Política

PEC dos precatórios é plano A para pagar Auxílio Brasil, diz Guedes





O ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou neste domingo (31.out.2021) que  trabalha com “o plano A”, a aprovação da PEC (Projeto de Emenda à Constituição) dos Precatórios. Ele respondia a perguntas sobre o “paraquedas reserva” citado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) caso a PEC não passe no Legislativo para custear o Auxílio Brasil.

“Nós estamos trabalhando com o plano A, a aprovação da PEC dos precatórios. Ela é importante que ela abre um espaço fiscal para o programa de assistência social. Nós acreditamos que o Congresso vai aprovar exatamente porque permite o financiamento dos programas sociais para o governo”, declarou Guedes a jornalistas em Roma, onde é realizado o G20.

No sábado (30.out), Bolsonaro disse ter um “paraquedas reserva” se a PEC não avançar, mas não deu detalhes sobre que alternativa seria essa. Disse estar preocupado: “Nós nos preocupamos, o ano está acabando. [Sem a aprovação da PEC] Passa de R$ 30 bi ou R$ 35 bi para R$80 ou R$ 90 bi. Logicamente consome todo recurso nosso. Se não pagar essa dívida, os ministérios praticamente ficarão sem recursos para 2022”.

O governo enviou ao Congresso a PEC dos Precatórios em 9 de agosto, em que propôs o parcelamento dos R$ 89 bilhões em dívidas judiciais que a União terá que pagar em 2022.  Se a PEC for aprovada, o dispositivo permite não pagar o total estipulado para o ano que vem e abre um espaço orçamentário de cerca de R$ 50 bilhões.

- “Caráter eleitoreiro sempre atrapalhou Bolsa-Família”, critica especialista

O que foi pensado para ser uma política de Estado de redução da desigualdade social tornou-se uma política de Estado de manutenção da pobreza. Essa é a principal crítica que faz a cientista social Ivanisa Tetelroit, uma das principais responsáveis pela implantação dos programas que geraram o Bolsa-Família, programa que acabou esta semana e que será substituído pelo Auxílio Brasil.

“É uma questão-chave da forma como os governos passaram a enxergar esses programas: é preciso manter para sempre a relação de dependência”, critica, em entrevista exclusiva ao Congresso em Foco, Ivanisa, cientista social pela London School of Economics and Political Science, gestora pública do ex-Ministério do Planejamento.

Na avaliação de Ivanisa, a ideia original, surgida a partir do projeto de Renda Mínima proposto pelo ex-senador Eduardo Suplicy (PT-SP), foi sendo ao longo do tempo distorcida para dar lugar a um programa de caráter assistencialista, de evidente cálculo político-eleitoral. E, quando o seu propósito se torna político-eleitoral, a manutenção da relação de dependência torna-se vital para que, com ela, venha a garantia do sentimento de gratidão do beneficiado e, consequentemente, o seu voto.

“Se é auxílio, é assistencialista”

No momento em que o Bolsa-Família vai chegando ao fim para ser substituído pelo Auxílio Brasil, esse viés assistencialista e eleitoreiro torna-se mais evidente. “O programa pode ter qualquer nome, Bolsa-Escola, Bolsa-Família, programa de renda básica… Mas, quando você chama de Auxílio Brasil, você está claramente dizendo que o que está propondo é um auxílio. Está, então, claramente dizendo que seu programa é assistencialismo”.

Para Ivanisa, o que o governo Bolsonaro agora propõe, no entanto, só radicaliza a distorção que se iniciou com o Bolsa-Família. Embora o impacto social do programa seja inegável e a sua amplitude, ao ter alcançado 45 milhões de pessoas, ele fugiu totalmente da ideia original de transferência de renda imaginada por Suplicy para ganhar um caráter meramente assistencial.

Crítica a Lula e Dilma

“Eu faço uma crítica aos governos Lula e Dilma”, diz Ivanisa, referindo-se aos governos do PT, de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. “Era um momento de se recuperar o propósito já debatido na Constituinte de que a assistência social se tornasse residual, se tornasse somente emergencial. O que a Constituinte queria era expandir as políticas públicas prioritárias, de saúde, educação, previdência. Se perdeu uma grande oportunidade nos governos petistas. Em vez de se criar efetivamente uma ferramenta de redução da desigualdade, criou-se uma ferramenta assistencialista, de caráter político-eleitoral”, avalia.

Seja no antigo Ministério do Planejamento seja no Senado, onde trabalhou por um tempo, Ivanisa acompanhou os debates sobre transferência de renda desde os primeiros momentos. Ela assessorou a redação do capítulo da Ordem Social da Constituição. E as reuniões que Suplicy teve depois no governo Itamar Franco para implantar sua proposta de renda mínima, depois que seu projeto nesse sentido foi aprovado pelo Congresso Nacional. Suplicy propunha que os programas sociais, que entregavam bens em espécie, como leite ou cestas básicas, fossem substituídos por um programa universal, que garantisse ao cidadão brasileiro uma renda mínima, um valor básico que não seria reduzido.

