Política

Tentativa de aproximação entre Brasil e Otan gera preocupação na Rússia





O governo de Jair Bolsonaro (PL) propôs uma aproximação formal à Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) em 2021, gerando a preocupação das autoridades russas e alertas sobre o que significaria uma aliança militar envolvendo o país.

Documentos e relatos exclusivos obtidos pela coluna revelam que o projeto de aproximação foi submetido aos países da Otan em 2021 e que, desde então, duas reuniões internas entre os embaixadores da aliança foram realizadas para debater a iniciativa brasileira. 

Na próxima semana, a viagem de Bolsonaro para Moscou ocorre num momento crítico na relação entre o Kremlin e o Ocidente. O presidente russo Vladimir Putin acusa americanos e europeus de terem violado promessas dos anos 90 e ampliado a Otan até as fronteiras do território de seu país. Agora, com 125 mil soldados nas proximidades da Ucrânia, Moscou exige uma negociação que garanta sua proteção.

A tensão geopolítica tem levado chefes-de-estado a percorrer o mundo, num balé diplomático que tem como missão evitar uma guerra. Para a Casa Branca e governos europeus, uma viagem de Bolsonaro neste momento pode ser vista como um endosso brasileiro à posição russa e há uma pressão para que, caso a visita ocorra, o Itamaraty use a ocasião para pedir que haja uma desescalada por parte de Moscou.

De acordo com fontes de alto escalão, em agosto de 2021, o Brasil sondou diplomaticamente cada um dos 30 membros da Otan. O centro da conversa era a possibilidade de ser um dos membros do Centro de Excelência em Cooperação em Ciberdefesa, um campo de interesse do Ministério da Defesa.

O centro é descrito em seu site como uma rede que foca suas atividades em "pesquisa, treinamento e exercícios". "A organização militar internacional é uma comunidade com 29 nações, fornecendo um olhar de 360 graus sobre defesa cibernética, com especialidade em áreas de tecnologia, estratégia, operação e direito", diz.

Naquele momento, o Itamaraty identificou uma resistência por parte de alguns membros, em especial dos europeus.

Mas a notícia da proposta brasileira acabou chegando aos ouvidos russos por meio de seu serviço de inteligência. Assim, no dia 23 de outubro, o embaixador da Rússia nos Estados Unidos convidou o embaixador brasileiro para um almoço em sua residência, fora dos olhares públicos.

Quando o encontro começou, porém, a diplomacia brasileira foi surpreendida por um alerta da parte dos russos.

No almoço, o embaixador russo manifestou sua "estranheza" e "preocupação" diante da aproximação que o Brasil gostaria de sugerir à Otan. Durante o encontro, ele apontou para os problemas que uma decisão poderia ter de fazer parte da "máquina militar da Otan, que está cada vez mais perto das fronteiras russas".

Já naquele momento, o discurso era o mesmo usado por Putin hoje para justificar seu incômodo com o Ocidente.

Procurado pela reportagem para comentar a iniciativa com a Otan e a reunião com os russos, o Itamaraty não se pronunciou.

O centro da Otan para a questão da defesa cibernética tem sua sede na Estônia, uma ex-república soviética. Hoje ela é comandada pelo coronel l Jaak Tarien, ex-comandante das Forças Armadas da Estônia e que teve toda sua formação em academias militares nos Estados Unidos.

Dentro do Itamaraty, é vendida a tese da diplomacia pendular, capaz de manter boas relações tanto com a Otan como com os russos. Algo na mesma linha que o governo de Getúlio Vargas estabeleceu nos primeiros anos da Segunda Guerra Mundial e que resultou numa barganha com os americanos.

Mas observadores acreditam que o gesto de Bolsonaro em relação à visita ao Kremlin pode afastar qualquer possibilidade de um avanço no debate sobre a participação brasileira na aliança.

O malabarismo diplomático brasileiro é ainda alvo de comentários internos no Itamaraty, que julgam que a "política externa pendular" pode terminar apenas sendo vista como uma "política externa bipolar".

Mais recentemente, o Kremlin acusou os americanos de estarem tentando impedir a viagem de Bolsonaro. Mas destacou como tal pressão não faria sentido diante de um "país grande" como o Brasil.

Já no Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas), o mesmo malabarismo foi identificado. O governo brasileiro apoiou um pedido dos Estados Unidos para que o órgão máximo das Nações Unidas tratasse da crise geopolítica. Mas, quando a reunião começou, evitou criticar o governo Putin e recomendou que as preocupações de segurança de todos - inclusive dos russos - fossem consideradas.

