Cultura

Artigo de Dom Pedro José Conti: O cavalo do califa





Reflexão para o Domingo do XXXI Domingo do Tempo Comum| 31 OUT 2021 – Ano “B” 

1ª Leitura Dt 6,2-6 | Salmo 172ª Leitura: Hb 7,23-28| Evangelho: Mc 12,28b-34

| MACAPÁ (AP) | Por Dom Pedro José Conti

 
O califa de Bagdá, chamado Al-Mamun, possuía um lindo cavalo árabe. Um homem, chamado Omar, queria comprar o cavalo e ofereceu muitos camelos em troca, mas o califa não aceitou. Omar ficou desgostoso e cogitou enganá-lo para obter o cavalo. Ele sabia por onde o califa passava quando ia cavalgar. Deitou-se à beira da estrada e fingiu que estava muito doente. Al-Mamun era um homem de bom coração e quando viu o doente, parou e desceu do cavalo para socorrê-lo. Como o enfermo dava a entender que não conseguia caminhar, o califa, com todo o cuidado, colocou-o na garupa do cavalo para ele montar em seguida. Mas quando Omar se sentou no cavalo, partiu a galope deixando Al-Mamun a pé, gritando atrás dele. Quando chegou a certa distância, Omar virou-se e ouviu o califa dizer: – Você roubou o meu cavalo. Tenho um pedido a lhe fazer. – Que pedido? Gritou Omar. – Que não conte a ninguém como você se apoderou do cavalo. – Por que não?- Porque, algum dia, um homem realmente doente, talvez esteja deitado à beira da estrada e, se esse seu truque for conhecido, as pessoas passarão por ele sem ajudá-lo.

No evangelho de Marcos deste 31º Domingo do Tempo Comum, encontramos um mestre da Lei que quer ouvir de Jesus qual, entre tantos mandamentos, ele considerava o primeiro de todos. A questão é comum a Mateus e Lucas. Provavelmente era uma daquelas disputas que geravam muita discussão, talvez nem tanto sobre a ordem de importância dos mandamentos em si, mas sobre como praticá-los sem faltar com o respeito à primazia de Deus e, ao mesmo tempo, sem deixar de lado o próximo. A novidade da resposta de Jesus é, sem dúvida, o fato de ter unido os dois mandamentos para evitar que “o segundo” – amar ao próximo como a si mesmo – deixasse de ser praticado com a desculpa de amar a Deus.
Na primeira carta de João, encontramos a compreensão clara da questão: “Se alguém disser: ‘Amo a Deus’, mas odeia o seu irmão, é mentiroso; pois quem não ama o seu irmão, a quem vê, não poderá amar a Deus, a quem não vê. (1Jo 4,20). No entanto o evangelista Marcos tem algo dito, por sinal, pelo próprio mestre da Lei que estava interrogando Jesus. Este não somente consegue juntar os dois mandamentos,  mas diz claramente que tudo isso “é melhor do que todos os holocaustos e sacrifícios” (Mc 12,33). No tempo de Jesus, ainda eram realizados sacrifícios de animais no Templo de Jerusalém. Quando, porém, os evangelhos foram escritos, tudo isso já não existia mais porque o Templo tinha sido destruído pelos romanos. A impossibilidade dos sacrifícios contribuiu para perceber e praticar mais aquilo que os profetas já tinham denunciado muitas vezes. Lemos em Isaías 1,11-18: “Estou farto de holocaustos de carneiro e da gordura de animais cevados, não quero sangue de novilhos, nem de cordeiros, nem de cabritos… Lavai-vos, purificai-vos… Parai de praticar o mal, aprendei a fazer o bem: buscai o direito, socorrei o oprimido, fazei justiça ao órfão, defendei a viúva. Depois, vinde, e discutamos em juízo – diz o Senhor -. E no famoso Oseias 6,6 encontramos: “Pois é o amor que eu desejo e não sacrifício ritual, conhecimento de Deus mais que holocaustos”. Por isso, Jesus pode dizer ao mestre da Lei que tinha respondido com inteligência: “Tu não estás longe do Reino de Deus” (Mc 12,34).

Entendemos muito bem o que Jesus nos ensina. Se queremos fazer alguma coisa para Deus e servi-lo com sinceridade, podemos conseguir isso somente se amarmos e servimos os nossos irmãos praticando o bem e a justiça. O amor de Deus alcança a todos, a começar pelos pobres e injustiçados, através do nosso amor, do nosso interesse, da nossa solidariedade. Sem esse compromisso, a imagem de Deus é falsificada. Ele se parece com alguém que privilegia alguns e esquece os demais. Rezas sem fim, promessas com maços de velas, puxamentos de cordas ou coroas de flores não substituem o que agrada a Deus: o amor ao próximo. São “truques” que só enganam a nós mesmos.

Fonte: Diocese de Macapá