Política

PF conclui que Bolsonaro não cometeu crime de prevaricação no caso Covaxin





Suspeita foi levantada por deputado após conversa com o presidente sobre irregularidades na aquisição da vacina

A Polícia Federal concluiu que não foi identificado crime de prevaricação do presidente Jair Bolsonaro (PL) no caso da compra da Covaxin, vacina indiana contra a Covid-19.

Em relatório enviado nesta segunda-feira (31) à ministra Rosa Weber, relatora do inquérito no STF (Supremo Tribunal Federal), a corporação afirmou que a apuração não demonstrou de forma material a ocorrência de conduta criminosa. O inquérito tem mais de 2.000 páginas.

A PF ainda informou à magistrada que avaliou desnecessário interrogar Bolsonaro no caso, por não haver repercussão penal.

De posse do relatório, a ministra consultará a PGR (Procuradoria-Geral da República), comandada por Augusto Aras, sobre o destino da apuração.

A hipótese mais provável é que a PGR defenda o arquivamento. Outras possibilidades seriam a realização de novas diligências ou mesmo a apresentação de denúncia ao Supremo. Para a corte processar criminalmente o presidente, no entanto, a Câmara dos Deputados tem que autorizar.

Uma das principais suspeitas contra o governo Bolsonaro até aqui, o caso Covaxin se tornou centro da CPI da Covid no Senado, inflamou protestos pelo impeachment do presidente e expôs uma série de contradições no discurso bolsonarista sobre vacinas e combate à corrupção.

Apesar do discurso contra a corrupção, não há indícios de que o presidente tenha acionado órgãos de controle diante das suspeitas no contrato da Covaxin.

A suspeita de prevaricação foi atribuída ao chefe do Executivo pelo deputado Luis Miranda (DEM-DF) e o seu irmão, o servidor Luis Ricardo Miranda.

Em depoimento, o deputado afirmou ter alertado o presidente sobre supostas irregularidades na compra da Covaxin, negociada com a intermediação da Precisa Medicamentos.

O encontro, segundo o congressista, teria ocorrido no dia 20 de março. A conversa com o presidente foi presencial. Segundo relato de Miranda, Bolsonaro teria ligado o líder do governo, deputado Ricardo Barros (PP-PR), às supostas irregularidades.

Luis Ricardo, que era chefe da divisão de importação da Saúde, relatou ao MPF (Ministério Público Federal) ter sofrido pressão incomum para assinar o contrato para a compra da vacina. Esse depoimento foi revelado pela Folha.

O relatório da PF que descarta o crime de prevaricação a Bolsonaro foi assinado pelo delegado William Tito Schuman Marinho. O policial atua no setor encarregado de inquéritos nos tribunais superiores.

Marinho afirmou que, "ausente o dever funcional do presidente da República Jair Messias Bolsonaro de comunicar eventuais irregularidades de que tenha tido conhecimento —e das quais não faça parte como coautor ou partícipe— aos órgãos de investigação, como a Polícia Federal, ou de fiscalização, não está presente o ato de ofício" que poderia caracterizar o crime.

De acordo com o policial, "juridicamente, não é dever funcional (leia-se: legal), decorrente de regra de competência do cargo, a prática de ato de ofício de comunicação de irregularidades pelo presidente da República".

Assim, concluiu o delegado, ainda que o presidente não tenha agido, não se pode ser imputado o crime de prevaricação no contexto dos fatos analisados no inquérito.

Ele frisou que, embora a PF não tenha sido acionada pelo presidente antes de os fatos se tomarem públicos, o inquérito reuniu declarações e documentos produzidos por agentes e órgãos públicos, entre eles o TCU (Tribunal de Contas da União), que indicam ter havido "acompanhamento contemporâneo" das negociações para a formalização do contrato para a compra do imunizante.

A apuração foi instaurada em julho do ano passado a pedido da PGR, após pressão de Rosa Weber. Inicialmente a Procuradoria havia pedido para aguardar o fim da CPI da Covid para se manifestar sobre a necessidade ou não de investigar a atuação do chefe do Executivo.

