Política

Carlos Bolsonaro é citado como chefe de organização criminosa





Na decisão em que autorizou a quebra de sigilos bancário e fiscal do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), o juiz Marcello Rubioli, da 1ª Vara Criminal Especializada do TJ-RJ (Tribunal de Justiça do Rio), avaliou os dados apresentados pelo MP-RJ (Ministério Público do Rio) e escreveu ao longo de 79 páginas que verificou "indícios rotundos de atividade criminosa em regime organizado" e que "Carlos Nantes [Bolsonaro] é citado diretamente como o chefe da organização".

A 3ª PIP (Promotoria de Investigação Penal) investiga a existência da prática de rachadinha, entrega ilegal de salários dos assessores, e da nomeação de pessoas que eram "funcionários fantasmas" no gabinete de Carlos Bolsonaro.

O MP-RJ pediu a quebra de sigilo no dia 5 de maio e o juiz autorizou, no dia 24 de maio, o afastamento dos sigilos de Carlos Bolsonaro, Ana Cristina Valle, segunda mulher do presidente Jair Bolsonaro, e outros 25 investigados. O MP-RJ tinha pedido a quebra de sigilo de Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro, mas o magistrado não autorizou.

Procurada pela coluna, a defesa de Carlos Bolsonaro não se manifestou até o momento. Em declarações anteriores sobre a investigação, Carlos Bolsonaro negou que tenha cometido qualquer ilegalidade: "Na falta de fatos novos, requentam os velhos que obviamente não chegaram a lugar nenhum e trocam a embalagem para empurrar adiante a narrativa. Aos perdedores, frustrados por não ser o que sempre foram, restou apenas manipular e mentir. É o que mais acusam e o que mais fazem".

ANA CRISTINA - FÁBIO MOTTA/ESTADÃO CONTEÚDO - FÁBIO MOTTA/ESTADÃO CONTEÚDO
A advogada Ana Cristina Valle, de 51 anos, ex-mulher de Jair Bolsonaro, também é investigada pelo MP-RJ
Imagem: FÁBIO MOTTA/ESTADÃO CONTEÚDO

"Fortes indícios"

Após analisar os dados apresentados pelo MP, o juiz Marcello Rubioli escreveu que "os elementos de informação coligidos aos autos - mais notadamente quando se atenta ao vasto acervo de documentos que acompanham o expediente investigatório - apontam para a existência de fortes indícios da prática de crime de lavagem de capitais".

Rubioli escreveu ainda que "da leitura dos autos do procedimento declinado, apura-se, facilmente, que se encontram presentes indícios rotundos de atividade criminosa em regime organizado para prática de crimes". O juiz afirma ainda que "Carlos Nantes é citado diretamente como o chefe da organização, até porque o mesmo efetua as nomeações dos cargos e funções comissionadas do gabinete".

O MP informou no pedido de quebra de sigilo que "na presente investigação, pelos elementos de provas colhidos já é possível vislumbrar indícios da existência de uma organização criminosa caracterizada pela permanência e estabilidade, formada desde o ano de 2001 por diversos assessores nomeados pelo parlamentar (Carlos Bolsonaro) para cargos na Câmara Municipal.

Os investigadores relataram ainda que "com efeito, para operacionalizar o desvio, é necessária a convergência da atuação do vereador, que se encarrega da indicação dos assessores "fantasmas" (e figura como beneficiário final do peculato), dos chefes de gabinete que atestam falsamente a o desempenho da atividade profissional dos assessores, e finalmente dos ocupantes de cargos comissionados, concordam em ser nomeados formalmente na Câmara Municipal, sob compromisso de repassar mensalmente parte da remuneração do cargo aos demais integrantes da organização criminosa, contribuindo para o desvio da verba orçamentária".

O MP-RJ relatou que a organização criminosa teria seis núcleos. O primeiro e mais numeroso é o de Ana Cristina Siqueira Valle, ex-chefe de gabinete de Carlos (2001 a 2008) e segunda mulher do presidente Jair Bolsonaro.

