Andressa - Vatican News
O Papa Francisco viaja neste sábado (2) a Malta, dia em que famílias do mundo inteiro promovem iniciativas para sensibilizar a sociedade sobre a singularidade e o respeito aos autistas. De fato, 2 de abril é o Dia Mundial de Conscientização do Autismo e, em véspera de celebração da data instituída pela ONU em 2007, o Pontífice recebeu cerca de 200 membros da Federação Italiana de Autismo (FIA) na Sala Clementina, no Vaticano.
A organização, formada por pesquisadores, médicos, entidades e associações, se ocupa em promover e apoiar atividades de pesquisa, de cuidado e apoio nos centros dedicados ao autismo, e também em favor das famílias. Todos trabalham diariamente pelo bem-estar de menores e adultos com transtornos do espectro do autismo (TEA), além de recolher recursos para financiar projetos e iniciativas que valorizem a singularidade e o respeito por eles.
Foi isso que Filippo, um jovem de 20 anos, testemunhou ao Papa Francisco no início da audiência desta sexta-feira (1). O Pontífice agradeceu e também se congratulou pelo trabalho desenvolvido pela Federação desde 2015 em favor dos mais fracos e desfavorecidos, dando “uma valiosa contribuição para a luta contra a cultura do descarte (cf. Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, 53), que é muito difundida na nossa sociedade”.
A cultura da inclusão e da pertença
O Papa, então, compartilhou alguns pontos de reflexão sobre a condição vivida pelos autistas e por todos que têm alguma deficiência, a começar pela importância de se “construir em conjunto uma sociedade mais inclusiva”, para que familiares, professores e associações “não sejam deixados sozinhos, mas sejam apoiados”:
“É por isso que é necessário continuar a sensibilizar para os vários aspectos da deficiência, quebrando preconceitos e promovendo a cultura da inclusão e da pertença, baseada na dignidade da pessoa. É a dignidade de todos aqueles homens e mulheres mais frágeis e vulneráveis, que são muitas vezes marginalizados por serem rotulados como diferentes ou até inúteis, mas que, na realidade, são uma grande riqueza para a sociedade.”
Em seu discurso, Francisco lembrou do testemunho de vida de Santa Margarida de Città di Castello (1287-1320), da Ordem Terceira de São Domingos, italiana e cega desde o nascimento, que se tornou conhecida pela profunda fé e santidade ao colocar “a sua vida nas mãos do Senhor para se dedicar completamente à oração e ao cuidado dos pobres”. São tantos os casos de pessoas com deficiência que oferecem testemunhos significativos, seja na vocação ou na própria experiência de trabalho, disse o Pontífice.
A participação ativa
Seguindo a linha de reflexão sobre a cultura da inclusão, o Papa aprofundou sobre a possibilidade dessas pessoas de “participarem ativamente”, enfrentando barreiras físicas e não se fechando, mas "participando". Para isso, porém, o Pontífice recordou da necessidade de apoiar esse contexto através do acesso à educação, ao emprego e áreas de lazer:
“Isso requer uma mudança de mentalidade. Foram dados grandes passos nessa direção, mas o preconceito, a desigualdade e também a discriminação continuam existindo. Espero que as próprias pessoas com deficiência se tornem cada vez mais protagonistas desta mudança, como vocês testemunharam hoje, colaborando em conjunto, instituições civis e eclesiásticas.”
O trabalho em conjunto
Francisco reforçou a importância de se trabalhar em conjunto, de “fazer rede”, sobretudo diante de tantos desafios impostos atualmente, seja pela pandemia ou a guerra na Ucrânia, que acabam impactando gravemente os mais frágeis, como as pessoas com deficiência e familiares. A resposta, que também deve vir das comunidades eclesiais e civis, é uma só:
“Solidariedade na oração e solidariedade na caridade que se torna partilha concreta. Diante a tantas feridas, especialmente as dos mais vulneráveis, não desperdicemos a oportunidade de nos apoiarmos uns aos outros (cf. Evangelii gaudium). Assumamos a responsabilidade pelo sofrimento humano com projetos e propostas que coloquem os mais pequenos no centro (cf. Mt 25:40).”
