Política

Pouco menos de um ano para eleições 2022, pré-candidatos procuram aliados





Fusão de DEM e PSL é o mais novo ingrediente nas articulações políticas

Os movimentos políticos das últimas semanas sinalizam que nenhum outro tema deve tomar mais a atenção dos partidos, daqui por diante, do que as eleições de outubro do próximo ano. Os arranjos estão por todos os lados, e, a partir do perfil dos postulantes a candidatos, é possível prever que a campanha presidencial terá uma temperatura tão ou mais elevada que a de 2018, até hoje lembrada pelas fake news e outras ações de desconstrução de adversários.

Políticos de todas as orientações estão envolvidos em uma maratona de conversas. A maior movimentação é entre os partidos de centro, focados na definição de candidatos para uma terceira via, em alternativa à polarização entre o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Na última quarta-feira, foi dado um passo importante nesse sentido. DEM e PSL aprovaram uma fusão que dará origem a um novo partido, batizado de União Brasil. Além de escolher um candidato para a disputa presidencial, a estratégia busca formar a maior bancada do Congresso, com 81 deputados e oito senadores — seriam 82 representantes na Câmara, mas Joice Hasselmann (SP) acaba de deixar o PSL e se filiar ao PSDB.

Os caciques do DEM e do PSL iniciaram uma ofensiva para ter o ex-juiz e ex-ministro da Justiça Sergio Moro como candidato em 2022. Um dos principais interlocutores com o ex-juiz da Operação Lava-Jato é o vice-presidente do PSL, deputado Júnior Bozzella (SP). De acordo com o parlamentar, uma definição sobre a possível filiação deve ocorrer em novembro. “Dentro do nosso partido ele terá muitos apoios”, disse Bozzella, que, na divisão interna do PSL, pertence à ala que deixou de apoiar Bolsonaro.

Moro é visto por políticos e analistas como um nome capaz de atrair o apoio de eleitores que deixaram de ter Bolsonaro como opção de voto. O ex-ministro também é alvo do interesse do Podemos. Na semana passada, ele desembarcou no Brasil para conversas com a presidente do partido, deputada Renata Abreu (SP) — atualmente o ex-magistrado mora nos Estados Unidos. Ele prometeu que consultará a família e dará uma resposta até 1° de novembro. Porém, Renata Abreu está tão confiante na confirmação que, a interlocutores, tem anunciado Moro como o nome do partido para a disputa de 2022.

A opção pelo ex-juiz representa uma ameaça aos planos de políticos do União Brasil que também pretendem concorrer ao Planalto. São o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta (DEM); o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG); e o apresentador José Luiz Datena (PSL). Pacheco estava, até pouco tempo, com um pé no PSD, atraído pelo presidente do partido, o ex-ministro Gilberto Kassab, que o quer como candidato. Agora, porém, com a fusão entre o DEM e o PSL, as negociações mergulharam em incertezas.

No PSDB, a definição do pré-candidato presidencial ocorrerá durante prévias marcadas para novembro. Estão no páreo os governadores de São Paulo, João Doria, e do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, além do ex-senador e ex-prefeito de Manaus (AM) Arthur Virgílio. Atualmente, o partido vive uma divisão interna, causada pela recente filiação da deputada Joice Hasselmann, ex-PSL. A chegada da ex-bolsonarista ao ninho tucano, chancelada por Doria, desagradou boa parte da militância, em especial, grupos que eram próximos ao ex-prefeito paulistano Bruno Covas, falecido em maio.

Périplo
Apontado como favorito pelas pesquisas de intenção de voto, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) passou por Brasília na semana passada, em mais uma escala do périplo que tem feito pelo país. Ele tenta articular uma aproximação com legendas de centro, principalmente o MDB e o PSD. Mas, em conversa recente, Gilberto Kassab, presidente do PSD, avisou ao petista que a prioridade da sigla é lançar um candidato próprio ao Planalto.

A esquerda deve chegar dividida a 2022. A relação entre o ex-ministro e pré-candidato Ciro Gomes (PDT) e o PT fica cada vez mais desgastada, em razão, sobretudo, dos sucessivos ataques do político cearense à legenda de Lula. Nessa briga, os petistas têm conseguido algumas vitórias, como uma maior aproximação com o PSB, partido cujo apoio também é cobiçado por Ciro.

