Artigo de Dom Pedro José Conti: Tire-o da minha frente
13/02/2022
Reflexão para o 6º Domingo do Tempo Comum | 13 FEV 2022 – Ano “C”
| MACAPÁ (AP) | Por Dom Pedro José Conti
Um andarilho estava no escritório de um ricaço, pedindo esmola. O homem chamou a secretária e lhe disse: – Vê este pobre infeliz? Observe como os dedos dos pés dele saltam para fora do sapato, como as suas calças estão esfiapadas, o casaco em frangalhos. Tenho certeza de que não se barbeia, não toma banho, não faz uma refeição decente há dias. Corta o meu coração ver gente nessa deplorável condição. Por isso: tire-o imediatamente da minha frente!
Neste 6º Domingo do Tempo Comum, escutaremos o evangelho das famosas “Bem-aventuranças” na versão de Lucas. As mais conhecidas são aquelas de Mateus e, portanto, convêm fazer algumas comparações lembrando, porém, mais uma vez, que cada autor sagrado reelaborou as tradições que recolheu antes de escrever conforme a situação da comunidade onde vivia. A primeira diferença é que no evangelho de Lucas as bem-aventuranças são somente quatro e estão acompanhadas por quatro “ais”. Jesus convida os pobres, os que têm fome, os que choram e os perseguidos a se alegrar. Ao contrário, com os ais, alerta os ricos, os que têm fartura, os que estão rindo e aqueles que são elogiados. Esses “ais” não são ameaças de castigo ou algo semelhante, são um convite claro a não construir a própria vida sobre os bens materiais, as alegrias e os aplausos passageiros.
As “promessas” de Jesus lembram a todos, de um lado e do outro, que nenhuma situação, neste mundo, é para sempre. Os sofrimentos e as perseguições dos pequenos acabarão, mas terão um fim também as falsas seguranças dos ricos e famosos. Será uma simples viravolta? Uns ocuparão os lugares dos outros? Se fosse assim, afinal, nada mudaria. As bem-aventuranças – e os ais – apontam a uma nova realidade: o Reino de Deus que começa a acontecer. É o Reino, sabemos, da paz, da justiça e do amor. Esses são os novos valores que Jesus aponta. Talvez nunca exista um sistema social e político que cumpra perfeitamente esse projeto. No entanto, como cristãos, devemos acreditar que seja possível nos aproximarmos dele, corrigindo as injustiças e construindo a fraternidade. Entendemos que Jesus quer que todos tenham uma vida mais alegre e feliz, não por causas das riquezas materiais, mas em razão da amizade e da solidariedade. Se os ricos e poderosos não estão dispostos a partilhar nada e se os pobres e sofredores só cobiçarem os mesmos bens, não mudará nada. Por isso, as bem-aventuras e os ais do evangelho de Lucas são um teste para ver em que e em quem acreditamos de verdade. Cabe um belo exame de consciência.
Nós todos, eu também, não posso negar, somos doutores no equilíbrio, ou seja, em evitar os extremos. Sabemos que não devemos desejar riquezas demais para não ficarmos escravos da nossa própria ganância. Mas também não desejamos ser odiados, expulsos, insultados e amaldiçoados “por causa do Filho do Homem” (Lc 6,22). Como nos alegrar com as críticas e as perseguições? Será que Jesus não exagerou um pouco? Talvez não sejamos profetas tão bons, mas não nos enxergamos como tão falsos assim. Não daria para amenizar as palavras de Jesus? De fato, é o que fazemos todos os dias para poder pedir perdão das nossas fraquezas e apaziguar a nossa consciência.
Lembrarei somente duas coisas. Primeiro deveríamos ouvir mais a voz, ou o grito, dos sofredores, dos que estão às margens desta sociedade. Se, de alguma forma esse choro não nos incomoda mais, é sinal de que já estamos do lado de quem tem medo de perder o conforto, as seguranças ou os privilégios que ainda sonhamos ou construímos ao longo da nossa vida. Desse jeito, escolhemos tirar os pobres da nossa frente. A segunda consideração é a respeito das críticas que vamos atrair. Os mártires “de todas as causas justas” não escolheram sê-lo, simplesmente decidiram praticar o que acreditavam, conscientes ou não do risco que corriam. Quem ficou mais “alegre”? Os carrascos e os zombadores ou os “profetas” do Reino? Cada um responda, sem esquecer, por favor, os pobres que estão à sua frente. Com eles, é o Senhor que estamos desprezando.
Fonte: Diocese de Macapá