Política

Após furar teto, Guedes cobra que BC





Após reconhecer que o governo federal vai furar o teto de gastos em 2022, o ministro da Economia, Paulo Guedes, defendeu que o Banco Central acelere a alta de juros para conter a inflação no Brasil. Durante entrevista coletiva no ministério, Guedes disse que a área fiscal piorou com o estouro do teto e que, por isso, o BC também precisa subir mais a Selic (a taxa básica de juros).

Se o fiscal piorou um pouco, eu voltei [de viagem aos EUA] e o fiscal piorou um pouco, então tem que correr um pouquinho mais com o juro também.
Paulo Guedes, ministro da Economia

Selic está atualmente em 6,25% ao ano, mas a diretoria do BC irá se reunir na próxima semana para decidir seu novo patamar. A taxa é definida pelo presidente do banco, Roberto Campos Neto, e por seus oito diretores. Como tem autonomia formal desde fevereiro deste ano, em tese o BC tem liberdade para definir qual será o patamar dos juros.

Na reunião anterior, ocorrida em setembro, os dirigentes do BC haviam sinalizado a intenção de elevar a taxa em mais um ponto porcentual neste mês, para 7,25% ao ano.

Economistas do mercado financeiro afirmam, no entanto, que o BC pode ser obrigado a acelerar este processo de alta de juros, já que a inflação não dá trégua. Isso significaria elevar em 1,5 ponto a Selic já na próxima semana, como vinha sendo especulado por investidores na tarde desta sexta-feira. Nos 12 meses encerrados em setembro, o IPCA — o índice oficial de inflação — acumulou alta de 10,25%.

Furo no teto para bancar auxílio em ano eleitoral

O cenário piorou durante a semana, quando ficou clara a intenção do governo de estourar o teto de gastos —a regra fiscal que limita a despesa pública ao Orçamento do ano anterior, corrigido pela inflação.

PEC (Proposta de Emenda à Constituição) dos Precatórios, aprovada na quinta-feira em comissão especial da Câmara, com o patrocínio do governo Bolsonaro, prevê a possibilidade de o governo gastar R$ 83 bilhões a mais em 2022.

Parte destes recursos bancará o Auxílio Brasil, o programa social que substituirá o Bolsa Família, no valor de R$ 400. O benefício será pago a 17 milhões de famílias até o fim do próximo ano, quando Bolsonaro tenta a reeleição.

Na tarde desta sexta-feira, Guedes afirmou que, com a PEC dos Precatórios, o estouro do teto ficará próximo de R$ 34 bilhões em 2022. Na prática, isso significa que o governo gastará mais que o previsto, o que pressiona ainda mais a inflação. Além disso, o estouro do teto manda um sinal negativo para os investidores, o que se traduz na alta do dólar e na queda da Bolsa.

Guedes responsabiliza BC

Guedes, no entanto, jogou a responsabilidade do controle da inflação para o BC. "Toda vez que tiver aumento localizado, [de] comida, material de construção, é temporário. Agora, se está virando [um aumento] generalizado, se está subindo tudo, todo mundo tem que olhar para o Banco Central", disse.

O ministro afirmou ainda que a área fiscal estava "perfeitamente sob controle" até sua viagem aos Estados Unidos, ocorrida entre 18 e 22 de outubro, para reunião do G20, o grupo das 20 maiores economias do mundo.

"Quando saí para ir aos Estados Unidos, o fiscal estava super arrumado. Então, se a inflação está subindo, vamos correr atrás", disse Guedes, novamente em referência ao BC.

Confira outras notícias:

- Ministério da Economia indica Paulo Valle para Secretaria do Tesouro

O Ministério da Economia confirmou que o atual subsecretário de Previdência Complementar do Ministério do Trabalho e Previdência, Paulo Valle, assumirá a Secretaria do Tesouro Nacional. 

Com especialização em Economia pela George Washington University, Valle é servidor de carreira do Tesouro e tem larga experiência em funções públicas.

