Política

Por que Auxílio Brasil de R$ 400 fez dólar subir e bolsa desabar





O presidente Jair Bolsonaro iria anunciar o novo Auxílio Brasil com valor de R$ 400, para substituir o Bolsa Família em 2022, ano de eleições. 

Pouco antes do horário previsto, porém, o Ministério da Cidadania informou que a cerimônia, que seria realizada no Palácio do Planalto, estava cancelada e sem previsão de nova data. 

Enquanto os beneficiários do Bolsa Família seguem no escuro sobre o que será da sua renda a partir de novembro, quando chega ao fim o auxílio emergencial pago durante a pandemia do coronavírus, a desistência de Bolsonaro é mais um capítulo de uma série de tentativas frustradas do governo de reformular o programa social gestado nos anos Lula. 

O cancelamento do anúncio foi uma resposta à reação extremamente negativa do agentes do mercado financeiro à proposta. A bolsa de valores chegou a cair mais de 3% e o dólar superou os R$ 5,60. 

A perspectiva de que parte dos R$ 400 previstos para o novo auxílio venha de recursos fora do teto de gastos foi o motivo desse profundo mau humor dos mercados. 

Aprovado em 2016, o teto de gastos limita o crescimento da despesa do governo de cada ano à variação da inflação do ano anterior. A ideia da regra é limitar o crescimento descontrolado da dívida pública, mas as tentativas do governo de furar a lei têm sido frequentes. 

Segundo economistas, o possível descontrole das contas públicas que seria resultado desse gasto fora do teto piora as perspectivas para a inflação futura, o que pode fazer com que o Banco Central tenha que elevar ainda mais os juros para conter a alta de preços. 

Com mais inflação e mais juros, as empresas tendem a retrair investimentos, prejudicando o crescimento do PIB e, consequentemente, a geração de empregos. 

"É um enorme equívoco o governo e o Congresso insistirem em falsas soluções, usando como escudo os mais vulneráveis para extrair benefícios privados", diz Gabriel Leal de Barros, economista-chefe da RPS Capital e ex-diretor da IFI (Instituição Fiscal Independente) do Senado federal. Ele avalia, assim como os demais economistas, que o governo Bolsonaro está fazendo as mudanças de olho nas eleições de 2022. 

"Com a perda do poder de compra da população, gerada pelo aumento da inflação que vai resultar da disparada do dólar, o governo está dando com uma mão e tirando com a outra. As pessoas não vão ter o benefício que está sendo vendido", diz o analista. 

 

O que se sabe sobre o novo Auxílio Brasil

 

O presidente Bolsonaro enviou, em 10 de agosto, uma Medida Provisória com a criação do Auxílio Brasil. Por ser uma Medida Provisória, o texto passa a valer imediatamente, mas ainda terá que passar por votação no Congresso em até 120 dias para que se torne definitivo. 

Presidente Jair Bolsonaro rodeado por parlamentares durante entrega da MP do Auxílio Brasil

Cleia Viana/Câmara dos Deputados

Presidente Jair Bolsonaro rodeado por parlamentares durante entrega da MP do Auxílio Brasil, em agosto; ainda não há clareza sobre a viabilidade do novo benefício

A expectativa do governo era começar a pagar o benefício já em novembro, posto que a última parcela do auxílio emergencial já está sendo paga. Mas ainda não há certeza se será possível viabilizar o novo benefício até lá e há possibilidade de o auxílio ser prorrogado novamente. 

Incialmente, o governo planejava pagar R$ 300 de Auxílio Brasil, para 17 milhões de pessoas. O Bolsa Família atende atualmente 14,6 milhões, com um valor médio de R$ 190. 

Para bancar a diferença em novembro e dezembro desse ano, o governo aumentou em setembro a alíquota do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras), um imposto que incide sobre operações como empréstimos, compra de moedas, contratações de seguros e investimentos, de pessoas físicas e jurídicas. 

Com esse o aumento de imposto, o governo previu arrecadar R$ 1,6 bilhão, que complementaria R$ 7,7 bilhões em recursos não utilizados do Bolsa Família, somando os R$ 9,4 bilhões estimados como necessários para pagar o Auxílio Brasil de R$ 300 reais por dois meses. 

