Cotidiano

Suprema Corte dos EUA deve derrubar direito ao aborto





A Suprema Corte dos Estados Unidos deve derrubar o direito ao aborto no país, de acordo com a versão preliminar do relatório do ministro Samuel Alito, da ala conservadora da Corte, obtida e divulgada pelo jornal digital Politico.com.

O juiz diz que a maioria considera anular o entendimento atual sobre o caso Roe v. Wade, estabelecido em 1973. No entanto, o Politico.com afirma que a decisão da Suprema Corte só será final quando for publicada, em cerca de 2 meses, e que até lá os ministros podem eventualmente mudar seus votos.

O vazamento da versão preliminar do relatório de Alito com as indicações dos votos da maioria dos ministros é extremamente raro na Suprema Corte norte-americana. A revelação sem precedentes tende a intensificar os debates a respeito do direito ao aborto no país. 

A Suprema Corte nos EUA tem 9 ministros (no Brasil são 11).

maioria que deve derrubar o direito ao aborto é formada por 5 ministros, todos nomeados por ex-presidentes dos EUA que integravam o Partido Republicano. São eles:

  • Clarence Thomas;
  • Neil Gorsuch;
  • Brett Kavanaugh;
  • Amy Coney Barrett;
  • Samuel Alito.

Os 3 que devem votar a favor da regra atual são:

  • Stephen Breyer;
  • Sonia Sotomayor;
  • Elena Kagan.

Já o voto do juiz John Roberts, presidente da Suprema Corte, não está claro na versão preliminar divulgada pelo jornal digital Politico.com.

A cópia da minuta foi obtida pelo jornal digital de uma fonte familiarizada com a posição do tribunal no caso do Mississípi, que questiona no âmbito estadual a jurisprudência nacional definida por Roe v. Wade.

Roe estava flagrantemente errado desde o início. Seu raciocínio foi excepcionalmente fraco e a decisão teve consequências danosas. E longe de trazer um acordo nacional para a questão do aborto, Roe e Casey inflamaram o debate e aprofundaram a divisão, escreveu Alito na versão preliminar de seu relatório.

AUTENTICIDADE DO DOCUMENTO

A editora-executiva do Politico.com, Dafna Linzer, comunicou à equipe de Redação sobre a decisão de seguir com a publicação da notícia, segundo publicou o repórter da CNN norte-americana Oliver Darcy em seu perfil no Twitter.

Após um extenso processo de revisão, estamos confiantes na autenticidade do rascunho […]. Assumimos nossas responsabilidades com nossos leitores e nossa publicação com a maior seriedade”, escreveu Linzer. Leia abaixo a mensagem de Darcy compartilhando o comunicado de Linzer.

REAÇÃO DE DEMOCRATAS

Depois da publicação da reportagem, políticos do Partido Democrata expressaram indignação com a inclinação contrária ao aborto indicada no relatório de Alito.

Em declaração conjunta, a presidente da Câmara norte-americana, Nancy Pelosi, e o líder da maioria no Senado, Chuck Schumer, declararam que o parecer preliminar, se “correto”, está “prestes a infligir a maior restrição de direitos nos últimos 50 anos.

Vários desses juízes conservadores, que não prestam contas ao povo norte-americano, mentiram ao Senado dos EUA, rasgaram a Constituição e mancharam tanto o precedente quanto a reputação da Suprema Corte – tudo às custas de dezenas de milhões de mulheres que em breve poderão ser despojados de sua autonomia corporal”, escreveram os líderes democratas.

Bernie Sanders

O senador democrata Bernie Sanders cobrou que o Congresso transforme a jurisprudência em lei “AGORA” e pediu por um esforço por mudanças no “filibuster”, mecanismo de obstrução do Senado dos EUA utilizado pelos opositores republicanos para bloquear o avanço de legislações do Partido Democrata. 

Hillary Clinton

Já a ex-secretária de Estado Hillary Clinton disse que a decisão “não era surpreendente” e que iria “matar e subjugar mulheres mesmo que uma vasta maioria de norte-americanos acredite que o aborto deva ser legal”.

Até 00h39 (horário de Brasília) de 3ª feira (3.mai.2022), nenhuma autoridade da Suprema Corte ou da Casa Branca havia se pronunciado sobre o vazamento do documento.

O aborto nos EUA: o que foi o Roe v. Wade

Em 1973, então com 22 anos, Norma McCorvey –depois conhecida sob o pseudônimo de Jane Roe –buscou uma clínica clandestina do Texas para interromper a sua 3ª gestação. Ela já não tinha a guarda dos 2 primeiros filhos por não ter trabalho fixo, ser usuária de drogas e ter sido moradora de rua.