Ao longo do tempo, a ideia original de Suplicy foi evoluindo para programas que tentassem alcançar esse objetivo. Os primeiros esboços foram feitos no governo Itamar Franco. Depois, a primeira experiência mais ampla foi implementada pelo então governador do Distrito Federal, Cristovam Buarque, em 1995: o programa Bolsa-Escola, que garantia um salário-mínimo a toda família com filhos entre 7 e 14 anos matriculados na escola pública. O governo Fernando Henrique, mais tarde implementou o Bolsa-Escola em nível federal. E criou, então, o que foi o grande ganho de ampliação do programa, o Cadastro Único, unificando beneficiários dos programas sociais que havia antes.

“Suplicy sequer era escutado”

No início do governo Lula, de certa forma, a ideia foi abandonada quando se preferiu, então, reforçar a política de combate à fome, o Programa Fome Zero. Ivanisa conta, então, que essa proposta do Fome Zero começou a patinar e receber críticas na primeira metade do primeiro mandato de Lula. Até que, em 2004, o então presidente do PT, José Genoino, pediu a ela que ajudasse o então ministro do Desenvolvimento Social, Patrus Ananias, a implementar algo na linha de retomada da proposta de renda mínima, que acabou virando o Bolsa-Família. “Se conseguiu operacionalizar o Bolsa-Família e depois foi havendo a sua expansão, até chegar à cobertura de 45 milhões de pessoas”, rememora ela. O problema, porém, é que a ideia original de Suplicy foi sendo claramente abandonada. “Na verdade, Suplicy sequer era escutado, sequer era recebido em audiência”, conta ela.

“O mundo político é um mundo inteligente”, comenta a cientista social. “Percebeu que isso tem impacto também eleitoral e distorceu o programa, mantendo-o com caráter assistencial, como uma ferramenta de campanhas, uma ferramenta política, o que nunca se pensou”.

“Debates eleitorais infrutíferos”

Agora, quando o Bolsa-Família está perto de deixar de existir para ser substituído pelo Auxílio-Brasil, o aspecto do cálculo eleitoral em torno da sua manutenção é evidente. Antes de ser eleito presidente, Bolsonaro criticava o programa do PT. Chegou a chamá-lo de “bolsa-esmola”. Hoje, o Auxílio Brasil é visto como ferramenta fundamental para tentar vir a criar chances para a sua reeleição. Gerando o debate entre o núcleo político e o núcleo econômico do governo em torno da admissão de se furar o teto de gastos para pagar o auxílio no valor de R$ 400.

“Se o programa, como Suplicy pensou, fosse de fato uma política de Estado, nem haveria essa discussão sobre teto de gastos, porque o valor estaria previsto no Tesouro”, comenta Ivanisa. “Há um grande problema original no atual governo que é essa fusão em uma única pasta de Fazenda e Planejamento. Eu sou funcionária original do Ministério do Planejamento, e uma das funções desse ministério é planejar o país em médio prazo. O grande problema com esse programa e com o que está definido na medida provisória do Auxílio Brasil é que não está definida a fonte de financiamento. Esse programa deveria ser uma obrigação do próprio Tesouro, uma obrigação de Estado”, defende.

“Os governos do PT tinham a obrigação de ter adotado esse programa como um programa de Estado, não como um programa compensatório. Mas, em vez disso, ficamos nesses debates eleitorais infrutíferos, que não trazem um ganho efetivo para a população”, conclui Ivanisa.

- Exército monitorou redes sociais para identificar detratores de projeto de lei

Exército monitorou cidadãos, parlamentares, jornalistas e influenciadores digitais para identificar e neutralizar detratores de projeto de lei que reestruturou carreira militar. Documento afirma que é preciso "ganhar a narrativa" contra praças e partidos de oposição

De 14 de agosto de 2019 a 20 de novembro do mesmo ano, o Exército brasileiro monitorou o comportamento, nas redes sociais, de cidadãos comuns, parlamentares, jornalistas e blogueiros. Os resultados dessa atividade estão nas 124 páginas dos relatórios de Acompanhamento e análise do PL 1645 nas mídias sociais, que foram repassados oficialmente ao Correio Braziliense pela própria força terrestre. Os documentos mostram também como a corporação traçou estratégias políticas para influenciar na tramitação do projeto de lei, que tratou da reestruturação das carreiras militares. A proposta, depois de aprovada no Congresso, foi sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro em dezembro de 2019.