Por uma economia de solidariedade
O Papa concluiu o discurso à Federação Italiana de Autismo recordando que, assim “como existe uma cultura do descarte e outra da inclusão, também existe uma economia que descarta e uma economia que inclui” e, aqui, o agradecimento de Francisco aos benfeitores que destinam recursos em favor do próximo: “são construtores de uma sociedade mais solidária, inclusiva e fraterna”. O próprio texto bíblico inspira “a colocar a fraternidade no centro da economia para que os pobres, os marginalizados e as pessoas com deficiência não sejam excluídos”. E Francisco finalizou:
“Encorajo vocês a continuarem o seu trabalho caminhando junto às pessoas com autismo: não só para elas, mas antes de mais nada com elas. Vocês sabem bem disso, e também hoje o quiseram dizer com um gesto: em breve, na Praça São Pedro, algumas pessoas com autismo vão cozinhar e oferecer o almoço aos irmãos pobres. Isso é lindo! Uma iniciativa que testemunha o estilo do Bom Samaritano, o estilo de Deus. Como é o estilo de Deus? Proximidade, compaixão, ternura. Com essas três características vemos o rosto de Deus, o coração de Deus, o estilo de Deus.”
- Francisco em Malta, Scicluna: Papa vem como arauto de paz e reconciliação
Na véspera da chegada do Pontífice à ilha mediterrânea, o arcebispo metropolita de Malta relata a espera de dois anos por esta viagem: o Papa nos recorda a radicalidade do Evangelho e, como São Paulo, a importância da cura.
Michele Raviart - Valletta
A Igreja maltesa se prepara para a chegada do Papa Francisco amanhã de manhã a Malta, destino da 36ª viagem apostólica de seu Pontificado. Uma "oportunidade de ir às fontes do anúncio do Evangelho", a definiu o Papa, em um lugar que viu o início da cristianização da ilha após o naufrágio do Apóstolo Paulo no ano 60 d.C. Uma viagem fortemente desejada pelo Papa e já adiada por causa da pandemia e que também será marcada pelo tema da acolhida, ainda mais atual hoje na Europa com o êxodo de centenas de milhares de refugiados da Ucrânia.
A expectativa da Igreja de Malta
A acompanhar o Papa Francisco nas etapas de sua viagem também estará dom Charles J. Scicluna, presidente da Conferência Episcopal de Malta e arcebispo de La Valletta, desde 2015 arcebispo metropolitano de Malta e particularmente comprometido no âmbito dos abusos do clero dentro da Congregação para a Doutrina da Fé, da qual ele é secretário adjunto.
Excelência, que significado tem a chegada do Papa Francisco para a Igreja em Malta?
R. - Após dois anos de espera, a visita do Papa não só tem um significado muito profundo para o povo, mas é também uma presença que é mais do que apreciada, também porque o momento histórico sempre nos faz pensar na Europa Oriental e na tragédia que está ocorrendo na Ucrânia nestes dias. O Papa vem como arauto de misericórdia, de reconciliação e de paz; ele fala a partir do sul da Europa, do coração do Mediterrâneo, que sempre foi teatro de convergência, mas também de conflito e tem uma história que une três continentes, mas também os separa. Também vem no Domingo da Quaresma em que Jesus, falando à adúltera, a salva de uma sentença de morte e dá a esta mulher, pega em flagrante adultério, um novo início. A Palavra de Deus que celebraremos junto com o Santo Padre no Domingo da Quaresma, 3 de abril, fala precisamente de reconciliação, de misericórdia, mas também de um novo início. Esta é a mensagem que o Papa traz a Malta, no coração do Mediterrâneo, mas olhando para o mundo inteiro e especialmente para nossos irmãos e irmãs na Ucrânia.
Um dos temas também é simbolizado pelo logotipo desta viagem, que mostra mãos prontas para acolher e não há dúvida de que a questão do acolhimento e dos migrantes seja um dos grandes temas desta viagem. Qual é a situação em Malta, e o que trarão as palavras do Papa, que se encontrará com alguns desses migrantes no domingo?
