Política

Ministro diz que não viu números de desmatamento e exige dinheiro dos ricos





O ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, se recusou a comentar a alta recorde de desmatamento no Brasil, mas insistiu em pedir mais dinheiro dos países ricos nas negociações da Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas e martelava que ele tinha trazido para a Escócia "o Brasil real" e a "Amazônia real".

Numa coletiva de imprensa nesta sexta-feira, em Glasgow, Leite foi confrontado com a notícia sobre os novos dados de desmatamento no país, para o mês de outubro. Mas apenas apontou que isso era um "desafio", que não tinha visto os números e que, na volta ao Brasil, iria se reunir com secretários para tentar entende-los.

Nesta sexta-feira, enquanto um pavilhão do governo brasileiro em Glasgow tentava construir uma imagem verde do país, um informe do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais revelava o pior mês de outubro desde que o banco de dados foi criado. A área de alertas detectada pelo Deter no mês de outubro, portanto, foi de 877 km², uma alta de 5% em relação a 2020 e recorde da série histórica de cinco anos.

Os números desmontaram a estratégia brasileira e desmascararam a realidade do país. Mas Leite ainda argumentou que, na COP26, seu objetivo não era de falar de "países específicos" e que a questão era global. O ministro, durante a coletiva de imprensa, insistiu que não estava fugindo da situação, mas apontou que o governo usou a conferência para mostrar um "Brasil real" e que iria se "concentrar" nas negociações.

"Temos um desafio", disse. "O desafio não é um desafio brasileiro, é um desafio global. Aqui neste momento não estamos falando do desafio de cada país. Mas um desafio global de redução de emissões. E para isso, estamos mostrando um Brasil real", disse.

Ele garante que "não está fugindo do desafio que temos" e indicou que, ao retornar ao Brasil, irá procurar o ministro da Justiça para "entender um pouco esses números".

"Não acompanhei esses números. Sei que eles saíram hoje. Mas minha concentração inteira aqui é para a negociação", justificou.

Quando foi questionado sobre como iria pedir dinheiro aos países ricos, enquanto o desmatamento aumentava, o ministro permaneceu em silêncio e se levantou, alegando que tinha outros compromissos. O outro evento era um seminário exatamente na mesma cadeira, onde ele faria um balanço da participação do Brasil na COP26.

Os lugares para o "novo evento" foram ocupados pelos diplomatas brasileiros, assessores e jornalistas que ainda trabalhavam para enviar suas matérias relacionadas com a coletiva de imprensa, que havia terminado minutos antes.

Enquanto silenciava sobre os números, o chefe da pasta de Meio Ambiente no Brasil fez questão de alertar que a negociação em Glasgow precisa ser concluída com "o mesmo nível de ambição" tanto para a questão do que é exigido dos emergentes, assim como dos recursos dos países ricos.

Em outras palavras: o Brasil e emergentes apenas aceitarão ser pressionados a reduzir desmatamento e emissões se, de forma proporcional, houver um compromisso dos países ricos em destinar dinheiro aos países em desenvolvimento.

"Temos uma preocupação sobre o financiamento climático", disse. "O volume ainda não chegou ao que era prometido", disse. O Brasil e outros emergentes querem que, em Glasgow, os países ricos se comprometam em destinar bem mais que US$ 100 bilhões às economias emergentes, como forma de ajudar na transição climática. Mas esse volume nunca chegou.

A COP26 deveria estar concluída nesta sexta-feira. Mas, diante de um impasse, não existe ainda um acordo e o risco é de que o processo se prolongue pelo fim de semana.

Para ambientalistas, os números de desmatamento desmentem a estratégia do governo brasileiro de vender uma ideia ao mundo de que está comprometido com uma política ambiental sólida. "O dado do Deter é um lembrete de que o Brasil que circula pelos corredores e pelas salas da COP26, em Glasgow, é o mesmo onde grileiros, madeireiros ilegais e garimpeiros têm licença do governo para destruir a floresta", diz o Observatório do Clima.

"O governo ainda não divulgou o Prodes neste ano — o dado oficial do desmatamento, também medido pelo Inpe, de agosto de um ano a julho do ano seguinte, costuma estar disponível no começo de novembro", destacou.

"Na conferência do clima, o regime de Jair Bolsonaro vem tentando apresentar uma imagem de país preocupado com a crise climática: sob pressão internacional, assinou acordos multilaterais contra o desmatamento e as emissões de metano, vem deixando seus diplomatas trabalharem de forma construtiva na negociação e montou um esquema gigantesco de propaganda com ajuda dos lobbies do agro e da indústria", afirmam.

Chega de trabalhar

Enquanto o desmatamento ganhava as atenções de ambientalistas e entidades, Leite insistiu em sua avaliação final que o pavilhão e o trabalho da delegação tinham "feito história". 

"Sinto muito orgulho de ser o chefe da delegação", insistiu.

Num certo momento, antes de o evento começar, ele se virou para uma de suas secretárias e comentou que aquele seria o último debate no pavilhão do país. "Chega de trabalhar", disse, enquanto seus homólogos percorriam corredores da COP26 a passos acelerados para negociar um acordo final e superar impasses.

 

- Presidente da COP26 pede esforço final para acordo

O presidente da Conferência da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre o Clima, Alok Sharma, disse hoje (12) que houve muitos avanços, sobretudo no financiamento, nas negociações que ocorrem em Glasgow e pediu aos países esforço final para um acordo.

Depois de duas semanas de discussões, os participantes cúpula devem aprovar, nesta sexta-feira, um texto final, no dia de encerramento da iniciativa mais importante para tentar controlar as emissões de gases de efeito de estufa e o aquecimento global.

Em entrevista prévia a um plenário de ministros dos Estados participantes, Alok Sharma falou dos esforços feitos durante a noite passada para um novo esboço de acordo, que inclui melhorias (em relação ao primeiro) nas previsões de financiamento dos países mais pobres.

Ele pediu aos representantes dos 197 governos que continuem as negociações no mesmo "espírito de colaboração" mostrado até agora, e garantiu que o processo de negociação está sendo "transparente".

Sharma afirmou que há "um pequeno número de assuntos-chave" que terão de ser limados antes do texto final a ser apresentado no final da conferência, marcado para hoje, mas que pode ser adiado.

"Esta é a nossa oportunidade de forjar um mundo mais limpo, mais saudável e mais próspero", disse, pedindo aos delegados de cada país "soluções pragmáticas e praticáveis".

Os países estão buscando consenso nas medidas para limitar a 1,5 grau Celsius o aquecimento global durante este século em relação aos valores pré-industriais.

O projeto de conclusões discutido hoje apela para cortes mais rápidos nas emissões de gases de efeito de estufa, ajuda para os países mais pobres em relação a catástrofes naturais, e limites aos combustíveis fósseis.

Líderes políticos e milhares de especialistas e ativistas encerram hoje a participação na 26.ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (COP26), a fim de atualizar as contribuições dos países para a redução das emissões de gases até 2030.

A COP26 é realizada seis anos após o Acordo de Paris, que estabeleceu como meta limitar o aumento da temperatura média global do planeta de 1,5°C a  2°C acima dos valores da época pré-industrial.

Segundo a ONU, apesar dos compromissos assumidos, as concentrações de gases de efeito estufa atingiram níveis recorde em 2020, mesmo com a desaceleração econômica provocada pela pandemia de covid-19. A organização estima que, se mantido o atual ritmo de emissões, as temperaturas serão, no fim do século, superiores em 2,7ºC.

Fonte: UOL - Agência Brasil