Cotidiano

Guerra na Ucrânia afeta preços de commodities agrícolas, segundo Ipea





A guerra entre Rússia e Ucrânia trouxe incertezas e oscilações significativas nos preços internacionais das principais commodities (produtos agrícolas e minerais comercializados no mercado exterior) agropecuárias, aponta nota elaborada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em parceria com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada da Escola Superior de Agricultura da Universidade de São Paulo (Cepea/Esalq/USP).

A nota destaca que a Rússia é, atualmente, a maior produtora mundial de petróleo e gás e que, nas últimas safras, se tornou a maior exportadora de trigo do mundo e importante fornecedora de alimentos para a Europa e Ásia. Na outra ponta, a Ucrânia é uma das principais fornecedoras de milho e óleo de girassol. Os dois países têm peso relevante no mercado internacional de insumos agrícolas. Com o conflito bilateral, grãos e oleaginosas em geral, influenciados pelo trigo e pelo óleo de soja, tiveram altas e atingiram patamares acima dos verificados antes da guerra. “Esse choque negativo de oferta somou-se à elevação dos custos de produção, devido às altas dos insumos exportados pelos países em guerra”, analisa a publicação.

Os pesquisadores avaliam que as sanções econômicas impostas por diversos países ao mercado russo e algumas quedas na produção em decorrência dos efeitos climáticos, que afetaram as safras de grãos na América do Sul, em especial no Brasil, Argentina e Paraguai, podem fazer com que o mercado mundial de commodities agropecuárias experimente novas altas, nos próximos meses, com reflexos nos preços domésticos.

Trigo e milho

A pesquisadora associada do Ipea, Ana Cecília Kreter, uma das coordenadoras da publicação, indicou que as commodities extraídas da natureza que precisam ser cultivadas e não mineradas, como açúcar, café e até mesmo a carne bovina, interromperam a sequência de alta e apresentaram queda "devido às consequências da guerra sobre a expectativa de crescimento econômico mundial e à sua menor essencialidade em um cenário de conflitos”. Observou, entretanto, que como a Rússia e a Ucrânia não têm peso relevante nos mercados dessas commodities, os preços voltaram aos patamares pré-conflito.

O documento aponta que o trigo foi o cereal mais afetado pela guerra no Leste Europeu, porque a Rússia representou 19,3% das exportações mundiais na safra 2020-2021, constituindo o segundo maior produtor mundial, depois da China, cuja produção está direcionada ao atendimento do mercado doméstico. A Ucrânia também está entre os principais exportadores desse grão, com participações que variam de 8% a 10% das exportações mundiais. A queda na oferta dos dois países vem impactando os preços internacionais e, em especial, o setor de panificados na Europa. “Os preços internacionais do grão romperam as máximas históricas em março, chegando a apresentar cotações 76% acima da média no mês de fevereiro de 2022, antes do início do conflito”, destacou a nota.

O superintendente de Inteligência e Gestão da Oferta da Conab, Allan Silveira, lembrou que o primeiro trimestre de 2022 foi importante para a definição da produção de soja e arroz. “Para as duas culturas, houve uma redução das estimativas de produção em relação às estimativas de dezembro. Esse fato contribuiu para o aumento da instabilidade dos preços nos mercados de arroz e de soja, dada a redução dos estoques finais esperados para as duas culturas”. Em relação ao milho, disse que, “por outro lado, houve uma melhor consolidação em relação à área de milho de 2º safra no Brasil, que deve ter um aumento de 7% em relação à safra 2020-2021. Isso é muito importante, considerando o cenário de conflito na Ucrânia e o ambiente de incerteza sobre a real oferta de milho ucraniano para a próxima safra”.

Carnes

Outro produto que mereceu destaque na publicação foi a carne suína, cujas vendas abaixo do esperado no último trimestre de 2021 fizeram com que o setor registrasse, no início de 2022, elevados estoques de carne e de animais e que contribuíram para a queda nos preços domésticos. Além da alta oferta, o início do ano verifica, historicamente, menor volume de vendas. Somado a isso, a queda nas exportações de carne entre janeiro e fevereiro também reforçou o aumento da oferta doméstica.