​Três meses depois da data em que os irmãos Miranda teriam alertado o presidente sobre possíveis irregularidades, o Ministério da Saúde decidiu suspender o contrato com a Precisa Medicamentos para obter 20 milhões de doses da Covaxin.

Além disso, ao se manifestar sobre o assunto, Bolsonaro primeiro disse que a Polícia Federal iria abrir inquérito para apurar as suspeitas e depois afirmou que não tem "como saber o que acontece nos ministérios".

A prevaricação é um crime contra a administração pública que acontece quando o agente público deixa de agir da maneira que se espera dele e no qual é obtida alguma espécie de favorecimento.

Exemplos são casos de policiais ou fiscais que não tomam providência diante de uma irregularidade, para proteger determinada pessoa.

O Código Penal especifica da seguinte maneira: "Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra expressa disposição de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal".

O ato de ofício é aquele que se espera que o servidor faça independentemente de um pedido. Governantes, como o presidente da República, também são funcionários públicos.

A legislação estabelece pena de detenção de três meses a um ano, além de multa. Por ser de menor potencial ofensivo, o caso tramita nos Juizados Especiais Criminais, conforme lei de 1995. Essa unidade do Judiciário objetiva não aplicar penas privativas de liberdade.

FolhaJus+

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Em 2007, houve um acréscimo no Código Penal especificando a omissão relacionada à entrada de celulares em presídios como crime de prevaricação de agente público. A pena é a mesma do delito convencional.

Nas altas esferas de governo, embora o crime já tenha sido debatido em outras crises políticas, a condenação não é tão comum.

Um exemplo recente de condenação por prevaricação foi a aplicada em 2019 pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça) a Cícero Amélio da Silva, ex-presidente do Tribunal de Contas de Alagoas.

A corte considerou que ele favoreceu um prefeito ao reter os autos de um processo em seu gabinete antes de uma eleição. Mas essa ação ainda tem recursos pendentes.

Em tese, o delito de prevaricação poderia ser enquadrado como um crime de responsabilidade do presidente da República.

A chamada Lei do Impeachment, de 1950, usada nos processos de afastamento contra Fernando Collor (1992) e Dilma Rousseff (2016), inclui expressões de sentido amplo, como "proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo".

Embora também chamados de "crime", os de responsabilidade não são um tipo penal, mas uma infração político-administrativa.

 

- Bolsonaro diz que ausência em depoimento da PF foi 'decisão do advogado'

O presidente Jair Bolsonaro (PL) declarou hoje que a falta a depoimento marcado pela Polícia Federal, na última sexta-feira (28), foi uma "decisão do advogado", em referência às orientações do chefe da AGU (Advogado-Geral da União), Bruno Bianco.

"A decisão foi do advogado. É como um médico, né... Para mim, eu sigo as orientações. Porque, afinal de contas, melhor do que discutir, com todo respeito a vocês da mídia... Tem que discutir nos autos", declarou Bolsonaro em entrevista à TV Record. 

A oitiva com o presidente estava marcada para 14h de sexta, em Brasília, por ordem do ministro Alexandre de Moraes. No entanto, o político enviou à PF uma declaração na qual dizia exercer o "direito de ausência".

Na versão da defesa, o posicionamento é respaldado em decisão do Supremo que tratou dos direitos de investigados em apurações policiais.

"Seguindo orientações do advogado-geral da União, Bruno Bianco. Tudo que foi tratado com esse advogado, que nos defende, eu cumpri à risca. E, com toda certeza agora, o plenário do Supremo Tribunal Federal vai decidir essa questão", comentou Bolsonaro na entrevista de hoje.

O presidente é investigado por ter divulgado em suas redes sociais, em agosto do ano passado, documentos sobre uma tentativa de invasão aos sistemas do TSE (Tribunal Superior Eleitoral). O objetivo do presidente, à época, era questionar a segurança das urnas eletrônicas.

Fonte: Folha - UOL