Cotidiano

Preços de combustíveis devem continuar subindo, explica especialista





Diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura diz que preço internacional do barril e desvalorização do real frente ao dólar são principais agentes neste processo

A tendência de aumento no preço dos combustíveis e de demais derivados do petróleo no país não deve ser invertida tão cedo, analisou o diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (Cbie), Adriano Pires, em entrevista à CNN neste sábado (23).

Para o economista, os motivos da alta de preços ainda estão postos – como o alto preço do barril de petróleo no mercado internacional e a desvalorização do real frente ao dólar – e, neste momento, ainda há uma insistência na defasagem do preço da gasolina e do diesel em comparação com o cenário externo.

Com um aumento na demanda causado pela operação das usinas termelétricas e a sazonalidade do consumo de diesel nos últimos meses do ano, a Petrobrasjá declarou que não dará conta de suprir à quantidade de combustível solicitada em novembro.

“A Petrobras alegou que não quer mais assumir responsabilidade do abastecimento nacional, porque ela produz mais ou menos 80% da demanda brasileira, e 20% é importado”, disse Adriano Pires.

Segundo o economista, a gasolina e o diesel brasileiros, apesar de caros, estão cerca de 15% e 17% respectivamente mais baratos do que a regulação dos mercados externos. Com a necessidade de complementação externa, o preço deve permanecer alto, na média, mesmo sendo abaixo dos patamares internacionais.

“A Petrobras deve continuar vendendo gasolina e diesel com defasagem, e a gasolina da importadora vem com o preço do mercado internacional. Quando a distribuidora fizer o preço médio – preço do combustível que ela compra na Petrobras com o preço mais caro do importador –, ele será menor do que se a Petrobras reajustasse seus produtos internamente pela paridade do mercado internacional”, explicou.

“O que está provocando o aumento na bomba é o barril também é a política econômica brasileira, que deixou o câmbio chegar até a R$ 5,70. A Petrobras não pode ser acusada de dar prejuízo ao acionista, já que mesmo com defasagem ela vende acima do custo de produção”, disse Adriano Pires.

“O que o governo poderia fazer nesse momento é criar um fundo de estabilização de preço. Você poderia de maneira mais rápida tirar a volatilidade do preço, principalmente do diesel”, afirmou.

ICMS

Para o especialista, o projeto que prevê a alteração no cálculo do ICMS aprovado na Câmara dos Deputados “não é ruim”, mas precisaria “mudar a metodologia” para focar no combate à evasão fiscal ao longo da cadeia.

Para ele, “culpar o ICMS pelos preços dos combustíveis não é verdade”, e haverá dificuldade na tramitação do texto pelo Senado. “Os governadores não vão poder ter a receita muito reduzida”, disse.

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- Veto da China à carne brasileira afeta mercado nacional

Suspensão que já chega a dois meses mexe com a cadeia produtiva e afeta diversos setores

Com quase dois meses de duração, a suspensão dos embarques de carne bovina para a China já afeta a produção no Brasil, visto que o país asiático é o principal importador da proteína brasileira.

Esse cenário afeta de forma significativa a cadeia produtiva de vários setores, conforme explica o gerente da Fazenda Santo Antônio, Daniel Mello, à CNN. “A queda do preço do gado gera muitas preocupações em relação ao presente e ao futuro, mesmo considerando que a mudança é passageira”, diz.

No dia 4 de setembro, depois da confirmação de dois casos de “doença da vaca louca” em rebanhos brasileiros, o envio de proteína de boi aos asiáticos foi suspenso voluntariamente pelo Brasil, cumprindo o que prevê um acordo sanitário internacional.

Após dez dias, no dia 15 de setembro, a Organização Mundial da Saúde Animal (OIE) concluiu que os casos de contaminação foram isolados, portanto, não haveria riscos para a saúde pública.  Ainda assim, a parceria comercial ainda não foi retomada.

Com isso, estima-se que cerca de 100 mil toneladas de carne estejam represadas aguardando uma solução.

Por recomendação do Ministério da Agricultura, a produção de carne foi suspensa temporariamente. A carne, que já estava aqui no Brasil, fica armazenada em contêineres refrigerados e a orientação é que os produtores a vendam ao mercado interno ou a outros países. O problema, segundo especialistas, é que o corte que a China compra é único. Ou seja, não é consumido e absorvido por outros mercados.

Com menos carne saindo do país e o preço da arroba despencando, o esperado era que o preço no mercado interno baixasse, mas o contrário disso vem sendo observado.

No estoque do frigorífico Torres, em São Paulo, por exemplo, as caixas com produtos — que iam até o teto há uma semana, segundo funcionários do local — agora estão num nível baixo para os padrões normais de operação. A explicação para esse desequilíbrio está na base produtiva.

“Com essa diminuição do abate, a gente acaba ficando com déficit desses cortes com linhas mais sofisticadas, como a picanha. Sentimos falta dessa carne aqui no açougue”, disse a proprietária do frigorífico, Camila Quevedo.