No caso da carne bovina, a baixa oferta de animais para o abate e o desempenho recorde das exportações da proteína, especialmente para a China, elevaram o preço doméstico da carne. A demanda internacional continua aquecida devido ao avanço das importações chinesas, aponta a publicação.

Nicole Rennó, pesquisadora da área de Macroeconomia do Cepea, informou que os preços agropecuários se mantiveram em patamares muito elevados no primeiro trimestre de 2022, refletindo as sucessivas altas verificadas a partir de 2020, com a situação agravada recentemente pela guerra entre Rússia e Ucrânia. Para os próximos meses, Nicole destacou que ainda há grande indefinição, mas as condições de oferta e demanda e o cenário macroeconômico, em geral, apontam para a manutenção de patamares elevados para os preços. “O comportamento da taxa de câmbio, a velocidade de reação da demanda doméstica e os efeitos da guerra serão determinantes para os ajustes positivos ou negativos nos preços dos diferentes mercados, nos próximos meses", afirmou a pesquisadora.

 

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- Ucrânia diz que russos estão roubando trigo e “ameaçando a segurança alimentar do mundo”

Ministério das Relações Exteriores ucraniano acusa russos de saquear grãos na região de Kherson e bloquear embarques em portos

Autoridades ucranianas acusaram as forças russas de “roubar” trigo de partes do país que foram ocupadas, uma medida que aumenta a ameaça à segurança alimentar global.

O Ministério das Relações Exteriores da Ucrânia disse em um comunicado divulgado pela Reuters: “O saque de grãos na região de Kherson, bem como o bloqueio de embarques em portos ucranianos e a mineração de rotas marítimas, ameaçam a segurança alimentar do mundo.”

O Ministério exigiu que a Rússia pare “o roubo ilegal de grãos, desbloqueie os portos ucranianos, restaure a liberdade de navegação e permita a passagem de navios mercantes. Por meio de suas ações ilegais, a Rússia está roubando não apenas a Ucrânia, mas também os consumidores no exterior.”

“As Nações Unidas estimam que cerca de 1,7 bilhão de pessoas podem enfrentar pobreza e fome devido a interrupções de alimentos como resultado de uma guerra em grande escala travada pela Rússia contra a Ucrânia”, acrescentou o Ministério.

Questionado sobre as alegações pela Reuters, o Kremlin disse que não tinha informações sobre o assunto.

O Estado-Maior Geral das Forças Armadas da Ucrânia também afirmou na sexta-feira que as tropas russas estavam “roubando” os estoques de trigo, enquanto os fortes combates continuam nas regiões leste e sul do país.

“Os ocupantes russos estão roubando os aldeões”, disse o Estado-Maior. “Assim, por exemplo, mais de 60 toneladas de trigo junto com os caminhões de carga foram roubados da cooperativa agrícola na cidade de Kamianka-Dniprovska”.

CNN não pode verificar essas alegações de forma independente.

Ivan Fedorov, prefeito da cidade de Melitopol, no sul, que está sob controle das tropas russas há semanas, também falou sobre a retirada dos estoques de grãos.

“Hoje mudou para uma escala industrial”, disse ele. “Ontem publicamos um vídeo de um comboio de mais de 50 carros com reboques retirando grãos de nossos territórios ocupados. E hoje não sabemos para onde eles o enviaram.”

A área em torno de Melitopol produz colheitas de cereais substanciais.

A Ucrânia é conhecida como o “celeiro da Europa” e é uma fonte importante de trigo e milho – especialmente para países do Oriente Médio e Norte da África que dependem de importações. A provável interrupção de sua colheita neste ano pode ser um desastre, deixando esses países com pouca oferta – e elevando os preços de importantes produtos agrícolas.

Fonte: Agência Brasil - CNN Brasil