Os relatórios foram elaborados pela Divisão de Produção e Divulgação do Centro de Comunicação Social do Exército (Ccomsex). O conteúdo informa que o trabalho de monitoramento das redes sociais teve o objetivo de “acompanhar e analisar a tramitação do Projeto de Lei 1645/2019”, “verificando o impacto das notícias na imagem do Exército Brasileiro”. Vários relatórios trazem um item intitulado “Classificação dos grupos monitorados”.

Na sequência são apresentados os alvos do monitoramento: “1) Grupo Cidadão — perfis de pessoas com pouco poder de influência nas redes; 2) Grupo político — perfis de políticos das esferas Federal, Estadual e Municipal (tags por função — Ex: Político Senador, Político Dep Federal); 3) Grupo Mídia e Grupo Blog — perfis de órgãos de mídia subdivididos e mídia (perfil de abrangência nacional), mídia local (perfil de abrangência regional) e blog (perfil de blog pessoal de jornalistas); 4) Forças Armadas — perfil de órgãos das Forças Armadas; 5) Forças Auxiliares — perfil de órgãos das Forças Auxiliares dos Estados; 6) Entidades Religiosas — perfil de órgão de entidade religiosa de abrangência”; 7) Grupo Associações de Militares — perfil de entidades agregadoras de militares da reserva.

O conteúdo desmente declarações feitas na semana passada pelo ministro da Defesa, general Braga Netto, durante audiência pública na Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara. Irritado após ser questionado pelo deputado Glauber Braga (PSol-RJ) sobre o assunto, o militar negou que o Exército faça monitoramento de políticos. Na ocasião, o congressista disse ter informações de que ele foi um dos monitorados. “Não existe, nem vi o nome do senhor em nada, nem passa perto. Não existe monitoramento de parlamentares, não existe”, disse o ministro, ao lado dos comandantes das três Forças Armadas.

 Crédito: Camara dos Deputados/Divulgação.  Glauber Braga, deputado ( Psol RJ )Crédito: Camara dos Deputados/Divulgação. Glauber Braga, deputado ( Psol RJ ) (foto: Camara dos Deputados/Divulgação)

A tramitação do PL 1645 no Congresso foi marcada por muitas tensões e protestos de associações de praças da reserva das Forças Armadas. Representantes dessas entidades consideram que o projeto concedeu os maiores benefícios aos oficiais de altas patentes, em detrimento dos soldados, cabos, sargentos e suboficiais. Durante os debates sobre a proposta, foram parlamentares da oposição, e não governistas, que prestaram apoio às demandas dos praças.

Oposição ao PL 1645

A apuração do Correio começou depois que a revista Sociedade Militar publicou uma série de relatórios que teriam sido produzidos pelo Exército e que trazem os nomes de vários parlamentares supostamente monitorados. Os textos publicados pela revista, também intitulados Acompanhamento e análise do PL 1645 nas mídias sociais, apontam como um dos congressistas mais influentes o deputado Marcelo Freixo (PSB-RJ), que, à época da tramitação do PL 1645, era filiado ao PSol. “Cabe ressaltar que o Dep. Marcelo Freixo é um forte influenciador de massas radicais no Twitter e possui expressão com seus mais de 1 milhão de seguidores”, diz um trecho publicado por Sociedade Militar.

O conteúdo afirma também que “o PSol, ainda com as manobras regimentais e destaques, apresenta-se como o maior detrator da Comissão” onde tramitava o projeto de lei. “Fato relevante a ser ressaltado neste campo de poder foi a articulação do Psol, ator que assumiu o protagonismo da oposição do governo dentro da Comissão Especial”, diz o texto.

Outro político do Psol que, segundo o material divulgado pela Sociedade Militar, atraiu as atenções do Exército, é o deputado Glauber Braga (RJ). O texto cita uma entrevista concedida pelo parlamentar à mesma revista. “A notícia apresenta o alinhamento dos integrantes das Associações de praças e inativos com deputados do Psol”, diz o conteúdo. Além disso, está escrito que o parlamentar “mostrou-se contra a posição do relator e avocou para si e seu partido a responsabilidade pelos direitos de igualdade das praças das Forças Armadas”.

Há ainda citações a outros 19 deputados federais, entre eles Vinícius Carvalho (Republicanos-SP), relator do PL. “Ele explicou com muita propriedade as gratificações de Altos Estudos propostas no PL”, diz o texto publicado pela Sociedade Militar.

