Cotidiano

Biden não quer repetir erros de Obama em relação a Putin e Ucrânia, dizem oficiais





Presidente dos EUA manda recados claros a líder russo sobre riscos de "fortes sanções" caso haja invasão ao território vizinho

Quando a Inteligência dos Estados Unidos captou no outono, pela primeira vez, sinais de que a Rússia poderia estar preparando um novo ataque à Ucrânia, o presidente Joe Biden orientou seu governo a agir – e rapidamente.

Ciente dos erros cometidos em 2014, quando os EUA e a Europa foram apanhados desprevenidos pela anexação da Crimeia pela Rússia, Biden instruiu sua equipe de segurança nacional a usar todas as ferramentas possíveis para tentar deter o presidente russo Vladimir Putin enquanto uma possível invasão ainda era avaliada como estando a vários meses de distância, disse um alto funcionário do governo disse à CNN.

“O que temos feito é muito calculado”, disse o funcionário. “Mas temos apenas uma janela de quatro semanas a partir de agora” para conseguir isso, acrescentou.

A resposta começou com uma intensa atividade diplomática no início do outono, incluindo uma viagem a Moscou do diretor da CIA, Bill Burns, para alertar Putin contra sua jogada.

Porém, como as tropas russas continuaram a se reunir perto da fronteira da Ucrânia, a diplomacia silenciosa rapidamente evoluiu para uma forte advertência pública a Putin para que recuasse ou enfrentasse duras sanções e aumento da assistência militar dos EUA à Ucrânia.

Os principais funcionários de Biden estão agora enfatizando que as consequências iriam além de qualquer coisa que a Rússia enfrentou depois que suas terras foram conquistadas em 2014.

“As sanções que impusemos à Rússia em 2014 tinham em grande parte o objetivo de inibir o desenvolvimento a médio e longo prazo de empresas estatais russas específicas, restringindo seu acesso aos mercados de capital e tecnologia dos EUA”, disse um funcionário da Casa Branca.

Em contraste, as opções em cima da mesa agora “seriam esmagadoras, imediatas e infligiriam custos significativos à economia russa e ao seu sistema financeiro”.

A comunidade de inteligência ficou sob fogo em 2014, quando Biden era vice-presidente, por causa do que alguns legisladores disseram ser um fracasso em prever a incursão da Rússia na Crimeia até que fosse tarde demais.

Depois desse ataque, a pressão de Biden para armar a Ucrânia e impor sanções extremamente severas à Rússia foi em grande parte anulada pelo presidente Barack Obama. Agora no comando, Biden quis fazer as coisas de maneira diferente na Rússia

“Este governo tem sido muito mais proativo, e agora existe um senso mais realista de que Putin é capaz de absorver muita dor num esforço para impor custos aos EUA e nossos aliados”, disse o deputado democrata Tom Malinowski, que serviu como o mais alto funcionário de direitos humanos do Departamento de Estado de abril de 2014 a janeiro de 2017.

Isso resultou em um compartilhamento de informações muito mais robusto com a Ucrânia sobre o planejamento da Rússia do que qualquer coisa que tenha ocorrido em 2014, disseram fontes familiarizadas com o processo – em parte porque o governo ucraniano é “um parceiro mais confiável” agora do que era então, afirmou um ex-funcionário sênior da OTAN, e em parte porque Biden acredita firmemente que a Ucrânia não pode ser deixada de fora de quaisquer discussões que digam respeito ao seu futuro.

O governo também compartilhou com a OTAN, G7 e aliados europeus, logo no início, informações detalhadas sobre os movimentos da Rússia, disseram os diplomatas europeus à CNN.

“Eu não vi este mesmo nível de coordenação no início de 2014”, disse o ex-oficial sênior da OTAN, que se aposentou em setembro de 2021.

“Este governo tem sido muito mais multilateral em sua abordagem – isso é novo, e é o resultado de alavancar muito trabalho positivo que tem sido feito em meio à pandemia de Covid-19 para aumentar a coesão política e a troca de informações entre os parceiros”.

Entretanto, Malinowski e outros funcionários observaram que a situação agora é diferente de 2014, de forma importante.

“O que Putin está preparando aqui requer a tomada de ações que são muito mais visíveis do que o que vimos em 2014”, disse Malinowski.

“As forças que ele está acumulando são exatamente as forças que você acumularia se estivesse se preparando para uma invasão total da terra do país, o que não é o que aconteceu em 2014 com os soldados russos”.

O exército russo também está “em um lugar muito diferente em termos de capacidade, estrutura de força e postura em relação a 2014-2015”, disse Michael Kofman, diretor do programa de pesquisa do Programa de Estudos da Rússia do CNA. E os EUA têm uma compreensão muito melhor disso, disse o ex-oficial sênior da OTAN.

“Temos maior capacidade de inteligência, maior postura na base oriental, melhor imagem de satélite, mais coesão política”, disse ele. “Tudo isso permitiu que os EUA e seus aliados estivessem muito melhor avisados do que em 2014”.