As opções, porém, eram limitadas: o Texas só permitia o aborto se houvesse risco à vida da gestante, o que não era o caso. Outra alternativa era alegar ter sido vítima de violência sexual –uma alegação falsa –e obter a autorização via judicial.

Foi assim que Roe encontrou as advogadas Sarah Weddington e Linda Coffee, que estavam em busca de alguma mulher disposta a processar as leis texanas que restringiam o acesso ao aborto.

O caso de Roe foi usado de forma estratégica pelas juristas, que há muito tempo discordavam do tratamento dado aos direitos reprodutivos no Texas. Quando chegou na Suprema Corte, houve entendimento favorável à interrupção da gravidez por 7 votos a 2.

A decisão se baseou no conceito de privacidade: como a Constituição dos EUA assegura às gestantes esse direito, era possível que interrompessem a gestação ainda durante o 1º trimestre sem proibições ou embaraços do Estado.

Há diferenças entre a formação da atual e da Suprema Corte de 1973. Enquanto a formação original tem 6 juízes conservadores –incluindo Amy Coney Barrett, Neil Gorsuch e Brett Kavanaugh, todos nomeados pelo ex-presidente Donald Trump para o tribunal de 9 lugares–, a formação anterior tinha 5 liberais e 4 conservadores –destes, 2 moderados. Compare as formações:

No começo de abril, o Senado norte-americano aprovou a indicação da juíza Ketanji Brown Jackson para assumir uma cadeira como a 1ª mulher negra na história da Corte. Ela entrará no lugar do juiz Stephen Breyer –o que, na prática, não altera a composição ideológica atual do tribunal. 

A questão do Mississípi

Em dezembro, a Suprema Corte dos Estados Unidos ouviu os argumentos sobre a lei estadual aprovada em 2018 no Mississípi, que adiantava o prazo para proibir a interrupção da gravidez para as 15 semanas de gestação.

As manifestações dos juízes indicaram um parecer majoritário favorável ao processo de restringir o acesso de mulheres com menos de 15 semanas de gestação –quando muitas ainda desconhecem a gravidez –à clínica pró-aborto Organização da Saúde da Mulher de Jackson, na capital do Mississípi.

O tribunal decidiu por 5 votos a 4 que concederia a proibição ao Texas mesmo sem ouvir nenhum argumento oral e recusou-se a bloquear a lei mais tarde, ao alegar “motivos processuais”, como registrou o jornal NY Times.

Além de Barrett, que já se disse abertamente uma “ativista pró-vida”, Gorsuch e Kavanaugh votaram em 2020 para aprovar uma rígida lei de aborto na Louisiana. Suas posições esbarram na eleição de Joe Biden que, além de ser democrata, integra o governo com uma vice-presidente mulher abertamente favorável ao aborto.

A forte presença de mulheres jovens no Congresso norte-americano é um obstáculo ao Judiciário, que pode ter a questão analisado pelo Legislativo e/ou Executivo, que sustentam maioria democrata atualmente. 

Enquanto lideranças contrárias ao aborto se preparam para restringir o acesso na única clínica de Mississípi, o estado registra a maior taxa de mortalidade infantil dos EUA, com 8,8 mortes a cada 1.000 nascimentos. Também está entre os que mais registram mortes maternas.

O motivo para a oposição à interrupção da gravidez é, em sua maioria, religiosa. Uma pesquisa de 2016 do Pew Research Center classificou o Mississípi e Alabama como os estados mais religiosos dos EUA. Mais de 82% da população diz acreditar em Deus com “absoluta certeza”. Pelo menos 80% dos adultos do Mississípi se identificam como cristãos, metade protestantes evangélicos.

Nos EUA, uma pesquisa do Instituto Gallup, lançada em junho de 2019, indica que 21% dos norte-americanos são contrários ao aborto em qualquer circunstância –mesmo em casos de estupro, anomalia ou incesto. Outros 25% se disseram favoráveis e 53% defenderam o procedimento com restrições.

A contestação da decisão Roe v. Wade pelo Mississípi dá aos estados norte-americanos um bastião para limitar como e quando os abortos são realizados. Caso o tribunal vá além e derrube a definição de 1973, algumas legislaturas podem proibir definitivamente qualquer tipo de interrupção da gravidez.

Fonte: Poder360