 

- Bolsonaro só falará de Ucrânia se Putin tocar no assunto

A visita oficial de Jair Bolsonaro (PL) a Vladimir Putin, da Rússia, resultará em apenas 1 acordo: cooperação em matéria penal. O encontro no Kremlin, em 16 de fevereiro, será seguido de almoço. Declarações para a imprensa russa são esperadas ao final. Até 3ª feira (8.fev. 2022) jornalistas brasileiros estavam excluídos por decisão de Moscou. O Poder360 apurou que Bolsonaro foi orientado a não tocar em Ucrânia na conversa –a não ser que Putin introduza o assunto.

Se acontecer, é esperado que repita as premissas do Itamaraty: defesa de solução diplomática, respeito ao direito internacional e oposição a sanções unilaterais. O Brasil já as expôs em reunião do Conselho de Segurança das Nações Unidas, onde tem assento não permanente.

Se Putin não tocar no tema –e Bolsonaro seguir a orientação do Itamaraty–, a questão da potencial invasão russa à Ucrânia será tratada em outra reunião. Nela os protagonistas serão os ministros da Defesa, Walter Braga Netto e Sergey Shoygu, e os das Relações Exteriores, Carlos França e Sergey Lavrov. Será a 1ª no formato “2+2” entre esses países.

Bolsonaro chegará a Moscou no início da noite de 15 de fevereiro. Embarca para Budapeste, na Hungria, no dia 17, para encontrar-se com o primeiro-ministro, Viktor Orbán.

O encontro com Putin foi acertado em 30 de novembro do ano passado durante visita de Carlos França com Lavrov, em Moscou. O Poder360 apurou que, desde então, o Itamaraty não considerou a hipótese de suspender ou cancelar a visita, mesmo com o aumento das tensões entre Moscou e a Otan(Organização do Tratado do Atlântico Norte).

A pauta substantiva sobre a elevação do comércio Brasil-Rússia deve ser tocada por empresários dos dois lados, que se reunirão em Moscou no dia 15. Tratou-se de iniciativa da Apex Brasil (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos) para impulsionar o intercâmbio de bens. A Rússia é o 36º destino das exportações brasileiras e o 6º maior fornecedor de bens. Mas as trocas somaram US$ 7,3 bilhões em 2021, com deficit para o Brasil de US$ 4,1 bilhões.

Estarão presentes representantes de 7 entidades empresariais do Brasil de setores exportadores de frutas, máquinas e implementos agrícolas, equipamentos para perfuração de poços petrolíferos em águas profundas e outros. A Embraer desistiu de embarcar na 2ª feira. Da Rússia, serão cerca de 28 empresários das áreas de energia nuclear, processamento de oleaginosas, defesa, gás natural e bancos.

Ao final do encontro deve ser emitido um comunicado conjunto –texto negociado pelas partes para dar as diretrizes para a relação bilateral. A questão da Ucrânia, se mencionada, não vai trazer apoio explícito do Brasil à Rússia nem à Otan. Deverá incluir compromissos dos 2 países com os foros internacionais que participam: BRICS e G20.

Covid

O Kremlin orientou o Palácio do Planalto a reduzir ao máximo o séquito presidencial por causa da covid 19. O presidente brasileiro e toda a sua delegação terão de apresentar resultado negativo de teste de covid antes do embarque –traduzido para o russo. Em Moscou, todos terão de fazer 2 exames. Não é exigida vacinação prévia.

Dos resultados desses testes dependerá a decisão do governo russo sobre em que local Bolsonaro será recebido. Em 3 de fevereiro, o argentino Alberto Fernández foi recebido por Putin na sala em que costuma receber os chefes de Estado. Posaram lado a lado, sentados em poltronas, com lareira ao fundo.

Para Emmanuel Macron, da França, foi escolhida sala com mesa oval de cerca de 6 metros de comprimento. Cada um sentou-se em uma ponta na 2ª feira (7.fev).

Outras razões podem também ter interferido nessas decisões: Fernández não foi a Moscou para tratar das tropas russas em prontidão na fronteira com a Ucrânia. Macron, sim. Bolsonaro, em princípio, se ateará a temas bilaterais, como o argentino.

Poder360 apurou que o Kremlin mantém regras draconianas contra a covid. O tradutor de Putin para russo-português, um diplomata que atua na embaixada em Brasília, estará em quarentena até a véspera do encontro, quando totalizará 14 dias de isolamento. Em visitas oficiais, valem as regras do anfitrião.

Fonte: UOL - Poder360