Mariangela Jaguraba - Vatican News
"São José, homem que sonha" foi o tema da catequese do Papa Francisco na Audiência Geral, desta quarta-feira (26/01), realizada na Sala Paulo VI.
O Papa explicou que "na Bíblia, como nas culturas dos povos antigos, os sonhos eram considerados um meio pelo qual Deus se revelava. O sonho simboliza a vida espiritual de cada um de nós, aquele espaço interior, que cada um é chamado a cultivar e a proteger, onde Deus se manifesta e muitas vezes nos fala".
Segundo o Papa, "devemos dizer que dentro de cada um de nós não existe apenas a voz de Deus: existem muitas outras vozes. Por exemplo, as vozes de nossos medos, experiências passadas, das esperanças; e há também a voz do maligno que quer nos enganar e confundir. Portanto, é importante ser capaz de reconhecer a voz de Deus no meio de outras vozes. José demonstra que sabe cultivar o silêncio necessário e tomar as decisões justas diante da Palavra que o Senhor lhe dirige interiormente".
Para entender como nos colocar diante da revelação de Deus, o Papa retomou quatro sonhos relatados no Evangelho que têm José como protagonista.
No primeiro sonho, o anjo ajuda José a resolver o drama que o aflige ao saber da gravidez de Maria, quando o anjo lhe apareceu em sonho e lhe disse para não ter medo de receber Maria como esposa. A resposta de José foi imediata, pois quando acordou fez conforme o Anjo do Senhor havia mandado.
Muitas vezes a vida nos coloca diante de situações que não entendemos e parecem sem solução. Rezar, nesses momentos, significa deixar que o Senhor nos mostre a coisa certa a ser feita. De fato, muitas vezes é a oração que faz nascer em nós a intuição do caminho de saída. Como resolver aquela situação. Queridos irmãos e irmãs, o Senhor nunca permite um problema sem nos dar também a ajuda necessária para enfrentá-lo. Ele não nos joga ali no forno sozinhos. Não nos joga no meio dos animais ferozes. Não. O Senhor quando nos faz ver um problema ou revela um problema, nos dá sempre sua ajuda, sua presença para sair, para resolvê-lo.
O segundo sonho revelador de José ocorre quando a vida do menino Jesus está em perigo. Ele pegou o menino Jesus e sua mãe e fugiram para o Egito e ficaram lá até a morte de Herodes.
Na vida fazemos experiência de perigos que ameaçam nossa existência ou a de quem amamos. Nessas situações, rezar significa escutar a voz que pode fazer nascer em nós a coragem de José para enfrentar as dificuldades sem sucumbir.
No Egito, José espera de Deus o sinal para poder voltar para casa. Este é o conteúdo do terceiro sonho. O anjo lhe revela que aqueles que queriam matar o menino morreram e ordena a José de partir com Maria e Jesus e retornar à sua pátria. Mas na viagem de volta, "quando soube que Arquelau reinava na Judéia, como sucessor de seu pai Herodes, teve medo de ir para lá". Depois de receber aviso em sonho, José partiu para a região da Galileia, e foi morar numa cidade chamada Nazaré. Esta é a quarta revelação.
O medo também faz parte da vida e ele também precisa da nossa oração. Deus não nos promete que não teremos mais medo, mas que, com sua ajuda, o medo não será o critério de nossas decisões. José experimenta o medo, mas Deus também o guia através do medo. O poder da oração ilumina as situações sombrias.
A seguir, o Papa recordou "as muitas pessoas que são esmagadas pelo peso da vida e não conseguem mais esperar e nem rezar. Que São José as ajude a abrir-se ao diálogo com Deus, para reencontrar luz, força e paz".
Francisco recordou também "os pais diante dos problemas dos filhos. Filhos doentes, com doenças permanentes. Quanta dor ali! Pais que veem orientações sexuais diferentes nos filhos, como lidar com isso e acompanhar os filhos e não se esconder no comportamento de condenação. Pais que veem os filhos morrerem por causa de uma doença, e o mais triste, vemos todos os dias nos jornais, os jovens que fazem travessuras e morrem em acidentes de carro. Pais que veem os filhos não prosseguirem na escola, muitos problemas dos pais. Pensemos em como ajudá-los. A esses pais eu digo que não se espantem. Há muita dor, muita, mas pensem no Senhor, pensem em como José resolveu os problemas e peçam a José que os ajude. Nunca condenar um filho".