Enquanto os adversários se movimentam, o presidente Jair Bolsonaro ainda não definiu a legenda à qual vai se filiar para ter a estrutura partidária necessária à campanha à reeleição. PP, PL, Republicanos e PTB estão no radar. O ministro da Casa Civil e presidente licenciado do PP, Ciro Nogueira, tem dito a aliados que o chefe do governo está mais perto de se filiar ao partido.

Bolsonaro também tem prosseguido em viagens pelo país para inaugurações de obras e lançamento de programas, no momento em que amarga os piores índices de popularidade como presidente. Segundo as últimas pesquisas, o fato se deve à insatisfação de grande parte da população com os reflexos do fraco desempenho do governo federal na economia, como desemprego recorde, inflação em alta e aumento da pobreza e da fome.

Preocupado em, pelo menos, conter a queda de popularidade do presidente, o Planalto corre contra o tempo para encontrar uma fonte de custeio para o Auxílio Brasil, um programa destinado a substituir o Bolsa Família e turbinar os recursos transferidos aos beneficiários. Os últimos depósitos do auxílio emergencial serão feitos neste mês de outubro.

Raio-X da União Brasil (se não houver desfiliações)

No Brasil:

82 deputados federais (54 do PSL e 28 do DEM)

8 senadores (6 do DEM e 2 do PSL)

4 governadores (PSL tem RO e TO; DEM tem GO e MT)

554 Prefeitos (464 do DEM e 90 do PSL)

5.546 Vereadores (4.341 do DEM e 1.205 do PSL)

130 deputados estaduais (76 do PSL e 54 do DEM) 

Embates devem ser mais tensos

A próxima disputa presidencial promete ser palco de embates calorosos, com um teor de agressividade ainda maior que nos pleitos passados. Entre outras diferenças, ela vai reunir personagens que, de alguma forma, ao longo de suas carreiras, se cruzaram em situações que os transformaram em desafetos pessoais, muito além da disputa política. Analistas ouvidos pelo Correio temem que a discussão de soluções para os graves problemas do país perca espaço para ataques e acertos de contas entre os concorrentes.

Se os atuais postulantes forem confirmados como candidatos por seus partidos, o presidente Jair Bolsonaro vai enfrentar adversários, incluindo ex-aliados, com os quais mantém uma clara relação de inimizade. A lista de desafetos inclui o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT); o ex-juiz Sergio Moro, ex-ministro da Justiça do seu governo; o governador de São Paulo, João Doria (PSDB); o ex-ministro Ciro Gomes (PDT); e o médico Luiz Henrique Mandetta (União Brasil), ex-ministro da Saúde de Bolsonaro.

A relação é conturbada também entre os desafetos do presidente. Lula, por exemplo, poderá ficar frente a frente com Sergio Moro, seu algoz da Operação Lava-Jato, que o condenou por corrupção e lavagem de dinheiro, rendendo-lhe 580 dias de prisão na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba (PR) — as condenações foram anuladas pelo Supremo Tribunal (STF), que considerou que Moro agiu com parcialidade nos processos.

As relações entre Doria e Lula também extrapolaram a disputa política, principalmente após declarações nada dignificantes feitas pelo tucano no período em que o petista esteve preso. Entre Lula e Ciro Gomes, a rivalidade também extrapolou para o campo pessoal. O pedetista, até hoje, não perdoa a articulação de Lula que lhe tirou o apoio do PSB nas eleições de 2018.

“No histórico entre os que hoje são os principais postulantes ao Planalto, você tem uma coisa que passa, transcende a questão dos programas, das propostas, e pode descambar para o lado pessoal, principalmente no segundo turno. E o risco é esse: dado à conflagração, a esse ambiente ruim, as grandes questões do país, que hoje não estão sendo efetivamente discutidas, podem ficar em segundo plano nas eleições”, disse o cientista político André Pereira César, da Hold Assessoria Legislativa.

O analista falou sobre outra diferença que a disputa presidencial do próximo ano deve ter em comparação com a passada. “A de 2018 já tinha sido diferente. Não houve a antiga polarização entre PSDB e PT, e deu Bolsonaro. A campanha que se avizinha será uma disputa pós-pandemia, no meio de uma crise que não vai ser solucionada. Então os candidatos vêm para um embate mais forte”, afirmou César.