Para 2022, o financiamento do benefício ainda estava em aberto, dependendo de medidas incertas como a aprovação da PEC dos Precatórios, que adiaria o pagamento pelo governo de dívidas com decisão judicial definitiva; e a reforma tributária, que prevê a taxação de lucros e dividendos, o que também geraria um aumento de receita. 

No entanto, candidato à reeleição em 2022, Bolsonaro determinou que o auxílio emergencial deveria ter valor de R$ 400, e não R$ 300 como previsto inicialmente. Assim, o novo benefício teria valor superior ao auxílio emergencial, que atualmente é de R$ 150, R$ 250 ou R$ 375. 

Para acomodar o gasto extra em 2022, seria necessário uma despesa fora do teto de gastos de R$ 30 bilhões, conforme noticiou o jornal O Estado de S. Paulo. Foi esse gasto fora do teto que azedou o humor dos mercados. 

Beneficiária segura cartão do Bolsa Família

Jefferson Rudy/Ag Senado

O Bolsa Família atende atualmente 14,6 milhões de pessoas, com um valor médio de R$ 190

 

Terremoto no mercado

 

"O mercado reagiu mal porque é uma destruição do arcabouço fiscal atual que nós temos, que é o teto de gastos", diz Barros, da RPS Capital, referindo-se ao conjunto de regras criadas para tentar manter a estabilidade das contas públicas. 

"Ao invés de equilibrar a responsabilidade fiscal com a social, o que é perfeitamente possível, o governo está usando as pessoas mais vulneráveis para atender a interesses questionáveis, fragilizando as contas públicas", acrescenta o analista. 

Ao mirar a reeleição de Bolsonaro, em detrimento da saúde das contas públicas, o mercado passa a não ter segurança quanto à trajetória futura da dívida pública do país. Com isso, aumenta a percepção de risco em relação ao Brasil, o que se reflete em alta da curva de juros futuros e do dólar. 

"O câmbio mais desvalorizado contamina a inflação e isso retira poder de compra da população", diz Barros. 

O câmbio afeta, por exemplo, o preço dos combustíveis, já que o petróleo é cotado em dólar. Pesa também sobre os alimentos, com o aumento da exportação que reduz a oferta interna, e sobre os custos industriais, já que muitos insumos da nossa indústria são importados. 

"A curva de juros mais inclinada piora as condições de investimento produtivo na economia, porque a decisão de investir não é dada pela Selic de hoje, mas pela curva de juros futuros. Quando tem uma decisão política tão desastrada como essa, isso afeta portanto o investimento da economia real e a geração de emprego e renda", explica o analista. 

Ainda conforme Barros, a perspectiva de inflação maior pode fazer o Banco Central ter de aumentar mais a Selic, o que tende a funcionar também como um freio para os investimentos e o consumo. 

Em resumo, diz o economista, ao tentar dar um benefício maior aos mais pobres bagunçando as contas públicas, são justamente os mais pobres quem podem sair mais prejudicados. "O saldo líquido é negativo, estão usando os vulneráveis como escudo. É uma covardia isso."

- Para mercado, problema do Auxílio Brasil não é gasto, mas desorganização

Governo planeja novo programa social no valor de R$ 400 e com parte paga fora do teto, estratégia desaprovada pelos agentes financeiros, com impactos no dólar e na bolsa nesta terça-feira

O vai e vem da notícia de que o Auxílio Brasil terá o valor de R$ 400 e que parte desse montante extrapola o teto de gastos não caiu bem no mercado financeiro, afirmam analistas ouvidos pelo CNN Brasil Business. A ideia é que o projeto seja o novo programa social do governo federal e substitua o auxílio emergencial e o Bolsa Família.

Em um dia em que as principais bolsas do mundo subiram, o Ibovespa, índice de referência da bolsa paulista, caiu 3,3%. Já o real descolou das outras moedas e viu o dólar subir 1,35% e fechar encostado nos R$ 5,60.