Correio, depois de apurar junto à revista que o material divulgado foi recebido de uma fonte militar, fez contato com o Centro de Comunicação Social do Exército (Ccomsex) e questionou se o conteúdo era autêntico. Como resposta, a assessoria negou a autenticidade. Além disso, encaminhou algumas explicações sobre o assunto, mas nada é informado sobre o monitoramento de políticos e de outros alvos. A assessoria também enviou uma série de relatórios apresentados como oficiais. Os textos são semelhantes aos divulgados pela revista, mas têm várias partes omitidas por tarjas pretas, principalmente nomes de parlamentares e outras autoridades, partidos políticos, veículos da mídia, jornalistas e blogueiros.

Ainda assim, os trechos que não foram omitidos dizem muito sobre a natureza desse trabalho. O texto de um dos relatórios, elaborado a partir de monitoramento feito entre os dias 1 e 4 de novembro de 2019, mostra como o Exército agiu para favorecer a aprovação do PL 1645.

No documento, os militares afirmam que “a tentativa de ganhar a narrativa em busca de uma proposição positiva nas Redes Sociais pode se tornar desgastante e ineficiente, quando se usa apenas os próprios meios”. Eles orientam que “é preciso que influenciadores atuem nas redes social (sic), pois são estes que detém (sic) maior capacidade de reverberar a linha narrativa que se deseja propagar. Perfis pessoais possuem uma capacidade representativa na rede muito superior a perfis institucionais".

Em outro trecho, o documento afirma que, “no cenário político, é preciso esvaziar o discurso do (tarja) e dar visibilidade ou chamar a participação, os atores políticos favoráveis ao PL 1645”.

Influenciadores

Um outro relatório, elaborado a partir de monitoramento realizado no período de 13 a 20 de novembro de 2019, reflete uma preocupação especial com os partidos de oposição. “Nesse momento, dado o cenário político polarizado somado o acirramento da pressão da opinião pública sobre o Congresso influenciando em decisões das Casas legislativas, é preciso que influenciadores com uma narrativa favorável ao PL atuem nas redes sociais com o intuito de que não ocorra ações semelhantes às propostas pela bancada do (tarja) durante a tramitação do projeto na Câmara dos Deputados, quando parlamentares de oposição se aproveitaram da pauta criada pelas associações de praças para atacar o projeto de lei”.

Em outro trecho, os militares afirmam que, “com o objetivo de informar o público interno é preciso coordenar entre as três forças e o (tarja) a divulgação de palestras que, se for o caso, sejam ministradas para todos os públicos, ativa e reserva, e que os sites institucionais e perfis nas plataformas digitais contenham conteúdos informativos sobre o tema”.

O documento diz ainda que “cabe avaliar a possibilidade de ser mantida uma rotina de postagens informativas sobre a tramitação do PL durante os dias de atividade parlamentar no Senado elencando os principais fatos da semana, tudo com a finalidade de evitar a construção de narrativas falsas”.

Em um outro relatório, produzido com base em monitoramento realizado entre 4 e 6 de novembro de 2019, os militares alertam que “os perfis de esquerda, principalmente no Twitter, já atuam de forma coordenada para desclassificar a pauta econômica do (tarja) podendo ser claramente verificado entre os políticos (tarja) e seus partidos satélites (tarja), perfis de jornalistas e blogs de esquerda, bem como personalidades alinhadas com a causa lulista a referida postura digital”.

O texto diz ainda que “durante a tramitação na Câmara os partidos de oposição se aproveitaram da instabilidade causada pelas associações de praças e militares da reserva para tumultuar a caminhada do projeto na casa”. “Mais uma vez os partidos de oposição poderão se unir à causa das associações militares reforçando a narrativa de que o projeto é desigual em suas medidas entre oficiais e praças”, afirma o documento. Os analistas destacaram também que a “esquerda tentará qualificar a reforma como desmonte do serviço público e aprofundadora das desigualdades do país”.

Silêncio

Correio teve acesso a um Requerimento de Informação que o deputado Marcelo Freixo enviou ao Ministério da Defesa, em 23 de agosto. No documento, o parlamentar pede uma série de esclarecimentos, sobre a organização do monitoramento, o valor pago pelo Exército e a modalidade da contratação dos serviços, entre outros. "Os fatos são graves e podem representar a quebra da harmonia e independência entre os Poderes da República, além de uma afronta à inviolabilidade das opiniões, palavras de votos dos Deputados Federais”, escreveu Freixo. Porém, até o momento, o deputado não recebeu resposta do ministério.

Segundo as informações encaminhadas pelo Exército ao Correio, o Acompanhamento e análise do PL 1645 nas mídias sociais foi feito com o uso das ferramentas V-tracker, a busca avançada do Twitter (gratuita e oferecida pela plataforma) e o Google Alerts (gratuita e disponibilizada pelo Google). Conforme a força terrestre, “todas são amplamente conhecidas e fazem o acompanhamento de fontes abertas, não havendo, portanto, qualquer grau de sigilo”.

Fonte: Poder360 - Congresso em Foco - Correio Braziliense