Eduardo Galvão, professor de relações institucionais do Ibmec Brasília, acredita que a fusão entre o DEM e o PSL, para a criação de um novo partido de direita, o União Brasil, deve levar a uma disputa bastante polarizada e agressiva com o PT.

Ele lembra que, desde a redemocratização, as eleições eram marcadas por embates da esquerda contra a antiesquerda, que, não necessariamente, era a direita. “A gente teve centro, centro-direita, contra a esquerda. Agora a gente está vendo que essa disputa entre esquerda e direita deve continuar, só que agora os partidos de direita estão se organizando com a fusão do DEM e do PSL para criar um partido muito maior que o PT. E essa reorganização de forças deve polarizar ainda mais as eleições no próximo ano entre esquerda e direita”, analisou o docente. (JV)

- Centrão quer novo nome para o STF e abre crise entre evangélicos e Bolsonaro

Pastores rejeitam indicação de presidente do Cade e exigem Mendonça ou outro nome aprovado por eles

O centrão quer indicar um novo nome para a vaga aberta no Supremo Tribunal Federal, abrindo uma crise entre o governo de Jair Bolsonaro e líderes de um dos últimos redutos de popularidade do presidente, os evangélicos.

Uma articulação dos principais ministros do grupo que comanda a Câmara dos Deputados busca viabilizar o nome de Alexandre Cordeiro de Macedo, o presidente do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica).

O problema, para a comitiva pastoral que aconselha Bolsonaro no assunto, é que Cordeiro não passou pelo crivo dela. Aliás, ele pode até se apresentar como evangélico, mas está longe de sê-lo "terrivelmente", advérbio que o presidente diz ser imprescindível para o ocupante da 11ª cadeira da corte.

Macedo teve sua indicação defendida por Ciro Nogueira (Casa Civil), Flávia Arruda (Secretaria de Governo) e Fábio Faria (Comunicações), e o tema foi debatido em dois jantares ocorridos na semana passada em Brasília.

A apresentação do novo nome visa romper o impasse em torno do nome do advogado-geral da União, André Mendonça, o "terrivelmente evangélico" indicado pro Bolsonaro quando o ministro Marco Aurélio Mello aposentou-se, em julho.

Mendonça tem apoio firme entre alguns dos principais líderes do segmento, e a movimentação do centrão fez explodir a insatisfação.

Faltou combinar com os pastores. Silas Malafaia, um dos prediletos de Bolsonaro, disse que a nomeação para o STF passará pela liderança evangélica antes. “Estão pensando que vão chegar pro presidente com um nome qualquer, mas o presidente vai perguntar pra gente, e vamos dizer ‘não, não reconhecemos esse cara’”, diz.

"Não escolhemos André Mendonça. Não somos nós, ministros evangélicos, que vamos escolher ministro", continua. "A única coisa é que o presidente vai perguntar se o camarada é terrivelmente evangélico ou não porque ele não tem ideia. Não adianta esses caras armarem alguma coisa, dizendo que João ou Manoel ou sei lá quem é terrivelmente evangélico que nós vamos dizer ao presidente sim ou não."

O deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ), eleito com apoio da igreja liderada por Malafaia, a Assembleia de Deus Vitória em Cristo, segue seu pastor: "Se reprovarem o André, quem vai dizer outro nome é a lideranca evangélica. Não vamos aceitar quem não seja evangélico indicar ninguém ao presidente".

"Quem tem autoridade moral para dizer ao presidente se ele realmente é evangélico ou não somos nós. Estão achando que vão enganar quem? Vocês não são evangélicos", diz, em referência à trinca do centrão.

O deputado e pastor Marco Feliciano (PL-SP) chama de "sórdida esta atuação às escondidas de quem quer seja para defenestrar o dr. André".

"É um aviso aos navegantes espertalhões, não darão um passa-moleque em nossa comunidade", afirma o parlamentar. "Qualquer indicação evangélica para a cadeira no STF, promessa do presidente, deverá passar pelo crivo dos mesmos líderes evangélicos que avalizaram o André Mendonça. Qualquer ato fora disso causará um desconforto irreparável."

Em junho, Mendonça embarcou com Feliciano, Malafaia e Sóstenes no voo que levou Bolsonaro até Belém (PA) para celebrar os 110 anos da primeira Assembleia de Deus no Brasil.