A rodada de 2021 do auxílio emergencial acaba neste mês, e o governo tem até o fim deste ano para criar novos programas sociais – já que é proibido criá-los em ano eleitoral.

O anúncio oficial foi cancelado no fim do dia após ter sido vazado pela imprensa. A notícia bastou para desagradar o mercado financeiro. Primeiro porque o valor divulgado é maior que os R$ 300 discutidos inicialmente. Segundo que a esticada no benefício não cabe inteiramente no teto de gastos, regra que controla as despesas do governo e que, para 2022, já estão no limite.

A verba para bancá-lo dependia de recursos que viriam primeiro da reforma do imposto de renda, que travou no Congresso, e, agora, da PEC dos Precatórios, que também teve a votação adiada nesta mesma terça-feira em sua comissão especial da Câmara.

Mas, mais do que isso, o que pesou para os agentes financeiros na sua decisão de retirar seu dinheiro de ativos brasileiros nesta terça-feira foram, segundo analistas, a desorganização e a falta de coordenação e compromisso com que o governo tem tentado emplacar a qualquer custo o novo programa.

A questão não é tanto sobre o quanto a expansão do programa extrapola o teto – para alguns, financiar um Bolsa Família mais amplo fora do limite fiscal em um momento de fragilidade social até poderia ser discutível.

A preocupação é que o movimento, como foi feito, cristaliza o descompromisso do governo com qualquer controle das despesas e fica difícil saber qual pode ser o próximo aumento de gasto.

“O problema não são nem os R$ 400”, diz o economista-chefe da Neo Investimentos, Luciano Sobral. “Se soubéssemos que a exceção ao teto seria R$ 100, o mercado faria a conta, concluiria que são R$ 20 bilhões ou R$ 30 bilhões a mais [no ano], o que não têm grande peso no PIB, e saberia de quanto estamos falando. O problema é o jeito como está sendo conduzido, e a percepção de que pode entrar mais coisa”, completa.

Uma das principais preocupações de economistas com uma abertura da porteira para o rompimento do teto está nas emendas parlamentares, que são verbas do Orçamento pleiteadas pelos congressistas e que disputam o mesmo espaço no teto com as demais despesas.

Com parte dos gastos retirados da conta do teto em 2022, as emendas, em pleno ano eleitoral, voltam a ganhar espaço para crescer dentro dele e aumentam os desembolsos e a dívida total da máquina pública da mesma maneira.

“O problema não é aumentar o gasto social no pós-pandemia, em um país desigual como o Brasil, depois de um ano em que a inflação comeu 10% do poder de compra”, diz Sobral. “A questão é isso ser feito sem compensação nenhuma, e ter se perdido totalmente o constrangimento em fazê-lo”, completa.

“O problema não é a falta de dinheiro, é a falta de plano”, disse o economista-chefe da corretora Necton, André Perfeito. “Ficam esses ruídos e isso gera o sentimento de que falta coordenação dos temas, o que eleva a incerteza, os prêmios de risco, o dólar, os juros. O custo acaba subindo não pelo fato em si, mas pela descoordenação em fazer as coisas andarem.”

Derrota do ministério da Economia

Para Gabriel Leal de Barros, economista-chefe da RPS Capital e especialista em contas públicas, há brechas de gastos a serem reduzidos ou remanejados que permitiriam viabilizar o novo benefício de R$ 300 ou mesmo de R$ 400 sem precisar fugir do teto para isso – “Por que não acaba com as emendas do relator? Por que o governo não trabalha para aprovar a reforma administrativa?”, diz.

Foi a clareza de que o esforço por essa via acabou abandonado que desabou sobre os mercados nesta terça-feira.

“Do jeito que a notícia chegou, a mensagem que fica é uma destruição do teto de gastos, estão de fato abrindo mão da âncora fiscal, o que é um cavalo de pau em relação ao que vinha sendo sinalizado”, disse Barros.

“O ministério da Economia vinha tentando evitar furos no teto, mas hoje ele foi derrotado. Bolsonaro decidiu que vai haver um auxílio e o que agora estão tentando fazer é evitar que o buraco no teto não seja tão grande”, completa.

Fonte: BBC News Brasil - CNN Brasil