De 1999 a 2006, Valle foi coordenador-geral de Operações da Dívida Pública. De 2006 a 2015, foi subsecretário da Dívida Pública do Tesouro. De dezembro de 2015 a março de 2018, ocupou a presidência da Brasilprev, subsidiária de previdência complementar aberta do Banco do Brasil.

A pasta também anunciou hoje que o ex-ministro do Planejamento Esteves Colnago assumirá o comando da Secretaria Especial de Tesouro e Orçamento.

Exoneração

Os ex-titulares do Tesouro e Orçamento Bruno Funchal, e do Tesouro Nacional Jeferson Bittencourt, pediram exoneração de seus cargos nesta quinta-feira. 

A secretária especial adjunta do Tesouro e Orçamento, Gildenora Dantas, e o secretário adjunto do Tesouro Nacional, Rafael Araujo, também pediram exoneração.

Em nota, o Ministério da Economia informou que as decisões foram de ordem pessoal.

- Centrão está cada vez mais dedicado a tirar Paulo Guedes do Ministério da Economia

 

A vida do titular da Economia ficou ainda mais difícil neste ano, quando o Centrão passou a comandar os ministérios da Casa Civil e da Secretaria de Governo

 

O Centrão está cada vez mais dedicado a tirar Paulo Guedes do Ministério da Economia, como escancarou o próprio titular da pasta, ontem, na entrevista coletiva ao lado do presidente Jair Bolsonaro. O bloco de partidos que dá sustentação ao governo representa, no Congresso, os interesses dos bancos e do setor produtivo. A raiz dos problemas com Guedes está no fato de o ministro ainda não ter entregado os resultados que prometeu, sobretudo as reformas.

 

A vida do titular da Economia ficou ainda mais difícil neste ano, quando o Centrão passou a comandar os ministérios da Casa Civil e da Secretaria de Governo, com Ciro Nogueira (PP) e Flávia Arruda (PL), respectivamente. Com a chegada dos dois parlamentares ao Planalto, o Centrão assumiu as articulações com o Congresso, o que inclui o controle da destinação das verbas bilionárias de emendas parlamentares.

 

A partir daí, os embates entre a ala política e a equipe econômica do governo subiram de temperatura.

 

A aproximação de Bolsonaro com o Centrão começou com uma rodada de reuniões no ano passado, quando a ideia era formar uma base de cerca de 250 parlamentares para blindar o chefe do Executivo contra o impeachment e aprovar projetos no Congresso. De lá para cá, uma sucessão de crises e o avanço de investigações aumentaram a dependência do Planalto em relação ao grupo político, que adere aos mais diferentes governos.

 

Escória

 

A relação entre Bolsonaro e Centrão é bem diferente do que se via à época da campanha presidencial de 2018, quando o então candidato do PSL prometia acabar com a “velha política” e o “toma lá, dá cá”. Para conquistar os eleitores, ele chegou a dizer que o bloco era a “escória da política brasileira” e “o que há de pior no Brasil”.

 

As conversas de Bolsonaro com representantes do grupo começaram em abril do ano passado, em meio a um aumento expressivo do número de pedidos de impeachment protocolados na Câmara por causa do comportamento do presidente na pandemia da covid-19.

 

A influência do Centrão no governo se fortaleceu em maio de 2020, com o início da distribuição de cargos para indicados dos partidos em órgãos importantes, como o comando do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs) e a diretoria do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). À época, o Supremo Tribunal Federal (STF) tinha acabado de abrir inquérito para investigar uma suposta interferência política de Bolsonaro na Polícia Federal.

 

Os espaços do Centrão no governo se ampliaram ainda mais em junho de 2020, após a prisão do ex-assessor Fabrício Queiroz, acusado de envolvimento com o esquema de rachadinha no gabinete do senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), quando o político era deputado estadual no Rio de Janeiro.