R. - A questão dos migrantes é sempre atual. Se olharmos para a Europa Oriental, a realidade dos migrantes que fogem de conflitos violentos, agressivos e injustos é muito clara, e nos convida a acolher aqueles que fogem de seu próprio país não por capricho, mas por exigência, por necessidade. Há anos, nós em Malta somos uma fronteira que não pode ser uma barreira, mas deve ser um ponto de confronto, um ponto de acolhida. Também as palavras que vêm dos Atos dos Apóstolos, capítulo 28, que falam da acolhida que os malteses deram a 276 náufragos, incluindo o apóstolo Paulo, são fruto de uma narrativa muito antiga. Sempre me impressionou o fato de alguns estudiosos nos dizerem que uma das etimologias do nome "Malta" vem de uma raiz fenícia muito antiga - "malet" - que significa um porto seguro, um refúgio seguro.
Malta é abençoada com portos verdadeiramente seguros onde aqueles que viajavam por mar também podiam parar, recuperar as energias, até mesmo realizar atos de culto, porque Malta tem muitos templos de culto que antecedem a era cristã e eram - precisamente - não apenas um refúgio pessoal e psicológico, mas também um refúgio espiritual; e esta é uma vocação geopolítica da qual não podemos escapar. Malta está situada no centro do Mediterrâneo e também deve lidar com o corredor central de migração, mas olha também à legítima reação, à bela reação dos países europeus aos fluxos migratórios provenientes da Ucrânia nos dias de hoje. E entre nós dizemos que seria bom se esta solidariedade europeia também pudesse ser experimentada com os países do sul que há anos carregam um fardo desproporcional, sem receber o mesmo tipo de solidariedade dos outros.
O senhor mencionou a passagem nos Atos dos Apóstolos onde se fala do naufrágio de São Paulo. Há também outro aspecto, igualmente importante, que é o apostólico: o próprio Papa Francisco visitará - como João Paulo II e Bento XVI - as Grutas de São Paulo. Do ponto de vista apostólico, o que significa toda esta viagem para a comunidade cristã em Malta, seja para a Igreja, seja para os fiéis?
R. - Deve-se admitir que a inspiração para a viagem, há dois anos, veio das palavras do Santo Padre naqueles dias, no início de janeiro de 2020, quando comentava o capítulo 28 dos Atos dos Apóstolos. Ele nos lembrou lendo as belas palavras que Lucas usa para comemorar e recordar as boas-vindas e a benevolência dos malteses, mesmo do nosso protos que se chamava Publius. Paulo ficou conosco por três meses, naquela antiga Gruta que os Papas visitam quando estão aqui, 2000 anos após a chegada de Paulo. Estamos vivendo sob a influência da secularização, de um mundo globalizado com uma atitude muito líquida em relação aos compromissos humanos, pessoais e morais. O Papa vem como aquele que nos recorda a natureza radical do Evangelho, mas também da cura, e ele traz a Palavra de Jesus. Paulo certamente falou de Jesus, mas Lucas não nos diz o que ele disse. Ele nos conta alguns fatos de cura. Ele diz: "Eles trouxeram ao apóstolo todos os doentes da ilha e ele os curou". Em nome de Jesus. E assim - pelo menos, nossos antepassados - encontramos Jesus na Palavra que salva, que reconcilia, que cura. E esta é a Palavra que esperamos do Papa, o Sucessor de Pedro.
Como a ilha está se preparando para a chegada do Papa em nível prático? Seja os cidadãos, seja as autoridades. O novo primeiro-ministro foi empossado há alguns dias. Qual é a atmosfera na ilha, como se está preparando?
R. - Há uma grande expectativa. Obviamente, as eleições do último fim de semana ainda estão na ordem do dia: o novo governo está sendo formado; este é um momento na vida civil que não pode ser ignorado. Mas os preparativos estão em pleno andamento e estamos rezando para termos um bom tempo no sábado e no domingo porque, como sabemos, nas ilhas do Mediterrâneo, quando o vento sopra, ele sopra muito forte...
Fonte: Vatican News