No ano passado, o MP-RJ já tinha denunciado o senador Flávio Bolsonaro, irmão de Carlos, como líder de uma organização criminosa que existia em seu antigo na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio). A análise da denúncia está suspensa no momento por uma decisão do STJ. Flávio negou ter cometido qualquer ilegalidade.

Relatório do Coaf

Na decisão do caso de Carlos Bolsonaro, o magistrado ainda fez referência a um relatório do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) em que se verificou a movimentação de R$ 1,77 milhão para Carlos em uma conta que está em nome de sua mãe, Rogéria Bolsonaro, primeira mulher do presidente Jair Bolsonaro. O juiz também afirmou que existem "indícios de subfaturamento de compra de imóvel em 2009".

Carlos Bolsonaro declarou em cartório que pagou R$ 70 mil por um apartamento em Copacabana. O MP apontou ao TJ que o "valor venal do imóvel, para fins tributários, correspondia a aproximadamente R$ 236 mil, ou seja, 237% a mais do que o valor do pagamento declarado, a sugerir a possibilidade de pagamentos realizados "por fora", lastreados na disponibilidade de recursos em espécie".

O juiz Marcello Rubioli afirmou ainda que "não se está a emitir juízo de valor definitivo acerca da existência e autoria dos injustos, mas apenas efetuando-se a constatação técnico-jurídica de que existem, de fato e em consonância com o afirmado pelo Ministério Público, firmes indícios".

MP-RJ pediu quebra de sigilo de Queiroz

O MP-RJ pediu ao TJ a quebra de sigilo de Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ). A quebra foi pedida porque ele possui relação familiar com Márcio Gerbatim e Claudionor Gerbatim. Márcio é pai da enteada de Queiroz. Há indício de que os dois Gerbatim fossem funcionários fantasmas na Câmara de Vereadores.

No pedido, os investigadores justificaram o pedido de quebra assim: "Considerando que já foram identificados indícios suficientes da participação de Fabrício José Carlos de Queiroz no desvio de recursos oriundos da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, mediante devolução dos valores pagos a vários funcionários "fantasmas" (prática denominada "rachadinha"), a ensejar a propositura de denúncia criminal em face do mesmo, impõe-se verificar se tal prática também estaria ocorrendo no âmbito da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, a justificar o afastamento de sigilo".

Ao analisar o pedido de quebra de sigilo de Fabrício Queiroz, o juiz não concordou com o pedido do MP-RJ.

"Não possui justificativa para afastamento de sigilos nos autos. Não foi citado em qualquer RIF (relatório de inteligência financeira) ou compôs o gabinete", escreveu Rubioli.

- Mulher de Arthur Lira ganha cargo em governo de aliado de Bolsonaro

Apontada como fantasma em Alagoas, Angela Lira foi nomeada para atuar em Brasília como secretária-adjunta de Roraima

A mulher do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), ganhou um cargo estadual em Brasília de um dos governadores mais próximos do presidente Jair Bolsonaro.

Angela Maria Gomes de Almeida Lira foi nomeada em julho pelo governador de Roraima, Antonio Denarium, como secretária-adjunta da Representação Estadual no Distrito Federal, com salário líquido mensal de R$ 14 mil.

Segundo o governo estadual, a pasta tem a atribuição de interlocução com as diferentes instituições com as quais o governo se relaciona na capital federal.

Denarium, ex-PSL e hoje sem partido, é um dos poucos governadores aliados de Bolsonaro, tendo inclusive participado de atos de raiz golpista no 7 de Setembro.

Eleito neste ano para comandar a Câmara com apoio do presidente, Lira vem barrando nos últimos meses a apreciação dos mais de cem pedidos de impeachment contra Bolsonaro. Cabe a ele decidir sobre eventual abertura de processo de afastamento a ser analisada pela Casa.

A mulher de Lira já chegou a ser envolvida em uma acusação judicial contra seu marido na Assembleia de Alagoas, por suspeita de ser funcionária-fantasma.

No Governo de Roraima, Angela Lira, 43, tem como superior imediato uma apoiadora de Bolsonaro, Gerlane Baccarin, secretária responsável pela pasta da Representação Estadual.

