Mariangela Jaguraba - Vatican News
O segundo discurso do Papa Francisco em terras cipriotas foi dirigido às Autoridades, à Sociedade Civil e ao Corpo Diplomático no Salão Cerimonial do Palácio Presidencial, em Nicósia.
"Chipre, encruzilhada de civilizações, traz em si a vocação inata ao encontro, favorecida pelo caráter acolhedor dos cipriotas", disse Francisco no início de seu discurso, recordando que de Chipre, "onde se encontram Europa e Oriente, começou a primeira grande inculturação do Evangelho no continente". "Com profunda emoção percorro os passos dos grandes missionários das origens, em particular de São Paulo, São Barnabé e São Marcos", frisou o Papa, recordando que está entre os cipriotas como "peregrino" e que "os primeiros cristãos deram ao mundo, com a força suave do Espírito, uma mensagem de beleza sem precedentes": "A surpreendente novidade da bem-aventurança ao alcance de todos que conquistou os corações e a liberdade de muitos. Este país possui uma herança particular em tal sentido, como mensageiro de beleza entre os continentes".
Segundo Francisco, "Chipre refulge de beleza no seu território, que deve ser protegido e salvaguardado com oportunas políticas ambientais concordadas com os vizinhos". "Uma pérola de grande valor no coração do Mediterrâneo", disse ainda o Papa.
De igual modo a beleza desta terra deriva das culturas que se cruzaram e misturaram ao longo dos séculos. Mesmo hoje a luz de Chipre tem muitas tonalidades: muitos são os povos e as raças que, com cores diferentes, compõem a gama cromática desta população. Penso também na presença de muitos imigrantes, a percentagem mais significativa entre os países da União Europeia.
"Uma pérola gera a sua beleza em circunstâncias difíceis. Nasce na obscuridade, quando a ostra «padece» depois de ter sofrido uma visita inesperada que mina a sua incolumidade, como, por exemplo, um grão de areia que a irrita. Para se proteger, reage assimilando aquilo que a feriu: envolve o que é perigoso e estranho para ela e transforma-o em beleza, numa pérola", disse Francisco, acrescentando:
A pérola de Chipre viu-se obscurecida pela pandemia, que impediu muitos visitantes de entrar e ver a sua beleza, agravando – como noutros lugares – as consequências da crise econômico-financeira. Neste período de retoma, porém, não há de ser a ânsia de recuperar o perdido que pode garantir um desenvolvimento sólido e duradouro, mas o empenho em promover a sanidade da sociedade, particularmente através duma decidida luta à corrupção e às pragas que lesam a dignidade da pessoa; penso, por exemplo, no tráfico de seres humanos.
"Mas a ferida que mais faz sofrer esta terra, é causada pela terrível laceração que padeceu nas últimas décadas", disse ainda o Papa, recordando o "sofrimento interior de quantos não podem voltar para as suas casas e locais de culto".
Rezo pela vossa paz, pela paz de toda a ilha, e almejo-a com todas as forças. O caminho da paz, que sara os conflitos e regenera a beleza da fraternidade, está marcado por uma palavra: diálogo. Devemos ajudar-nos a crer na força paciente e serena do diálogo, haurindo-a das Bem-aventuranças. Sabemos que não é uma estrada fácil; é longa e tortuosa, mas não há alternativa para se chegar à reconciliação. Alimentemos a esperança com a força dos gestos, em vez de esperar em gestos de força.
A propósito de diálogo, o Pontífice manifestou apreço pelo Caminho Religioso do Processo de Paz de Chipre, promovido pela Embaixada da Suécia, a fim de cultivar o diálogo entre os líderes religiosos, e reiterou a não deixar prevalecer o ódio, não desistir de curar as feridas, não esquecer a situação das pessoas desaparecidas.
As gerações futuras desejam herdar um mundo pacificado
Segundo o Papa, "quando vier a tentação de desanimar", é melhor pensar "nas gerações futuras, que desejam herdar um mundo pacificado, colaborador, coeso, não habitado por rivalidades perenes e poluído por disputas não resolvidas". "Para isso serve o diálogo", ressaltou Francisco, "sem o qual crescem a suspeita e o ressentimento", e citou como exemplo o "Mediterrâneo, agora lugar infelizmente de conflitos e tragédias humanitárias; na sua beleza profunda, é o mare nostrum, o mar de todos os povos que se banham nele para estar ligados, não divididos. Chipre, encruzilhada geográfica, histórica, cultural e religiosa, tem esta posição para implementar uma ação de paz. Seja um estaleiro aberto de paz no Mediterrâneo".