- ‘Estamos indo pro vinagre e baixa renda é quem vai sofrer mais’, diz economista

'A verdade é que não há uma agenda liberal, há um despreparo', diz Salto sobre o ministro da Economia, Paulo Guedes

"Estamos indo para o vinagre" é a expressão usada pelo economista Felipe Salto, diretor-executivo da IFI, a Instituição Fiscal Independente do Senado Federal, para avaliar o atual momento da economia do país.

A IFI tem como função ajudar os parlamentares a monitorar o Orçamento do governo. É um tipo de instituição que existe em vários países do mundo. Nas nações de língua inglesa, são chamadas de "cães de guarda" das contas públicas. 

Numa semana em que o dólar bateu nos R$ 5,70, quatro secretários do alto escalão do Ministério da Economia pediram demissão, e o governo confirmou a intenção de desrespeitar o teto de gastos em mais de R$ 80 bilhões, o pessimismo não é de se estranhar. 

Para Salto, o problema não é o governo querer gastar mais na área social — o que é necessário no atual momento de saída da pandemia e, segundo ele, poderia ser feito perfeitamente dentro dos atuais limites fiscais. 

O problema é que o rombo bilionário que está sendo aberto no teto de gastos — que a IFI estima em R$ 94,4 bilhões, acima dos R$ 83,6 bilhões previstos pela equipe econômica — é muito maior do que a despesa planejada para as transferências do novo Auxílio Brasil, que deve substituir o Bolsa Família. 

"É um espaço que é para atender o Centrão, para atender a base, para abrir o Orçamento para emendas", avalia Salto. "Isso está diretamente associado ao momento que estamos vivendo, de pré-eleições. Ano que vem tem eleições gerais e isso está perpassando todas as decisões."  

Mudando a regra com o jogo andando  

Para abrir esse espaço no Orçamento, o governo planeja adiar o pagamento de precatórios, dívidas da União com pessoas, empresas, Estados e municípios que a Justiça já determinou o pagamento em decisões definitivas. 

Além disso, a gestão Jair Bolsonaro, em acordo com o Congresso, quer mudar a regra do teto, passando a reajustá-lo pela inflação acumulada de janeiro a dezembro do ano anterior, e não mais em 12 meses até junho, como feito atualmente. O recálculo vai ser feito desde 2016, ano de aprovação da lei do teto de gastos. 

"O problema não é o gasto", diz o diretor-executivo da IFI. "O Estado tem que gastar para poder realizar suas políticas públicas de educação, saúde e também sociais, além de gastar para resolver problemas como o atual, que é o enfrentamento dessa crise pandêmica ainda presente no Brasil e suas consequências sociais e econômicas." 

"O problema é mudar as regras do jogo para favorecer conjunturalmente estratégias de expansão fiscal", avalia. "Mudar, de maneira oportunista como está acontecendo agora, é que preocupa." 

Para Salto, o problema da forma como tudo está sendo feito é que quem sairá prejudicado pela instabilidade causada por essa decisão são as mesmas pessoas que o governo pretende ajudar ampliando o valor da transferência de renda para R$ 400 até dezembro de 2022. 

"Os agentes econômicos — o mercado, como nós chamamos — já precificam esses riscos, os juros estão aumentando e o resultado vai ser provavelmente um crescimento econômico menor lá no ano que vem", prevê, acrescentando que isso prejudica a geração de empregos. 

O aumento do risco e a alta do juros afugentam os investimentos produtivos, explica Salto. E o dólar pressionado torna a inflação mais resistente a cair, já que a moeda americana pesa nos custos de tudo que é importado, como diversos componentes dos nossos bens industriais. 

"Infelizmente vai ser um quadro muito difícil para aqueles que têm renda mais baixa e dependem do salário para sua sobrevivência. E mesmo para aqueles que estão dependendo do auxílio do governo", conclui. 

