Cotidiano

Alterações climáticas podem causar 200 milhões de migrantes até 2050





As alterações climáticas podem levar mais de 200 milhões de pessoas a deixarem as suas casas nas próximas três décadas, criando focos de migração, a menos que sejam tomadas medidas urgentes, segundo um relatório do Banco Mundial.

Lukas Schulze

As medidas, de acordo com a instituição, passam pela redução global das emissões poluentes e por colmatar as falhas no desenvolvimento.

Na segunda parte divulgada do relatório Groundswell analisa-se como os impactos lentos das alterações climáticas, como a escassez de água, a redução da produtividade e o aumento do nível do mar, podem originar milhões de "migrantes climáticos" até 2050, em três cenários diferentes, consoante a ação climática e o desenvolvimento.

No cenário mais pessimista, com um elevado nível de emissões e um desenvolvimento desigual, os autores do trabalho preveem mais de 216 milhões de pessoas a deslocarem-se dos seus países em seis regiões analisadas.

Essas regiões são a América Latina, o Norte de África, a África subsaariana, a Europa Oriental e a Ásia Central, o sul da Ásia e o leste da Ásia e o Pacífico.

No cenário mais favorável, com um baixo nível de emissões e, inclusivamente, desenvolvimento sustentável, o número de migrantes pode ser 80% inferior, mas ainda assim causar a deslocação de 44 milhões de pessoas.

No relatório não são analisados os impactos das alterações climáticas a curto prazo, como os efeitos nos eventos meteorológicos extremos.

As conclusões "reafirmam o potencial de o clima induzir migrações nos países", disse Viviane Wei Chen Clement, especialista sénior em alterações climáticas no Banco Mundial e uma das autoras do relatório.

No cenário mais grave, a África subsaariana -- a região mais vulnerável devido à desertificação, linhas costeiras frágeis e população dependente da agricultura -- veria o maior movimento, com mais de 86 milhões de migrantes climáticos.

O Norte de África, porém, poderá ter a maior proporção de migrantes climáticos, com 19 milhões de pessoas a deslocarem-se, o equivalente a 9% da população total, devido essencialmente ao aumento da escassez de água na costa nordeste da Tunísia, na costa noroeste da Argélia, oeste e sul de Marrocos e no sopé central do Atlas, de acordo com o relatório.

No sul da Ásia, o Bangladesh é particularmente afetado por inundações e destruição de colheitas, responsáveis por quase metade dos migrantes climáticos, com 19,9 milhões de pessoas, incluindo um aumento na percentagem de mulheres, a deslocarem-se até 2050, no cenário pessimista.

"Esta é a nossa realidade humanitária agora mesmo e estamos preocupados que vá ser ainda pior, onde a vulnerabilidade é mais aguda", afirmou Maarten van Aalst, diretor do Centro Internacional do Clima da Cruz Vermelha, que esteve envolvido no relatório.

Relatório não incidiu nos migrantes climáticos nas fronteiras

"Globalmente sabemos que três em cada quatro pessoas que se deslocam ficam nos países", indicou Kanta Kumari Rigaud, um destacado especialista em ambiente no Banco Mundial e coautor do relatório.

No entanto, os padrões de migração das áreas rurais para as urbanas antecedem muitas vezes os movimentos para as fronteiras.

Apesar de a influência das alterações climáticas na migração não ser nova, é frequentemente parte de uma conjugação de fatores que empurram as pessoas a sair e atua como uma múltipla ameaça.

As pessoas afetadas por conflitos e desigualdade estão mais vulneráveis às alterações climáticas, porque têm meios limitados para se adaptarem.

Os autores do relatório também alertam que podem surgir pontos críticos de migração na próxima década e intensificarem-se até 2050.

É necessário planeamento em ambos os lados, nas áreas para onde as pessoas vão deslocar-se e nas que deixam, para ajudar os que ficam.\

- Gases de refrigeração de ar condicionado e geladeira são 23 mil vezes piores do que CO2

Os gases de refrigeração têm um potencial de aquecimento global 23 mil vezes maior do que o dióxido de carbono e ficam na atmosfera 50 mil anos. 

Os gases de refrigeração têm um potencial de aquecimento global 23 mil vezes maior do que o dióxido de carbono e ficam na atmosfera 50 mil anos, alertou hoje a investigadora Ana Pereiro, que salienta a importância da reciclagem.