O Papa concluiu o seu discurso, ressaltando que "o continente europeu precisa de reconciliação e unidade", e convidando a olhar para a história de Chipre e ver que "o encontro e o acolhimento deram frutos benéficos a longo prazo: não só no que se refere à história do cristianismo, para a qual Chipre foi «a rampa de lançamento» no continente, mas também para a construção duma sociedade que encontrou a sua riqueza na integração. Este espírito de alargamento, esta capacidade de olhar para além das próprias fronteiras rejuvenesce, permite reencontrar o brilho perdido".
- A Igreja é mãe, não há espaço para muros: o primeiro discurso do Papa em Chipre
Bianca Fraccalvieri - Vatican News
À comunidade católica o Papa Francisco dirigiu seus primeiro discurso em Chipre.
Reunido na catedral maronita de Nossa Senhora das Graças de Nicósia com bispos, sacerdotes, religiosos e catequistas, o Pontífice arriscou algumas palavras em grego para manifestar sua alegria e gratidão ao visitar a ilha do apóstolo Barnabé, filho daquela terra.
De modo especial, saudou as comunidades maronita e latina e, ao fazê-lo, manifestou novamente seu carinho e preocupação pelo Líbano:
“Quando penso no Líbano, sinto tanta preocupação com a crise em que o país se encontra e dou-me conta da grande tribulação dum povo cansado e provado pela violência e o sofrimento.”
Já ao falar da rica composição da população local, o Papa mencionou o papel de Chipre no continente europeu: “Uma terra com os campos dourados, uma ilha acariciada pelas ondas do mar, mas sobretudo uma história que é entrelaçamento de povos e mosaico de encontros”.
Assim é também entre os católicos: “Não há – e oxalá nunca existam – muros na Igreja Católica: é uma casa comum, é o lugar das relações, é a convivência das diversidades”.
“E não esqueçam disto! Nenhum de nós foi chamado aqui para proselitismo de pregador, jamais. O proselitismo é estéril. Não dá vida. Todos nós fomos chamados pela misericórdia de Deus, que não se cansa de chamar, não se cansa de estar próximo, não se cansa de perdoar.”
Mas foi inspirado em São Barnabé que Francisco dedicou grande parte do seu discurso, realçando dois aspectos de sua vida e missão.
O primeiro é paciência. Barnabé foi escolhido pela Igreja de Jerusalém como a pessoa mais idônea para visitar uma nova comunidade, a de Antioquia, formada por recém-convertidos do paganismo. Foi enviado quase como um “explorador”, encontrando pessoas de várias origens.
Em toda esta situação, o comportamento de Barnabé foi de grande paciência: “Queridos irmãos e irmãs, precisamos duma Igreja paciente: uma Igreja que não se deixa abalar e perturbar pelas mudanças, mas serenamente acolhe a novidade e discerne as situações à luz do Evangelho”.
“A Igreja não quer uniformizar, mas integrar todas as culturas, todas as psicologias das pessoas com paciência maternal, porque a Igreja é mãe.”
O Pontífice agradeceu a paciência dos membros da Igreja no acolhimento dos migrantes: “A Igreja em Chipre vive de braços abertos: acolhe, integra, acompanha. É uma mensagem importante também para a Igreja em toda a Europa, marcada pela crise da fé”.
O segundo aspecto é marcado pela amizade fraterna, como foi entre Barnabé e Paulo de Tarso. Depois da conversão de Paulo, ‘Barnabé tomou-o consigo’. “Isto chama-se fraternidade”, ressaltou Francisco.
Como irmãos, Barnabé e Paulo viajam juntos para anunciar o Evangelho, mesmo no meio das perseguições. Entre os dois houve discussões não por motivos pessoais, mas por uma divergência sobre como realizar a missão.
“Isto é a fraternidade na Igreja”, explicou o Papa. Pode-se discutir sobre as perspetivas, sensibilidades e ideias diferentes. Mas se discute não para se fazer guerra nem para se impor, mas para expressar e viver a vitalidade do Espírito.
“Queridos irmãos e irmãs, temos necessidade duma Igreja fraterna, que seja instrumento de fraternidade para o mundo.”
Que a fraternidade vivida em Chipre – este foi o augúrio do Santo Padre – possa recordar a todos, à Europa inteira que, para construir um futuro digno da humanidade, é preciso trabalhar juntos, superar as divisões, derrubar os muros e cultivar o sonho da unidade.
“Temos necessidade de nos acolhermos e integrarmos, de caminharmos juntos, de sermos todos irmãs e irmãos!”, conclui Francisco agradecendo em grego: Efcharistó [obrigado]!