Felipe Salto

Pedro França/Agência Senado

Problema não é gasto na área social, mas mudar regras do jogo para favorecer o Centrão em ano eleitoral, diz Felipe Salto, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente do Senado

 

Guedes, de ultraliberal a 'fura-teto' 

 

Questionado sobre como avalia a trajetória de Paulo Guedes, ministro que assumiu prometendo implementar uma agenda ultraliberal de redução do Estado e agora quer furar o teto de gastos em bilhões para aumentar a despesa do governo num ano eleitoral, o diretor da IFI é taxativo. 

"A verdade é que não há uma agenda liberal, há um despreparo, uma inépcia do atual governo que redunda nisso que estamos vendo nos últimos dias. Nesse desmonte das regras fiscais", avalia o especialista em contas públicas. 

A IFI estima que seria possível elevar o Bolsa Família sem ferir as regras. Cortando despesas não obrigatórias e pagando integralmente os precatórios, a instituição calcula que seria possível elevar o programa de transferência de renda do valor atual médio de R$ 190, para 14,7 milhões de beneficiários, para R$ 250 e 16,3 milhões de beneficiários. 

Para elevar adicionalmente esse valor, existe uma outra carta na manga, diz Salto. 

Um total de cerca de R$ 16 bilhões em precatórios do antigo Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental), atual Fundeb, que poderiam ser pagos legalmente fora do teto, abrindo espaço equivalente para a despesa na área social dentro do Orçamento. 

"Só que não sobraria dinheiro para fazer emendas de relator geral, outros gastos pulverizados. E é isso, na verdade, que está motivando toda essa mudança que o ministro da Economia está bancando", afirma. 

"Ou seja, ele está abrindo mão da responsabilidade fiscal, claramente. Ele quer sinalizar o contrário, dizendo que as regras estão sendo cumpridas, mas ninguém compra essa tese", afirma. "A saída dessas pessoas da equipe econômica, que são quadros técnicos, é apenas a evidência mais nítida de que o governo está num caminho muito errado." 

Na quinta-feira (21/01), pediram demissão Bruno Funchal e Gildenora Dantas, secretário especial e secretária especial adjunta do Tesouro e Orçamento, respectivamente. E Jeferson Bittencourt e Rafael Araújo, secretário e secretário-adjunto do Tesouro Nacional. 

'Indo para o vinagre' 

 A perda de credibilidade da equipe econômica é parte do motivo pelo qual Salto acredita que "vamos direto para o vinagre, sem direito a paradas", como lamentou esta semana em uma rede social. 

"É uma frase que pode parecer exagerada, mas não é. Porque, veja, a economia depende sobretudo da credibilidade dos gestores da política econômica. Esse é o passo zero", afirma. 

Para crescer, é preciso mais do que isso, diz ele. "Precisa aumentar a produtividade, os acordos comerciais para exportar mais. Aproveitar a vantagem comparativa que o Brasil sempre teve na área ambiental. E nós estamos indo para a direção simetricamente oposta." 

Ele cita o atual desprezo do governo pela preservação da Amazônia e o tempo perdido com uma política externa que classifica como "mequetrefe". Na infraestrutura, destaca que o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) perdeu todo seu papel, embora o país ainda necessite de instrumentos e políticas de desenvolvimento. 

"Nós estamos sem planejamento, o Orçamento está no piloto automático", afirma. "Quando eu digo que poderia ser diferente, é nesse sentido. Nós poderíamos estar com o câmbio mais apreciado, a inflação mais controlada e o crescimento já numa recuperação melhor, se as políticas adequadas estivessem sendo tomadas." 

"Então, a minha preocupação central, quando eu digo que 'estamos indo direto pro vinagre' é essa. Estruturalmente já estávamos indo e agora, com essa lambança na área fiscal e orçamentária, a aceleração nessa direção vai ser ainda maior."

 

Fonte: UOL - Agência Brasil - Correio Braziliense - BBC News Brasil