Candidata derrotada na eleição municipal de Boa Vista em 2020 pelo PP, Baccarin é mulher do deputado federal Hiran Gonçalves, do mesmo partido. Gonçalves, também bolsonarista, é amigo de Lira.

A indicação de Angela Lira foi divulgada pelo site Roraima em Tempo. A Folha questionou o governo estadual sobre as qualificações da secretária-adjunta para o cargo e sobre suas ligações com o estado.

A resposta foi que ela é uma "administradora experiente, já tendo passado por várias instituições como Banco do Nordeste e Assembleia Legislativa de Alagoas, além de ter excelente trânsito em Brasília".

A passagem da mulher de Lira nos anos 2000 pela Assembleia alagoana, porém, a envolve em uma das principais pendências judiciais do marido.

Em depoimento no âmbito da Operação Taturana, da Polícia Federal, sobre desvios na Assembleia de Alagoas, Angela afirmou que foi incluída por ele na folha de pagamento do Legislativo estadual, sem desempenhar um trabalho de fato.

Lira foi deputado estadual de 1999 a 2011, quando assumiu mandato no Congresso. O depoimento de Angela consta em uma das ações de improbidade contra Lira derivadas da Operação Taturana.

Os promotores escreveram: "Lira também proporcionava a inserção na folha de pagamentos de pessoal da ALE/AL de funcionários que nunca trabalharam de fato, como é o caso de sua namorada Angela".

Um trecho da peça transcreve o depoimento tomado pela Polícia Federal da mulher do deputado, no qual ela contou ter sido nomeada em 2006, com salário de R$ 3.000 mensais. "Em razão de seu relacíonamento amoroso foi inserida na folha de pagamentos da ALE/AL; Que nunca exerceu de fato função alguma na ALE/AL".

Ela também afirmou: "Nunca declarou sua renda à Receita Federal, uma vez que não auferia renda; Que
a ALE/AL nunca descontava IR (Imposto de Renda) ou INSS de sua remuneração; Que somente em janeiro de 2008 passou a ser descontado IR e INSS."

Na época da deflagração da investigação, a Justiça de Alagoas chegou a determinar o afastamento de todos os nomeados da Casa, desde a Constituição de 1988, que não tivessem prestado concurso e cujos atos não estivessem publicados no Diário Oficial.

Lira, que foi integrante da Mesa Diretora da Casa, também ficou afastado da Assembleia de Alagoas, com outros colegas, por decisão judicial naquela época.

A ação de improbidade que menciona a nomeação de Angela foi rejeitada em primeira instânca em abril deste ano, mas ainda não houve decisão definitiva.

O presidente da Câmara está condenado em outras duas ações de improbidadederivadas do caso da Assembleia, nas quais está recorrendo.

A reportagem procurou a assessoria de Lira desde a semana passada para comentar o assunto, mas não obteve resposta. O deputado tem negado as acusações decorrentes da Operação Taturana. Em ação penal derivada dessa investigação, argumentou que houve nulidades na apuração.

Ao ser questionado pela reportagem, o Governo de Roraima afirmou que "Angela Maria não tem nenhuma condenação em seu histórico de vida pública".

Também afirmou que as nomeações para o primeiro escalão "atendem a critérios técnicos relacionados a necessidade da secretaria, autarquia ou presidência em questão".

Angela Maria também possui participação nos negócios privados rurais de Lira. Ela consta como "administradora" da empresa D'Lira Agropecuária e Eventos, que pertence ao deputado e ao pai dele, também político Benedito de Lira.

No comando da Câmara desde fevereiro, Lira não tem dado sinais de que dará início ao processo de impeachment.

Após os atos do 7 de Setembro, por exemplo, ele não mencionou essa possibilidade e fez um discurso pelo apaziguamento.

Por enquanto, Lira não tem tomado nenhuma decisão sobre os pedidos de afastamento —nem de rejeição nem de aceitação. Ele também não tem um prazo para expedir esses despachos.

Na Câmara, o deputado tem tentado priorizar, entre outros projetos, uma pauta simpática a seu grupo político, como as das propostas já aprovadas donovo Código Eleitoral e de mudanças na Lei de Improbidade, enviadas ao Senado.

Fonte: UOL - Folha