Ainda assim, funcionários atuais e ex-funcionários disseram à CNN que veem alguns erros semelhantes sendo cometidos – e sinais semelhantes da Rússia de que não está levando a sério as ameaças dos EUA.

“Estou definitivamente vendo coisas que estão melhores em termos de levar a ameaça a sério e trabalhar muito de perto com nossos aliados, o que eu acho essencial”, disse o tenente-general Ben Hodges, que serviu como general comandante do Exército dos Estados Unidos na Europa de novembro de 2014 a dezembro de 2017.

“Porém, ainda há muitas mensagens mistas saindo da Casa Branca e alguns erros não forçados com os quais o Kremlin deve estar bastante satisfeito”, disse Hodges, incluindo a revelação de Biden, no início deste mês, de que o envio de tropas americanas para a Ucrânia não está discutindo.

“Concordo que este não é o momento para a ação militar dos EUA”, disse ele. “Mas por que anunciar isso? Foi basicamente uma concessão enquanto o Kremlin só aumentou suas exigências”.

O comentário de Biden também reforçou a crença da Rússia de que, especialmente após a retirada do Afeganistão, os EUA não vão querer ficar atolados em outra guerra no exterior.

O Conselho de Segurança Nacional está igualmente desconfiado de enviar certos tipos de equipamentos e armas para a Ucrânia que poderiam ser vistos pela Rússia como provocadores, como sistemas de defesa aérea, num momento em que os EUA e seus aliados estão tentando fazer com que Moscou diminua a escalada.

Obama se recusou a fornecer ajuda letal à Ucrânia, também receoso de provocar ainda mais a Rússia. No entanto, essa contenção não fez nada para deter os contínuos ataques dos separatistas apoiados pela Rússia na Ucrânia oriental ou para fazer com que a Rússia abandonasse a Crimeia.

“A maior coisa que provoca os russos”, disse Hodges, “é quando parecemos fracos e desarticulados”.

 

Confira outras notícias 

- Chile define novo presidente neste domingo (19) em segundo turno polarizado

José Antonio Kast, de extrema-direita, e Gabriel Boric, de esquerda, disputam o cargo

A população do Chile vai às urnas neste domingo (19) para definir o vencedor do segundo turno da eleição presidencial do país. José Antonio Kast, de extrema-direita, e Gabriel Boric, de esquerda, estão na disputa com chances iguais de vitórias, com pesquisas apontando um empate nas intenções de voto.

O primeiro turno do pleito, em 21 de novembro, terminou com Kast em primeiro lugar, com 27,91% dos votos, e Boric em segundo, com 25,82%. Para sair vitorioso, um dos dois precisará obter mais de 50% dos votos.

Em campos opostos, Boric e Kast divergem em diversos pontos, da economia a questões sociais. Com isso, a eleição, para um mandato de quatro anos, tem sido marcada por uma polarização intensa, com os candidatos tentando conquistar eleitores indecisos.

Ao mesmo tempo, as duas principais forças políticas do país ficaram de fora do segundo turno pela primeira vez desde a redemocratização chilena.

O escolhido sucederá o atual presidente, Sebastian Piñera, que deixa o cargo com taxas baixas de aprovação pela população. O Chile também passa por uma Assembleia Constituinte, cuja nova Constituição influenciará o mandato, e as ações potenciais, de qualquer um dos mandatários.

Ao todo, 15 milhões de chilenos poderão participar das eleições, mas o voto não é obrigatório no país. No primeiro turno, cerca de 7 milhões de pessoas votaram, 47% do total. A expectativa é que o resultado seja divulgado entre a noite de domingo e a madrugada de segunda-feira (20).

Polarização

Lourival Sant’Anna, analista de política internacional da CNN, avalia que o aspecto mais importante do pleito é a polarização política, que segundo ele é recente no país. Desde a redemocratização, a centro-direita e a centro-esquerda se alternaram no poder.

Para ele, “o Piñera teve uma agenda mais de centro, mas a polarização estava se fermentando”. “Sempre houve candidatos e grupos de extrema-esquerda e de extrema-direita no Chile, mas é a primeira vez que eles têm uma chance real de chegar ao poder”.

Wagner Iglecias, professor da EACH-USP, afirma que “o Chile hoje tem um relativo grau de desenvolvimento, e isso se deve à receita do cobre. Mas é um país muito desigual. O acesso à saúde, à educação, à previdência é complicado para a maioria da população, com baixo investimento do Estado”.

Um dos problemas no país é, segundo Sant’Anna, a falta de uma previdênciapública no país, que “levou a um empobrecimento das pessoas”.

Segundo ele, a falta de distribuição de riqueza no país se tornou um ponto relevante para o debate político, e gerou uma insatisfação em parte da população. Isso se refletiu, por exemplo, na série de protestos ocorridos em 2019, que culminaram na convocação de uma Assembleia Constituinte.