Atualmente a quase totalidade desses gases, os gases fluorados, são libertados para a atmosfera quando se deixam de usar por exemplo automóveis, aparelhos de ar condicionado ou frigoríficos. O projeto de investigação KET4F-Gas, que tem como um dos parceiros a Faculdade de Ciências e Tecnologia (FCT) da Universidade Nova de Lisboa, pretende inverter a situação.

Através do projeto foram, nos últimos três anos, desenvolvidas tecnologias inovadoras para separar e reciclar os gases fluorados no fim do ciclo de vida dos equipamentos e as conclusões do projeto são apresentadas hoje, no 'webinar' "Solutions for a Sustainable Management of Fluorinated Greenhouse Gases". O projeto tem também uma componente de sensibilização para o problema, como explicou Ana Pereiro, investigadora principal da FCT e uma das coordenadoras do projeto.

Gases com alto potencial de aquecimento global

Os gases fluorados (HFC) substituíram no final da década de 1990 os antigos gases usados nos sistemas de refrigeração, conhecidos como CFC (clorofluorcarbonetos), que eram muito destrutivos da camada de ozono. Os HFC foram na altura considerados ideais, sem serem tóxicos ou inflamáveis, e o seu uso aumentou exponencialmente, lembrou Ana Pereiro, salientando que estes gases fluorados têm afinal um "alto potencial de aquecimento global".

Por isso, disse, o objetivo do projeto é evitar a libertação desses gases e sensibilizar consumidores, indústria e empresas. Por isso o projeto contemplauma ferramenta 'online' e gratuita para, por exemplo, o consumido conhecer melhor que tipo de gás usa o equipamento que está a comprar e poder optar pelos menos poluentes.

"Fizemos uma escala semelhante à etiqueta energética", explicou, acrescentando que do projeto faz parte também um manual de boas práticas para a indústria.

É necessária a reciclagem dos gases

Ana Pereiro salientou que os compostos em questão são seguros e inofensivos quando estão nos equipamentos, mas que o problema surge quando existem fugas. E a verdade é que só entre 01% e 05% desses gases são recuperados dos equipamentos em fim de vida, ainda que existam unidades de reciclagem.

"Muitas pessoas tiram o cobre dos equipamentos e libertam todo o gás para a atmosfera", alertou a especialista, acrescentando outro dado: no fim do ciclo de vida dos veículos, por falta de incentivos, o gás é libertado para a atmosfera. "Nenhum veículo chega com gás refrigerante e os ares condicionados chegam também sem esse gás".

Os gases fluorados têm sido objeto de legislação na União Europeia desde 2015, a emissão para a atmosfera é proibida em Portugal desde 2017, e pretende-se substituí-los por alternativas com menor impacto ambiental até 2030, incentivando-se a investigação e de tecnologias para recuperar, separar e reciclar os gases.

Ana Pereiro alerta para o contrabando de gases fluorados e para o não cumprimento dos regulamentos e a falta de fiscalização, porque não há multas. E diz:

"O que propomos é que em vez de se sancionar se incentive as empresas a terem boas práticas, que as empresas que instalem equipamentos com esses gases tenham certificação, que todos percebam que estas boas práticas têm de ser implementadas a nível doméstico e industrial".

Tecnologias inovadoras para separar e reciclar os gases fluorados

O projeto KET4F-Gas, financiado com dinheiros de Bruxelas e com a participação de 13 sócios e seis entidades associadas de quatro países, Portugal incluído, desenvolveu também tecnologias inovadoras para separar e reciclar os gases fluorados no fim do ciclo de vida dos equipamentos. São, nas palavras de Ana Pereiro, dois protótipos "únicos a nível mundial", que em outubro devem ser implementados em ambiente real numa empresa gestora de resíduos.

Estima-se que em 2050 até 12% do total de emissões globais de gases com efeito de estufa poderão ter a sua origem em HFC, já que se espera que a procura mundial de energia para equipamentos de refrigeração triplique devido ao aumento da temperatura.

Ana Pereiro salientou a importância de um novo olhar para o problema, incentivando-se a recuperação dos gases fluorados (que são inofensivos para quem os maneja e liberta para a atmosfera). Mas também adiantou que para o setor "não há uma solução perfeita".

Não havendo o refrigerante perfeito, as misturas que dão os gases fluorados são para já a solução, e "se forem usadas de maneira correta são inofensivas".

Mas é preciso, salienta, explicar tudo isto às pessoas, porque "as pessoas quando pensam em aquecimento global só pensam no dióxido de carbono".

Fonte: SIC