- O Papa chega a Chipre, "uma viagem em que tocaremos nas chagas"
Amedeo Lomonaco – Vatican News
O voo com o Papa Francisco a bordo aterrou no aeroporto de Larnaca, em Chipre, na tarde desta quinta-feira (02/12). O Santo Padre foi acolhido por um lindo sol, visto que aqui em Roma a chuva não dá trégua, e pelo sorriso de muitos que aguardam suas palavras de encorajamento e consolo. As crianças cantaram com alegria para o Papa a música "Francesco, nós te amamos". O Santo Padre agradeceu aos jornalistas que o acompanharam durante a viagem.
Uma viagem bonita e também tocaremos algumas chagas. Espero que possamos acolher todas as mensagens que encontraremos. Muito obrigado por sua companhia.
No final das boas-vindas oficiais no Aeroporto de Larnaca, o Papa Francisco foi de carro à capital Nicósia onde, na Catedral Maronita de Nossa Senhora das Graças, encontra com o clero e os movimentos eclesiais de Chipre.
Esta manhã, às 11h05, o Papa partiu do Aeroporto de Roma Fiumicino. "Pela manhã, depois de deixar o Vaticano, o Papa fez uma parada na Paróquia de Santa Maria dos Anjos, perto do Aeroporto de Fiumicino, onde rezou diante da imagem de Nossa Senhora de Loreto e encontrou cerca de 15 refugiados hospedados na paróquia", ressalta uma nota da Sala de Imprensa da Santa Sé.
Ainda pela manhã, "antes de deixar a Casa Santa Marta, o Pontífice saudou um grupo de 12 refugiados acompanhados pelo Esmoleiro do Papa, cardeal Konrad Krajewski. Os imigrantes, agora residentes na Itália, vêm da Síria, Congo, Somália e Afeganistão. Eles passaram pelo campo de Lesbos nos últimos anos e foram recebidos em sua chegada pela Comunidade de Santo Egídio. Dentre eles, alguns vieram com Francisco no avião papal em 2016", ressalta outra nota da Sala de Imprensa da Santa Sé.
Maria Quinto, da Comunidade de Santo Egídio envolvida no projeto dos corredores humanitários, sublinha que o Pontífice pediu a eles para rezar pela viagem e disse que voltará a Lesbos para estar perto dos que ainda estão ali.
Antes de deixar a Casa Santa Marta, o Papa se encontrou com um grupo de refugiados acompanhados pelo cardeal Konrad Krajewski. Como aconteceu esse encontro?
Maria Quinto: Foi um encontro muito familiar e simples. Estiveram presentes algumas famílias. Havia uma família somali com uma mãe deficiente acompanhada por três filhos. Todas as famílias vinham de Lesbos, como esta mulher deficiente que fez a perigosa viagem de barco carregada nos braços por seus filhos. Todos chegaram à Itália pelos corredores humanitários. O Papa ficou muito emocionado ao ouvir suas histórias. Ele se encontrou novamente com a família de um jovem que chegou de Lesbos no vôo papal de 2016. Ele agora está casado, tem um filho e espera o segundo. Trabalha regularmente. O Papa ouviu com satisfação o caminho de integração desta família. Todos ficaram muito felizes com este encontro. Após a chegada do pai de família no voo papal em 2016 de Lesbos para a Itália, também chegou sua esposa, que morava no Líbano. Eles se reuniram e nos últimos anos foi trilhado um caminho muito positivo com o acompanhamento da Comunidade de Santo Egídio.
O que o Papa disse aos imigrantes?
Maria Quinto: O Papa pediu-lhes que rezassem pela viagem e acrescentou que voltava a Lesbos para estar perto dos que ainda estão ali. Os refugiados foram muito atingidos. A experiência de ter vivido no campo de refugiados de Lesbos os marcou.
O que os imigrantes disseram a Francisco?
Maria Quinto: Eles contaram suas histórias. Havia pessoas que chegaram à Itália há 5 meses, outros dois anos e uma família há um ano. Cada um falou alguma coisa sobre seu percurso. Uma mulher do Congo expressou sua alegria por seus filhos poderem ir à escola na Itália. São três crianças que frequentam o Ensino Fundamental. Uma família afegã expressou sua preocupação com este momento particular que seu país está vivendo.
Um encontro em que se reviram as feridas e as cicatrizes de Lesbos, mas também um olhar de esperança voltado, também através da oração, para a viagem do Papa Francisco à Grécia...
Maria Quinto: Sim, através da oração e este caminho acompanhado, como também várias vezes Francisco sublinhou, pela integração, porque é importante viver juntos de forma construtiva nas comunidades que os acolhem.