Três meses depois, cá estão Malafaia e Feliciano gravando vídeos para cobrar a manutenção da indicação de Mendonça. Nas mensagens a seus apoiadores, não citam o nome de Cordeiro, mas fazem duras críticas a Davi Alcolumbre (DEM-AP).

Presidente da Comissão de Constitutição e Justiça do Senado, Alcolumbre vem evitando marcar a sabatina de Mendonça. Enquanto alguns observadores veem nisso uma represália direta a Bolsonaro, outros enxergam apoio direto do senador à busca de um nome alternativo.

No Senado, há muita simpatia que essa pessoa seja o procurador-geral da República, Augusto Aras, que não é evangélico. Para contornar isso, o centrão passou a trabalhar em favor de Cordeiro, que é presbiteriano.

Nomeado para a presidência do Cade em julho, ele estava no órgão desde 2015, quando foi indicado pelo PP de Ciro Nogueira.

Antes, foi número 2 do Ministério das Cidades na gestão de Aguinaldo Ribeiro (2012-14), líder do PP que o apadrinhou a pedido de Ciro.

Entre os evangélicos, contudo, a filiação religiosa de Cordeiro não é considerada convicente. "Eu quero mandar uma mensagem para o ministro Ciro Nogueira e para o líder do governo Fernando Bezerra Coelho: ninguém vai enganar a comunidade evangélica", gritou Malafaia no vídeo.

Entre lideranças do setor, Cordeiro também vem sendo comparado à ministra Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos), que era assessora de Magno Malta e, na visão deles, o traiu para ficar no governo —enquanto o ex-senador e pastor, aliado de primeira hora de Bolsonaro, ficou na estrada.

Isso porque Mendonça, que faz parte da mesma denominação de Mendonça,teve apoio do titular da AGU para chefiar o Cade, mesmo com a oposição aberta de diversos conselheiros do órgão.

Para Bolsonaro, é uma crise a mais em um governo com focos de problemas em praticamente todas as áreas. Os evangélicos são base de apoio do hoje presidente desde sua campanha em 2018.

Na mais recente pesquisa do Datafolha, o grupo foi um dos únicos no qual Bolsonaro bateria Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na disputa do ano que vem.

Na amostra do instituto, 26% dos eleitores são evangélicos. Ao longo deste ano, o presidente perdeu aprovação também entre eles, mas ainda assim tem uma rejeição menor (41%) do que entre a população em geral (53%).

​Às mesas dos jantares da semana passada, realizados nas casas de Faria e de Bruno Dantas, ministro do Tribunal de Contas da União que apoia Cordeiro, estiveram personagens como o senador Renan Calheiros (MDB-AL) e o ministro do Supremo Gilmar Mendes.​

Renan, entusiasta da candidatura de Aras e adversário figadal de Bolsonaro na relatoria da CPI da Covid, deu o aval à articulação. Já Gilmar foi convidado para ser, na condição de decano da corte e seu maior articulador político, apresentado à alternativa Cordeiro.

O ministro não deu sua opinião. No Supremo, contudo, a falta de experiência jurídica de Cordeiro, que não tem doutorado completo em direito, é vista como um problema sério.

Além disso, há o temor da repetição do caso Kassio Nunes Marques, o primeiro ministro indicado por Bolsonaro que hoje está isolado na corte, visto como um chancelador de iniciativas do Planalto.

Com Cordeiro, ou um outro "tertius", o centrão busca emplacar alguém alinhado a seus interesses na corte máxima do país e dar uma solução à insatisfação entre os ministros pela falta do 11º integrante do colegiado —o que tem travado julgamentos pela possibilidade de empate, além do acúmulo de processos no antigo gabinete de Marco Aurélio.

Evangélicos bolsonaristas já haviam digerido mal tentativas de emplacar Humberto Martins, presidente do STJ (Superior Tribunal de Justiça). Ele é da Igreja Adventista do Sétimo Dia, linha cristã que muitos evangélicos descartam como parte do segmento.

Mas Martins, hoje, é carta fora do baralho: nomeados para o Supremo precisam ter menos de 65 anos, e ele chegou a esse clube no dia 7 de outubro.

Fonte: Correio Braziliense - Folha