Esporte

'Estou esperando meu passaporte brasileiro', diz Hamilton em evento em SP





"Bom dia. Este é o maior público que já vi. Tem um pouco de Brasil em mim." O público aplaudiu, assobiou, ficou de pé e, desafiando a orientação da organização de não fazer fotos, todo mundo mandou o dedo no celular. No palco estava Lewis Hamilton. O heptacampeão mundial mostrou em São Paulo, nesta quarta, suas habilidades no palco, sua faceta de palestrante. Foi a principal atração do VTEX DAY, evento de inovação digital que, em 2019, recebeu Barack Obama.

Falou sobre sua jornada de vida, a de um garoto negro, classe média de uma cidade do interior da Inglaterra, que encarou todos os desafios para chegar à F1 e se tornar o maior vencedor do esporte. Discursou sobre suas iniciativas para aumentar a presença de minorias no esporte. E, num momento de franqueza, abriu o jogo sobre sua saúde mental.

Antes de o piloto subir ao palco, dois vídeos deram o tom do que viria pela frente: o primeiro trazia cenas de Hamilton ainda criança, no kart, o segundo mostrava a emocionante volta de celebração em Interlagos, no ano passado, com a bandeira do Brasil.

"Ayrton era o piloto que eu queria ser. É claro que, como todo garoto, eu jogava futebol, eu via futebol, via a seleção brasileira... Mas quando voltava da escola colocava uma fita no videocassete para ver o Ayrton. Fazia isso todo dia", contou, para uma plateia de cerca de 8 mil pessoas. "Quando Ayrton morreu eu estava correndo. Meu pai sempre foi um homem negro muito forte e não me deixava chorar. Então tive que me afastar por alguns instantes."

Lewis Hamilton com Mariano Gomide de Faria, anfitrião do evento - Fábio Seixas - Fábio Seixas
Lewis Hamilton com Mariano Gomide de Faria, anfitrião do evento
Imagem: Fábio Seixas

A primeira visita ao Brasil, contou, demorou 13 anos. Só pisou por aqui na sua primeira temporada pela F1, ainda na McLaren. "Só vim ao Brasil pela primeira vez em 2007. Quando vim aqui a primeira vez me senti próximo de Ayrton, eu o via em todos os lugares. Mas eu estava correndo contra o Felipe, não foi fácil naquele ano, mas eu sempre tive muito apoio aqui. Os fãs são incríveis. Amo vocês. Quando dei aquela volta de celebração, eu vi aquela bandeira na curva 10, parei e algo me impulsionou a pegá-la. Foi um momento de grande orgulho pra mim", afirmou.

O flerte com o público brasileiro foi ao auge quando ele disse que só está esperando o passaporte brasileiro. Mais uma rodada de aplausos e assobios e fotos proibidas. Mas o Hamilton palestrante é mais do que sua relação com o Brasil. O tema da conversa, afinal, era "De azarão a líder: como prosperar contra todas as probabilidades e se tornar um ícone global".

Azarão? Fãs nas redes sociais ficaram irritados com este termo usado pelo evento. Mas Hamilton deixou claro o quanto sua família ralou para que ele chegasse aonde chegou. "Meu pai chegou a ter quatro empregos pra me manter no kart, pra comprar gasolina, pneus... Eu corria todo fim de semana. Todas as outras crianças faziam o que crianças fazem, mas eu gostava de fazer aquilo. O problema é que eu faltava nas aulas e era reprimido por isso. Mas não me arrependo dos sacrifícios que faço. Hoje eu quero ganhar a próxima corrida."

No momento mais emotivo da palestra, não se furtou a falar sobre saúde mental, tema tão em evidência no esporte, e que ele trouxe para a F1 após o sumiço que se seguiu ao polêmico GP de Abu Dhabi. "Amo trabalhar com as 2.000 pessoas que temos na equipe. É minha 16ª temporada na F1, mas tenho a mesma fome do começo, o foco em treinar, na saúde, do lado mental. Acreditem ou não, tenho altos e baixos, dias em que acho que não sou bom o suficiente, que acho que falhei. Mas temos que nos levantar, acreditar que somos fortes", declarou.

Investidor e empresário fora das pistas, foi instado a fazer um paralelo entre suas atividades: "Não existe alta performance sem riscos. Se não nos desafiarmos todos os dias, se não estivermos desconfortáveis, não evoluímos. Tento me educar o tempo todo, entender o que está acontecendo ao redor do mundo e usar o tempo que tenho enquanto estou aqui".

E falou também sobre o relatório que liderou no ano passado para tentar aumentar a diversidade no paddock da F1. "Eu sempre fui o único negro na equipe, nos boxes. Quando eu perguntava o motivo, nunca ouvi uma resposta satisfatória. Acho que eles não estavam realmente interessados em achar uma resposta. Fizemos este trabalho e já começamos a ver algumas minorias representadas no esporte. Meu objetivo é ver um esporte mais diversificado em 10 ou 15 anos. Sinto que esta é minha responsabilidade minha."

Ao fim do evento, novo apelo à sua identificação do Brasil. Mariano Gomide de Faria, o anfitrião e fundador do evento, colocou um boné do Banco Nacional e abriu uma bandeira brasileira no palco. Hamilton adorou. Posou para fotos e se despediu. Na fileira atrás da minha, duas moças conversavam. "Como ele é simpático." Sim, foi um show de simpatia. O Hamilton palestrante também é um cara admirável.

Fonte: UOL