Para o professor, o cenário eleitoral atual é “incomum”, e reflete uma insatisfação não apenas com a situação econômica no país, mas com a classe política, o que favoreceu candidaturas de partidos menos tradicionais, caso de Boric e Kast.

Ao mesmo tempo, os dois candidatos acabaram representado uma guinada para extremos no país. Kast, um advogado, defendeu ao longo da campanha o legado do ditador chileno Augusto Pinochet. Ao mesmo tempo, realiza duras críticas a Boric, um ex-líder estudantil, aproveitando-se do fato do político ser aliado do Partido Comunista do Chile.

Boric promete impedir um avanço do autoritarismo e do conservadorismo no Chile, enquanto Kast afirma que “o Chile não é e nunca será uma nação comunista ou marxista”.

O reflexo dessa polarização está nas pesquisas eleitorais. A última, divulgada na quinta-feira (16), aponta que Kast possui 48,5% das intenções de voto, enquanto Boric tem 48,4%. O cenário é uma reversão de pesquisas anteriores, que mostravam Boric à frente de Kast, com a intenção de voto no candidato conservador subindo nos últimos dias.

Cenário interno

Além do primeiro turno da eleição presidencial, os chilenos também elegeram em novembro todos os 155 deputados do país e 27 dos 50 senadores.

A aliança de Boric, chamada de Apruebo Dignidad, conquistou 37 assentos, enquanto a de Kast, Fronte Social-Cristão, ficou com 15. O grande vencedor foi o Chile Podemos Más, com 53, aliança que engloba partidos apoiadores de Piñera.

O Novo Pacto Social, de centro-esquerda e que representou o governo da ex-presidente Michelle Bachelet, ficou com 37. Yasna Provoste, candidata do grupo, ficou em quinto lugar, com 11% dos votos, e agora apoia Boric. Já Sebastián Sichel, candidato do Chile Podemos Más, ficou em quarto, com 12%, e apoia Kast.

Outra grande novidade foi o empresário Franco Parisi. Populista e com discurso crítico à classe política, ele ficou em terceiro lugar, quase 13% dos votos, mesmo sem ter feito campanha presencial no país. Até o momento, ele se aproximou mais de Kast.

Somando partidos menores de esquerda, o bloco à esquerda conseguiu uma maioria na Casa, mas pequena. Já no Senado, serão os senadores independentes que determinarão qual bloco terá maioria.

Com isso, o ambiente legislativo para qualquer vencedor é incerto. “Se um deles ganha, mas o Congresso está mais próximo do derrotado, fica difícil implementar a agenda”, diz Iglecias.

Há, ainda, a nova Constituição do país, que precisará ser aprovada em um referendo. Com uma maioria progressista, ela deve estar mais alinhada às propostas de Boric que às de Kast. Iglecias não descarta que o candidato conservador apoie a rejeição dela no referendo caso saia vitorioso.

Economicamente, Boric defende uma reforma tributária e no sistema previdenciário do país. Ele também quer aumentar os impostos para empresas privadas que exploram cobre, principal produto de exportação do Chile. Já Kast quer cortar impostos, e já sugeriu que privatizaria a Codelco, empresa estatal que explora cobre.

Boric defende que o modelo econômico do Chile, ainda muito atrelado ao neoliberalismo implementado durante a ditadura de Pinochet, foi responsável por alimentar a desigualdade no país, e precisa ser substituído. Kast elogia o sistema, e promete ser um candidato que defenderá a “lei e a ordem” no país. Ele se posicionou contra o aborto e o casamento entre pessoas de mesmo sexo, enquanto Boric se colocou como favorável aos dois pontos.

Haveria reflexos para o Brasil?

Para Felipe Loureiro, professor e coordenador do curso de relações internacionais da USP, a eleição é “muito importante” para o Brasil, já que qualquer possível instabilidade pode refletir em terras brasileiras.

“Eu penso que o cenário seria muito semelhante ao que esta se desenvolvendo na Bolívia e no Peru, cuja eleições foram vencidas por candidatos de esquerda. Isso leva um enfraquecimento entre as relações bilaterais entre o Brasil de Bolsonaro e esses países. No caso do Chile tem um agravante, porque Bolsonaro se aproximou bastante de Piñera, desde 2019”, diz.

Regiane Nitsch Bressan, professora de relações internacionais da Unifesp, aponta para uma possível “guinada conservadora” caso Kast saia vitorioso.

Já Paulo Velasco, professor da UERJ, acredita que o presidente Jair Bolsonaro(sem partido) “torce para uma vitória” de Kast. Ele não vê um aprofundamento na relação entre os dois países caso Boric ganhe.

“Futuramente pode haver atritos dependendo do cenário político no Brasil, mas como são relações que não se prendem em político partidário, não imagino grande prejuízo”, afirma.

Fonte: CNN Brasil