A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, se dispôs a ir até a China negociar pessoalmente uma solução para o impasse. O protocolo assinado entre os dois países não define os passos para a retomada do comércio depois de eliminados os riscos da doença, mas o governo brasileiro tinha a expectativa que as vendas ficassem suspensas  apenas por apenas treze dias, como ocorreu em 2019.

Na  quinta-feira (21), o ministro das Relações Exteriores, Carlos França, participou em uma videoconferência com o ministro de Negócios Estrangeiros da China, Wang Yi. De acordo com França, o ministro chinês sinalizou que o impasse será resolvido o mais breve possível.

Segundo apurou a CNN, o presidente Jair Bolsonaro também foi aconselhado a fazer um gesto diplomático ao governo chinês sobre a importância das relações comerciais com a China.

- Desigualdade de renda no Brasil caiu de 2002 a 2015, aponta estudo inédito

Resultado contraria pesquisas que mostravam estabilidade ou aumento da iniquidade neste século

Um novo estudo poderá mudar, pela terceira vez em menos de uma década, a interpretação do que tem ocorrido com a desigualdade de renda no Brasildesde o início deste século.

Feito por economistas do Insper, o trabalho inédito, ao qual a Folha teve acesso, mostra que a disparidade na distribuição de recursos no país caiu de forma ininterrupta entre 2002 e 2015, voltando a aumentar em 2016 e 2017, mas para um nível inferior ao da virada do milênio.

Os resultados do novo trabalho indicam que todas as fatias da população adulta brasileira —dividida em cem partes iguais, os chamados centésimos da distribuição— situadas abaixo dos 29% mais ricos tiveram crescimento em suas rendas anuais acima da média nacional de 3%, no período analisado.

Já as parcelas da população distribuídas acima desse corte aferiram crescimento médio anual de suas rendas entre 2,4% e 2,9%, inferior, portanto, à média do país. A exceção foram duas fatias próximas ao topo da pirâmide da riqueza do país.

Essa configuração estaria por trás da queda da desigualdade brasileira medida pelo índice de Gini, métrica que vai de 0 (patamar hipotético que refletiria uma sociedade onde os recursos são igualmente distribuídos) a 1 (nível também conceitual, que indicaria um extremo de iniquidade).

Os cálculos indicam que o Gini do Brasil recuou de 0,583 para 0,547, entre 2002 e 2017. O resultado, segundo os economistas, correspondeu à saída de 16 milhões de pessoas da pobreza no período.

NOVOS RESULTADOS CONTRARIAM DIAGNÓSTICOS ANTERIORES

Os resultados obtidos pela equipe do Insper contrariam dois diagnósticos que já haviam mudado a percepção de que a concentração de renda no Brasil diminuía na esteira de fatores como ampliação do acesso à educação e programas de transferência de renda.

Ao obter um melhor retrato dos rendimentos dos mais ricos, o primeiro deles mostrava que a desigualdade brasileira tanto era mais alta do que se imaginava anteriormente, quanto permanecia em um nível de relativa estabilidade, não de queda.

Mais recentemente, uma segunda conclusão ainda mais preocupante surgiu.

Em uma nota técnica publicada em dezembro de 2020, os pesquisadores Mauricio de Rosa, Ignacio Flores e Marc Morgan, do World Inequality Lab, centro fundado e codirigido pelo reputado economista francês Thomas Piketty, apresentaram cálculos novos que indicavam um aumento da concentração de renda brasileira.

Os dados que mostram essa trajetória estão disponíveis no site do grupo, o WID.world, e alarmaram a Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe), um dos principais centros de diagnóstico sobre problemas econômicos e sociais da região.

"Em alguns casos, como os de Brasil e México, a desigualdade não apenas não caiu, como aumentou, gerando, portanto, um novo alerta para um olhar atento ao processo de distribuição efetiva de renda nos países da região", ressaltou o Panorama de Indicadores Sociais, publicado em março deste ano pela instituição, em referência ao trabalho dos três pesquisadores.

Em uma entrevista por email com a Folha, Morgan disse que esses resultados serão em breve revistos e que as séries de diferentes indicadores da desigualdade de renda brasileira serão substituídos. Segundo ele, os novos números incluem no cálculo da renda do país transferências do setor público para educação e saúde, que, até então, não eram consideradas nas metodologias do centro de Piketty.

Com isso, explica Morgan, o retrato da desigualdade brasileira será de maior estabilidade e, considerando um dos recortes —o da evolução da fatia da renda apropriada pelos 50% mais pobres do país—, ela, inclusive, recuará.

"A análise de impostos e transferências é um novo aspecto do nosso trabalho, que mostra a importância de transferências de renda sociais (como saúde e educação) para reduzir a desigualdade no Brasil", diz o economista.

Foi justamente a percepção de que os trabalhos de anos recentes tanto de Morgan quanto de outros pesquisadores falhavam na mensuração da renda dos brasileiros mais pobres que levou os professores do Insper Ricardo Paes de Barros, Laura Muller Machado e Samir Cury e o diretor da Oppen Social Samuel Franco a construir uma nova metodologia.