O Papa recordou as mães que visitam os filhos nas prisões. Uma mãe diante de um filho que errou e está preso, mas não o deixa sozinho, dá a cara e o acompanha. Esta coragem de pai e mãe que acompanham o filho sempre.
O Papa concluiu, dizendo que "a oração nunca é um gesto abstrato ou intimista, como querem fazer estes movimentos espiritualistas mais gnósticos do que cristãos, não é isso. A oração está sempre indissoluvelmente ligada à caridade. Somente quando unimos o amor à oração, amor pelo filho e pelo próximo, conseguimos compreender as mensagens do Senhor. José rezava, trabalhava e amava, e por isso sempre recebeu o necessário para enfrentar as provações da vida. Confiemo-nos a ele e à sua intercessão".
No final da Audiência Geral, o Papa convidou a rezar pela paz na Ucrânia, e a fazê-lo muitas vezes durante este dia:
Peçamos ao Senhor com insistência que aquela terra possa ver florescer a fraternidade e superar feridas, medos e divisões. Que as orações e súplicas, que hoje se elevam ao Céu, toquem as mentes e os corações dos responsáveis na terra, para que façam prevalecer o diálogo, e o bem de todos seja colocado acima dos interesses de parte. Rezemos pela paz com o Pai Nosso: é a oração dos filhos que se dirigem ao mesmo Pai, é a oração que nos faz irmãos, é a oração dos irmãos que imploram reconciliação e concórdia.
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26 de janeiro é o dia de oração pela paz na Ucrânia e, como ele mesmo pediu no último domingo no Angelus, Francisco concluiu a Audiência Geral, desta quarta-feira (26/01), com esta intenção. "Peçamos ao Senhor com insistência que aquela terra possa ver florescer a fraternidade e superar feridas, medos e divisões." Recordando o sofrimento do povo ucraniano ligado ao segundo conflito mundial, o Santo Padre lembrou que mais de cinco milhões de pessoas foram aniquiladas durante a guerra: "É um povo sofredor que merece paz". "Que as orações e súplicas, que hoje se elevam ao Céu, toquem as mentes e os corações dos responsáveis na terra, para que façam prevalecer o diálogo, e o bem de todos seja colocado acima dos interesses de parte. Rezemos pela paz com o Pai Nosso: é a oração dos filhos que se dirigem ao mesmo Pai, é a oração que nos faz irmãos, é a oração dos irmãos que imploram reconciliação e concórdia."
Para responder ao apelo do Papa Francisco, estão previstos em vários países nas igrejas e paróquias encontros de oração pela paz na Ucrânia. O cenário do conflito não é uma hipótese remota, mas um risco concreto que pode perturbar dramaticamente o equilíbrio do mundo. Como o Papa Francisco lembra em sua Encíclica Fratelli tutti, a guerra “não é um fantasma do passado, mas se tornou uma ameaça constante. O mundo encontra cada vez mais dificuldade no lento caminho da paz que empreendeu e que começava a dar frutos”. “Se queremos um autêntico desenvolvimento humano integral para todos, devemos prosseguir sem cansar no compromisso de evitar a guerra entre nações e povos”. “Não podemos mais pensar”, lê-se ainda na encíclica, “na guerra como solução, pois os riscos provavelmente sempre excederão a hipotética utilidade que lhe é atribuída. Diante dessa realidade, hoje é muito difícil sustentar os critérios racionais amadurecidos em outros séculos para falar de uma possível 'guerra justa'. Chega de guerra!”. “Toda guerra deixa o mundo pior do que o encontrou. A guerra é um fracasso da política e da humanidade, uma rendição vergonhosa, uma derrota diante das forças do mal”.
Francisco, como disse no último domingo no Angelus, acompanha "com preocupação o aumento das tensões que ameaçam infligir um novo golpe à paz na Ucrânia e questionam a segurança no continente europeu". Mais de 120 mil soldados russos estão posicionados na fronteira ucraniana e no território de Donbass. Washington continua mantendo conversações com líderes europeus e com a OTAN. A Aliança Atlântica "enviará uma proposta escrita no final desta semana" à Rússia para "encontrar uma saída" para a crise. Na Ucrânia, o ministro da Defesa, Alexei Reznikov, por enquanto exclui uma ameaça de invasão russa, mas especifica que "cenários de risco" permanecem para o futuro.
