Fonte: Bianca Fraccalvieri – Vatican News
A "paz da Páscoa" foi o tema da catequese do Papa Francisco esta quarta-feira, ao receber milhares de fiéis entusiastas na Sala Paulo VI.
A Semana Santa, explicou o Pont[ífice, vai do Domingo de Ramos ao Domingo da Páscoa. No domingo passado, Cristo entra solenemente em Jerusalém, acolhido como Messias.
O povo, naquele momento, esperava uma “paz gloriosa”, com a libertação do domínio romano. Mas o Senhor nunca havia anunciado isso; Ele traz a paz ao mundo através da mansidão e da humildade. De fato, antes da Sua Páscoa, Jesus diz aos discípulos: “Dou-vos a minha paz, não é à maneira do mundo que Eu a dou”.
Com efeito, disse ainda Francisco, a paz que Jesus nos dá na Páscoa não segue as estratégias do mundo, que acredita poder obtê-la através da força, da conquista e de várias formas de imposição. “Esta paz, na realidade, é apenas um intervalo entre guerras.”
A paz do Senhor segue o caminho da mansidão e da cruz; no entanto, é difícil de aceitá-la. De fato, a multidão que aclamava Jesus é a mesma multidão que alguns dias depois grita “Crucifica-o e, com medo e desilusão, não levanta um dedo por Ele.
O Papa citou o escritor russo Dostoievski, em especial a obra Lenda do Grande Inquisidor, que fala de Jesus que, após vários séculos, regressa à Terra. No livro, o Inquisidor interroga e critica ferozmente Cristo, esperando uma resposta do mesmo nível. Mas também aqui, Cristo reage com um gesto dócil. Francisco então comentou, fazendo referência à guerra na Ucrânia:
“[ A paz de Jesus não domina os outros, nunca é uma paz armada. As armas do Evangelho são a oração, a ternura, o perdão e o amor gratuito ao próximo, a todos. Esta é a forma de trazer a paz de Deus ao mundo. É por isso que a agressão armada destes dias, como qualquer guerra, é um ultraje contra Deus, uma traição blasfema ao Senhor da Páscoa, preferindo ao seu rosto manso o do falso deus deste mundo. Sempre. A guerra é uma ação humana para levar à idolatria do poder.]”
O poder mundano, acrescentou o Papa, só deixa destruição e morte. A Páscoa é então a verdadeira festa de Deus e do homem, e seu significado é “passagem”, ainda mais emblemático neste período:
“Especialmente este ano, é a ocasião abençoada para passar do Deus mundano para o Deus cristão, da avidez que levamos dentro de nós para a caridade que nos liberta, da expectativa de uma paz trazida pela força para o compromisso de testemunhar concretamente a paz de Jesus. Coloquemo-nos perante o Crucificado, a fonte da nossa paz, e peçamos-lhe paz do coração e paz no mundo.”
- O Papa: "A guerra é um sacrilégio, deixemos de alimentá-la
Há um ano, em minha peregrinação ao Iraque martirizado, pude experimentar o desastre causado pela guerra, violência fratricida e terrorismo. Vi os escombros das casas e as feridas dos corações, mas também sementes de esperança de renascimento. Nunca teria imaginado de ver um ano depois um conflito irromper na Europa. Desde o início do meu serviço como bispo de Roma, falei sobre a Terceira Guerra Mundial, dizendo que já a estamos vivendo, mesmo que ainda em pedaços. Esses pedaços se tornaram cada vez maiores, soldando-se entre si. Tantas guerras estão acontecendo no mundo neste momento, causando imensa dor, vítimas inocentes, principalmente crianças. Guerras que provocam a fuga de milhões de pessoas, obrigadas a deixar suas terras, suas casas, suas cidades destruídas para salvar suas vidas. Essas são as muitas guerras esquecidas, que de vez em quando reaparecem diante de nossos olhos desatentos.
Estas guerras nos pareciam "distantes". Até que, agora, quase de imprevisto, a guerra eclodiu perto de nós. A Ucrânia foi agredida e invadida. Infelizmente, muitos civis inocentes, mulheres, crianças e idosos foram obrigados a viver em abrigos cavados no ventre da terra para fugir das bombas, com famílias que se dividem porque os maridos, pais e avós ficam para lutar, enquanto esposas, mães e avós procuram refúgio após longas viagens de esperança e cruzam a fronteira buscando acolhimento em outros países que os recebem com grandeza coração.
Diante das imagens angustiantes que vemos todos os dias, diante do choro de crianças e mulheres, só podemos gritar: “Parem!”. A guerra não é a solução, a guerra é uma loucura, a guerra é um monstro, a guerra é um câncer que se autoalimenta engolindo tudo! Além disso, a guerra é um sacrilégio, que destrói o que há de mais precioso em nossa terra, a vida humana, a inocência dos pequenos, a beleza da criação.
Sim, a guerra é um sacrilégio! Não posso deixar de recordar a súplica com que, em 1962, São João XXIII pediu aos poderosos do seu tempo para deterem a escalada bélica que poderia levar o mundo ao abismo do conflito nuclear. Não posso esquecer a força com que São Paulo VI, falando em 1965 na Assembleia Geral das Nações Unidas, disse: «Nunca mais a guerra, nunca mais guerra!». Ou, ainda, os muitos apelos pela paz de São João Paulo II, que em 1991 definiu a guerra como "uma aventura sem volta".
O que estamos vendo é mais uma barbárie e, infelizmente, temos uma memória curta. Sim, porque se tivéssemos uma memória, lembraríamos o que nossos avós e pais nos contaram, e sentiríamos a necessidade de paz, assim como nossos pulmões precisam de oxigênio. A guerra altera tudo, é pura loucura, seu único objetivo é a destruição e ela se desenvolve e cresce através da destruição e se tivéssemos memória, não gastaríamos dezenas, centenas de bilhões de dólares em rearmamento, em nos equiparmos com armas cada vez mais sofisticadas, em aumentar o mercado e o tráfico de armas que acabam matando crianças, mulheres e idosos: 1981 bilhões de dólares por ano, de acordo com os cálculos de um grande centro de pesquisa de Estocolmo. Isto representa um aumento dramático de 2,6% no segundo ano da pandemia, quando todos os nossos esforços deveriam ter sido concentrados na saúde global e em salvar vidas humanas do vírus.
Se tivéssemos memória, saberíamos que a guerra, antes de chegar à linha de frente, deve ser detida no coração. O ódio, antes que seja tarde demais, deve ser erradicado dos corações. E para isso, precisamos de diálogo, negociação, escuta, capacidade e criatividade diplomática, de uma política de longo alcance capaz de construir um novo sistema de convivência que não se baseie mais nas armas, no poder das armas e na dissuasão.