O resultado do trabalho que eles desenvolveram nos últimos quatro anos será apresentado publicamente, pela primeira vez, nesta segunda-feira (25), em um webinar promovido pelo Insper.

Assim como Piketty e seus colegas, os quatro especialistas brasileiros usaram uma combinação entre dados da Receita Federal, das contas nacionais e de entrevistas domiciliares.

Mas, além de detalhes metodológicos diferentes na apuração e análise dessas informações, a grande novidade do novo trabalho é o uso da POF (Pesquisa de Orçamentos Familiares) e não da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) como o ponto de partida e a espinha dorsal no cálculo de construção da distribuição de renda do país.

Piketty inovou ao usar os dados de declarações tributárias para recalcular séries históricas, primeiro de países desenvolvidos e depois de emergentes, argumentando que eles capturam melhor os rendimentos dos mais ricos.

Esse diagnóstico é, hoje, praticamente consensual. Mas faltava corrigir uma nova distorção possivelmente causada pelo uso dos dados tributários: a subestimação da renda dos pobres.

Além de contabilizar como renda transferências como acesso à educação pública —o que Morgan explicou que está fazendo agora em seu trabalho—, o estudo do Insper e da Oppen Social também captura fontes não monetárias de recursos, como doações de cesta básica ou até extração de lenha para geração de energia.

"A POF oferece um ponto de partida melhor, porque parte importante da renda dos mais pobres é não monetária", afirma Paes de Barros, também conhecido como PB e considerado um dos expoentes brasileiros na pesquisa sobre pobreza, gastos sociais e educação e um dos idealizadores do Bolsa Família.

DEBATE PÚBLICO SOBRE DESIGUALDADE GANHA NOVO CAPÍTULO

Autor de vários estudos respeitados sobre distribuição de renda, o pesquisador Rodolfo Hoffmann, da USP (Universidade de São Paulo), será um dos debatedores no seminário que PB, Cury e Machado farão nesta segunda. Em setembro, ele já tinha assistido uma apresentação dos economistas sobre o trabalho.

"A metodologia é, sem dúvida, inovadora", afirma Hoffmann.

Ele também ressalta que o estudo é importante por "mostrar que correções com base nos dados do Imposto de Renda e Contas Nacionais não levam, necessariamente, a mudanças radicais no que se refere ao sentido da variação da desigualdade da distribuição da renda no Brasil".

Segundo Hoffmann, a subestimação da desigualdade em pesquisas feitas apenas com base na Pnad já era reconhecida por ele próprio e outros economistas há muitos anos.

"Mas levando em consideração outras informações (sobre consumo de diversos tipos de bens, por exemplo), me convenci de que houve queda da desigualdade no Brasil de 2001 a 2014".

Os achados de PB e seus coautores tendem a esquentar o debate público sobre o tema a um ano da eleição presidencial, em que a desigualdade certamente ocupará grande parte das discussões.

A crise causada nesta semana pela tentativa do governo de alterar as regras fiscais a fim de aumentar o benefício que será pago pelo Auxílio Brasil, programa que substituirá o Bolsa Família, já é um sinal disso.

Evidências recentes são de que, na esteira da crise econômica gerada pela pandemia e por ruídos políticos, a pobreza tem aumentado.

Para Cláudia Costin, diretora do Ceipe/FGV (Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais), a população antes das crises recentes podia perceber em seu cotidiano as melhoras na redução da desigualdade e no acesso à educação.

Ela, que também é colunista da Folha, ressalta, no entanto, que a desigualdade, que já vinha aumentando nos anos mais recentes, deve ficar ainda mais grave depois da pandemia. "A janela de saída, que o investimento em educação representa, vem ficando mais estreita."

"A educação como vetor para a redução da desigualdade não perdeu importância, apesar de tudo. Talvez essa perspectiva ruim se deva mais aos efeitos da pandemia e à falta de coordenação de uma política nacional para a educação", diz.

O impacto positivo da educação que os economistas medem em seus estudos é percebido por Rosely Mendes Couto, 55, na prática. Apesar de todas as dificuldades, ela se move pelo futuro do neto John Lorenzo, de cinco anos, que ela ajuda a criar.

"Meus filhos não quiseram continuar estudando depois do ensino médio. Acho que eles estariam em condição melhor hoje se tivessem continuado, que é o que desejo para meu neto", diz ela, que já trabalhou como enfermeira, foi dona de pizzaria e, hoje, atua em eventos.

O filho de Rosely tem 31 anos e é tatuador, já a filha, de 28, que é mãe de Lorenzo, está desempregada.

A crença na importância da educação faz com que Rosely cite o acesso à creche pública do neto como uma das melhorias que percebeu no país nas últimas duas décadas.

"Ele agora está na escolinha, mas nunca faltou vaga para ele na creche. Na época dos meus filhos pequenos, não foi assim", diz.

 

Fonte: CNN Brasil - Folha