Política

Diretor da CIA pediu a governo Bolsonaro para não interferir nas eleições, dizem fontes





Comentários foram feitos em reunião a portas fechadas, em julho de 2021; autoridades americanas pediram que presidente pare de minar confiança no sistema eleitoral do Brasil

O diretor da Agência Central de Inteligência (CIA, na sigla em inglês) dos Estados Unidos disse a autoridades do Brasil, no ano passado, que o presidente Jair Bolsonaro deveria parar de lançar dúvidas sobre o sistema eleitoral do país antes das eleições de outubro, fontes disseram à Reuters.

Os comentários do diretor da CIA, William Burns, que não haviam sido reportados na imprensa até então, foram feitos em uma íntima reunião a portas fechadas em julho de 2021, de acordo com duas pessoas familiarizadas com o assunto – que falaram sob a condição de anonimato.

Burns era, e permanece sendo, a autoridade de mais alto escalão dos EUA a ter se encontrado em Brasília com o governo de direita de Jair Bolsonaro desde a eleição do presidente americano Joe Biden.

Uma terceira pessoa, em Washington, familiarizada com o tema confirmou que uma delegação liderada por Burns disse aos principais assessores de Bolsonaro que o presidente deveria parar de minar a confiança no sistema eleitoral do Brasil.

A terceira fonte não tinha certeza se foi o próprio diretor da CIA quem expressou essa mensagem [ou alguém da delegação].

A CIA se recusou a comentar o tema. O governo Bolsonaro não respondeu a um pedido de comentário sobre o caso.

CNN também entrou em contato com o Palácio do Planalto e a embaixada dos Estados Unidos no Brasil para comentar a reportagem, e aguarda retorno.

Burns chegou em Brasília seis meses depois da invasão do Capitólio, em 6 de janeiro de 2021, que aconteceu após a derrota de Donald Trump nas eleições americanas.

Bolsonaro, um nacionalista de extrema-direita que idolatra Trump, ecoou às alegações infundadas do ex-presidente de que uma fraude teria acontecido nas eleições dos EUA em 2020.

Ele também lança dúvidas similares sobre o sistema de votação eletrônica do Brasil, chamando de passível de fraude, sem apresentar evidências.

Essa atitude levantou medo entre a oposição de que Bolsonaro, que está atrás do ex-presidente Lula (PT) nas pesquisas eleitorais, está semeando dúvidas para que possa seguir o exemplo de Trump, rejeitando uma possível derrota no dia 2 de outubro.

Em múltiplas ocasiões, Bolsonaro levantou a ideia de não aceitar o resultado, e tem repetidamente atacado o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) do país. Na semana passada, em seu último ataque, Bolsonaro, um ex-capitão do exército, sugeriu que os militares deveriam conduzir uma contagem de votos própria e paralela à do TSE.

Duas fontes alertaram para o potencial de crise institucional caso Bolsonaro perca por uma margem estreita, com o escrutínio focado no papel das Forças Armadas brasileiras, que governaram o país em um regime militar entre 1964 e 1985, que é celebrado por Bolsonaro.

Durante sua viagem não anunciada, Burns, um diplomata de carreira nomeado por Biden no ano passado, se reuniu no palácio presidencial com Bolsonaro e outros dois altos assessores da inteligência – o ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, e Alexandre Ramagem, que naquele momento comandava a Agência Brasileira de Inteligência (Abin).

Ambos foram nomeados por Bolsonaro.

Burns também jantou na casa do embaixador dos EUA no Brasil com Heleno e o até então chefe de gabinete de Bolsonaro, Luiz Eduardo Ramos, ambos ex-generais. O exército brasileiro tem um histórico de relações estreitas com a CIA e outros serviços de inteligência americanos.

No jantar, de acordo com uma das fontes, Heleno e Ramos tentaram diminuir o significado das repetidas alegações de Bolsonaro de fraude eleitoral. Em resposta, disse a fonte, Burns disse a eles que o processo democrático era sagrado e que Bolsonaro não deveria estar falando dessa maneira.

“Burns estava deixando claro que as eleições não eram um assunto com o qual eles deveriam mexer”, disse a fonte, que não estava autorizada a falar publicamente. “Não foi uma palestra, foi uma conversa.”

Enviado de Biden

É incomum diretores da CIA entregarem mensagens políticas, as fontes disseram. Mas Biden deu o aval para Burns, um dos mais experimentados diplomatas dos EUA, para ser um porta-voz discreto da Casa Branca.

No último mês, por exemplo, Burns disse em um pronunciamento público que em novembro, quatro meses depois de ir a Brasília, Biden o despachou para Moscou “para transmitir diretamente ao [presidente russo Vladimir] Putin e diversos de seus assessores mais próximos as preocupações profundas sobre seus planos para guerra e as consequências para a Rússia” caso continuassem com os planos.

O teor de seus comentários em Brasília foram reforçados no mês seguinte a sua viagem, quando o Conselheiro de Segurança Nacional americano, Jake Sullivan, visitou Bolsonaro e levantou preocupações similares sobre minar a confiança nas eleições.

No entanto, a mensagem da delegação de Burns foi mais forte do que a de Sullivan, a fonte de Washington disse, sem elaborar.

“É importante que os brasileiros tenham confiança em seu sistema eleitoral”, disse um oficial do Departamento de Estado dos EUA em um comunicado após pedido da Reuters, acrescentando que os Estados Unidos têm confiança nas instituições do Brasil, incluindo livres, justas e transparentes eleições.

No último sábado (30), no entanto, em um novo sinal da inquietação do establishment das relações exteriores de Washington, o mais recente cônsul dos EUA no Rio de Janeiro escreveu em um jornal brasileiro que os Estados Unidos deveriam deixar claro a Bolsonaro que qualquer esforço para minar as eleições desencadearia sanções multilaterais.

Biden e Bolsonaro ainda não tiveram nenhuma conversa.

Durante a campanha eleitoral dos EUA em 2020, os dois se confrontaram sobre o histórico de Bolsonaro em relação ao meio ambiente, e o brasileiro foi um dos últimos líderes a reconhecer a vitória de Biden contra Trump.

Oficiais de Washington têm procurado melhorar os laços com Brasília nas últimas semanas, e os presidentes das duas maiores nações do hemisfério ocidental podem se encontrar pessoalmente em breve se Bolsonaro participar da Cúpula das Américas de junho, em Los Angeles.

Fonte: CNN Brasil