacto do aumento dos juros e da inflação sobre a dívida do governo está potencialmente maior este ano que em 2021, aponta o professor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV/EESP) Joelson Santana.

Fatia de cada indexador na dívida pública, de fevereiro de 2021 para fevereiro de 2022:

  • Selic: subiu de 45% para 46,1%
  • Prefixado: caiu de 26,5% para 22%
  • Inflação: subiu de 19,9% para 24,2%
  • Cambial: caiu de 7,1% para 6,3%
  • TJLP ou TR: caiu de 1,5% para 1,4%

Certamente, o aumento da Selic é o principal responsável pelo aumento da dívida pública atualmente. A composição da dívida explica esse impacto maior.
Joelson Santana, FGV/EESP

Desafio para próximo governo

Segundo economistas, o próximo governo vai herdar uma dívida pública mais difícil de ser administrada e controlada.

Além dos gastos maiores com juros mais elevados desde o início do janeiro, o Orçamento estará mais apertado também pelos compromissos que deveriam ter sido honrados em 2021, mas que foram rolados, como é o caso dos precatórios.

Eles destacam que a aparente melhora dos indicadores de dívida pública este ano foi sustentada por efeitos transitórios, como a inflação. Ela eleva a arrecadação do governo com os impostos porque, quando os preços de produtos e serviços sobem, a proporção de tributos arrecadados pelo setor público também cresce.

Mas, na sequência desse movimento, as despesas também tendem a crescer, dizem.

A inflação pode ajudar na receita num primeiro momento, mas depois vai bater nas despesas do governo, com maiores demandas por reajustes e correção de contratos.
Guilherme Tinoco, mestre em Economia pela FEA/USP

O nível da dívida pública já é bastante alto, e a elevação da Selic aumenta o desafio para o próximo governo. Esse tema voltará a ganhar mais relevância ano que vem.
Joelson Santana, FGV/EESP

Fonte: UOL