O Papa faz uma visita pastoral a Chipre e à Grécia "como um peregrino que anseia por fontes antigas", lê-se no telegrama pontifício enviado ao Presidente da República Italiana, Sergio Mattarella, ao deixar a Itália, "com o desejo sincero de encontrar os irmãos na fé e as populações locais". Em seguida, Francisco saúda todo o povo italiano com a esperança de "serenidade e cooperação mútua para o bem comum".
Em sua mensagem de resposta, Mattarella sublinhou que a viagem do Papa é "uma viagem apostólica no coração do Mediterrâneo, em cujas margens povos e culturas se encontraram e se confrontaram ao longo dos séculos num processo de enriquecimento recíproco". É "uma encruzilhada de importância fundamental", acrescentou o Chefe de Estado, na qual todos devem se comprometer a fim de fazer "prevalecer as razões da paz, do acolhimento e da compreensão mútua" sobre a "lógica que alimenta as violações da dignidade da pessoa e de seus direitos fundamentais".
Na viagem de ida para Chipre, o avião papal também sobrevoou o espaço aéreo da Grécia, país que receberá Francisco nos próximos dias. Num telegrama ao presidente da República Helênica, Katerina Sakellaropoulou, o Pontífice fez seus "melhores votos de oração" aos cidadãos, invocando "a bênção de Deus sobre todos" e aguardando "com grande alegria" a "iminente visita" ao país.
- “Igreja da paciência”, de Chipre uma luz no caminho sinodal
ANDREA TORNIELLI
Falando à pequena mas viva comunidade católica em Chipre, o Papa Francisco ofereceu preciosas indicações para o caminho sinodal que a Igreja universal acaba de iniciar. Ao recordar a atitude de São Barnabé, padroeiro da ilha, o Papa descreveu sua fé, equilíbrio e sobretudo sua paciência. Escolhido para visitar a nova comunidade cristã de Antioquia, formada por recém-convertidos do paganismo, o apóstolo se deparou com pessoas que vinham de um mundo diferente, de outra cultura, de outra sensibilidade religiosa. Pessoas que tinham uma fé repleta de entusiasmo, mas ainda frágil. E Barnabé acolheu, ouviu, esperou. Soube esperar o crescimento da árvore, com a paciência “de entrar na vida de pessoas até então desconhecidas; de acolher a novidade sem formular juízos apressados; a paciência do discernimento, que sabe captar por toda parte os sinais da obra de Deus”. É sobretudo a paciência do acompanhamento, a característica que mais toca o Papa: uma paciência que "crescer, acompanhando. Não esmaga a fé frágil dos recém-chegados com atitudes rigorosas, inflexíveis, nem com solicitações demasiado exigentes quanto à observância de preceitos”.
A mudança de época que estamos vivendo por acaso não apresenta algumas semelhanças? Não estamos quem sabe passando por um momento em que o anúncio do Evangelho tem dificuldades para iluminar os "mundos diferentes" e as "culturas diferentes" em que estamos imersos? Diante do velho decadente, há a tentação de se fechar em atitudes nostálgicas e de lamento, ou sonhar que a Igreja volte a ser – lá onde foi - "relevante" no cenário do mundo. Pelo contrário, explica Francisco, a Igreja marcada pela crise da fé, como aquela da Europa hoje, é bom que se inspire na atitude de Barnabé e recomece a anunciar o Evangelho com paciência, especialmente às novas gerações, por meio do testemunho de misericórdia.
A Igreja da paciência não é estática, mas está aberta à ação imprevisível do Espírito Santo. Não é uniformizadora, pois sabe que a premissa fundamental para qualquer diálogo é a atitude espiritual de escuta, ou seja, acolher e dar espaço a quem tem diferentes sensibilidades ou visões, valorizando a riqueza representada pelas diversidades que o Espírito reconduz à unidade. Acolher o outro para dar espaço ao outro. É uma Igreja que também discute animadamente, mas não divide. Discute-se, disse Francisco em Chipre, falando às várias comunidades católicas da ilha, “não para se fazer a guerra, não para se impor, mas para expressar e viver a vitalidade do Espírito, que é amor e comunhão. Discute-se, mas continuamos irmãos”. Precisamente como acontece na família. É este é o itinerário a percorrer para que o Sínodo não se reduza a mais uma obrigação burocrática a ser incluída nos planos pastorais estudados à mesa ou nas estratégias do marketing religioso - a variante moderna do proselitismo - mas que seja ocasião para viver a fraternidade. Temos necessidade, disse o Papa, de “uma Igreja que seja instrumento de fraternidade para o mundo”.
Fonte: Vatican News