São horas de ansiedade sobre a situação na Ucrânia. Teme-se que o conflito, que eclodiu em 2014, possa se agravar com repercussões em escala internacional. Como recordou o núncio apostólico na Ucrânia, dom Visvaldas Kulbokas, em entrevista à mídia vaticana, a guerra “já dura 8 anos nas regiões orientais do país e certamente criou muitos problemas”. "Há quem perdeu a saúde, casa, trabalho, e tudo isso tornou os ucranianos mais fortes diante das dificuldades. O risco de um possível agravamento do conflito é vivido com mais coragem”. Referindo-se ao dia de hoje, o núncio apostólico na Ucrânia sublinhou que "o significado desta oração é sobretudo que nos convertamos, para viver a fidelidade a Deus e viver a fraternidade e a misericórdia para com todos, com humildade, coragem, criatividade, para dizer ao Senhor: agora confio tudo nas tuas mãos”.
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"Essa crueldade indescritível não deve mais se repetir." Francisco pontua bem as sílabas como se quisesse marcar na mente e no coração, das novas gerações, em que os males do racismo e do antissemitismo retornam novamente, a dor para todas as vítimas do Holocausto.
No final da Audiência Geral desta quarta-feira (26/01), o Papa Francisco recordou o Dia Internacional da Memória, celebrado na quinta-feira, 27 de janeiro, no 76º aniversário da libertação do campo de extermínio de Auschwitz-Birkenau, símbolo da Shoah que destruiu a vida de milhões de pessoas e famílias.
“É necessário lembrar o extermínio de milhões de judeus e pessoas de diferentes nacionalidades e religiões. Essa crueldade indescritível não deve mais se repetir.”
O Papa dirigiu-se a todos, mas em particular "aos educadores e famílias, para que promovam nas novas gerações a consciência do horror desta página escura da história". Uma advertência a manter viva a atenção para esse horror também no futuro, para que não seja ofuscado quando as últimas testemunhas não mais existirem. "Que esta crueldade nunca seja esquecida", disse o Pontífice, "para se possa construir um futuro em que a dignidade humana nunca mais seja pisoteada".
O apelo tornou-se um abraço no final da audiência, quando o Papa, sentado numa cadeira ao pé da escadaria da Sala Paulo VI, cumprimentou Lídia Maksymowicz, polonesa de origem bielorrussa, que foi para Auschwitz - Campo de concentração de Birkenau aos 3 anos com sua mãe, perdida e depois encontrada na idade adulta na Rússia. O encontro entre o Papa e Lídia, testemunha ainda viva das atrocidades dos campos de concentração e das experiências do doutor Josef Mengele, é o segundo encontro. Em 26 de maio de 2021, no final de uma Audiência Geral no pátio de São Dâmaso, Lídia saudou Francisco que se abaixou para beijar o número tatuado em seu braço, após 77 anos, do horror vivido: "70072". "O beijo do Santo Padre me fortaleceu e me reconciliou com o mundo", disse Maksymowicz numa entrevista ao Vatican News logo após a audiência. Nesta quarta-feira, Francisco acariciou a tatuagem no braço de Lídia, que levou alguns presentes ao pontífice, dentre os quais o livro sobre a sua vida "A menina que não sabia odiar", recentemente impresso por Solferino, e uma fotografia impressa em tela de um encontro com João Paulo II, a quem a sobrevivente disse ser muito devota.
Também no ano passado, recordando no Angelus “esta terrível tragédia”, o Papa disse: “A indiferença não é admissível e a memória é um dever”. Francisco convidou os fiéis a rezar, “dizendo cada um em seu coração: nunca mais”.
Aquele “nunca mais” que, embora silenciado em favor de um silêncio mais eloquente do que cada frase ou discurso, transpareceu dos gestos feitos pelo Papa em sua peregrinação de dor ao abismo Auschwitz-Birkenau, durante a viagem de 2016 à Polônia. Entre orações diante do muro das execuções ou na cela onde São Maximiliano Kolbe passou os últimos momentos de sua vida, entre abraços com os sobreviventes e caminhada com a cabeça baixa entre os memoriais de mármore, nenhuma palavra saiu da boca de Francisco. Apenas uma oração estava na alma do Papa, a mesma que ele deixou escrita em espanhol no Livro de Honra do campo de extermínio:
“Senhor, tem piedade do seu povo. Senhor, perdão por tanta crueldade!”