Cultura

Francisco: juízos e preconceitos só aumentam as distâncias





"Contrastes e palavras duras não ajudam. Colocar as pessoas em guetos não resolve nada. Quando se cultiva o fechamento, mais cedo ou mais tarde acaba por explodir a raiva", disse ainda Francisco, reiterando que "o caminho para uma convivência pacífica é a integração.

O Papa Francisco encontrou-se com a Comunidade Cigana, no bairro Luník IX, em Košice, na Eslováquia, na tarde de terça-feira (14/09).

"Na Igreja, ninguém deve se sentir estranho nem marginalizado. E não se trata apenas dum modo de dizer, mas é o modo de ser da Igreja. Pois ser Igreja é viver como convocado por Deus, sentir-se eleito na vida, fazer parte da mesma equipe", disse Francisco no início de sua saudação.

"A Igreja é uma família de irmãos e irmãs com o mesmo Pai, que nos deu Jesus como irmão para compreendermos quanto Ele ame a fraternidade. E deseja que a humanidade inteira se torne uma família universal. Vocês nutrem um grande amor e respeito pela família, e olham a Igreja a partir desta experiência. Sim, a Igreja é casa, é casa de vocês. Sejam bem-vindos! Sintam-se sempre de casa na Igreja e nunca tenham medo de habitar nela. Que ninguém afaste vocês ou qualquer outra pessoa da Igreja", disse o Papa à Comunidade Cigana.

O Evangelho nos diz para «Não julgar». "O Evangelho não deve ser atenuado, não deve ser aguado". Jesus nos diz para não julgar, mas "quantas vezes não só falamos sem provas ou por ouvir dizer, mas consideramos também ter razão quando somos juízes implacáveis dos outros. Indulgentes conosco mesmos, inflexíveis com os outros. Quantas vezes os juízos não passam realmente de preconceitos, quantas vezes adjetivamos! Deste modo desfiguramos com as palavras a beleza dos filhos de Deus, que são nossos irmãos. Não se pode reduzir a realidade do outro aos próprios modelos pré-concebidos, não se pode rotular as pessoas. Antes de mais nada, para conhecê-los realmente, é preciso reconhecê-los: reconhecer que cada um traz em si a beleza incancelável de filho de Deus, no qual se espelha o Criador."

Queridos irmãos e irmãs, muitas vezes vocês foram objeto de preconceitos e juízos cruéis, estereótipos discriminatórios, palavras e gestos difamatórios. Com isso, todos ficamos mais pobres, pobres em humanidade. O que precisamos para recuperar a dignidade é passar dos preconceitos ao diálogo, dos fechamentos à integração.

"Juízos e preconceitos só aumentam as distâncias. Contrastes e palavras duras não ajudam. Colocar as pessoas em guetos não resolve nada. Quando se cultiva o fechamento, mais cedo ou mais tarde acaba por explodir a raiva", disse ainda Francisco, reiterando que "o caminho para uma convivência pacífica é a integração. É um processo orgânico, lento e vital, que começa com o conhecimento mútuo, prossegue com a paciência e estende o olhar para o futuro".

E a quem pertence o futuro? Às crianças. São elas que nos orientam: os seus grandes sonhos não podem esfacelar-se contra as nossas barreiras. Querem crescer juntas com os outros, sem obstáculos nem restrições. Merecem uma vida integrada e livre. São elas que motivam opções clarividentes; não buscam o consenso imediato, mas olham para o futuro de todos. Pelos filhos, tomam-se decisões corajosas: pela sua dignidade, pela sua educação, para crescerem bem enraizados nas suas origens, sem ao mesmo tempo lhes ser vedada qualquer possibilidade.

O Papa agradeceu às pessoas que "realizam este trabalho de integração que, além de exigir não pouca fadiga, por vezes é objeto também de incompreensão e ingratidão, até mesmo da Igreja". Agradeceu também aos sacerdotes, religiosos e leigos que dedicam o seu tempo oferecendo um desenvolvimento integral aos irmãos e irmãs, e "por todo trabalho com os marginalizados", refugiados e presos. "A estes, em particular, e a todas as pessoas no mundo carcerário expresso a minha proximidade", concluiu Francisco.

Visita não programada do Papa à Casa de Exercícios Espirituais em Prešov

Após presidir a Divina Liturgia bizantina de São João Crisóstomo, o Papa fez uma parada não programada na Casa de Exercícios Espirituais dos jesuítas que acolheria os bispos para o almoço. Francisco saudou o pessoal da cozinha e encontrou brevemente os jesuítas.

“A caminho do Seminário de Košice – informou a Sala de Imprensa da Santa Sé - o Papa Francisco parou na Casa dos Exercícios dos jesuítas para saudar alguns confrades que, envolvidos na organização dos eventos, não puderam participar da Divina Liturgia.”

A visita não estava programada. Distante 1 km do local da celebração,  a Casa dos jesuítas acolheria para o almoço os bispos que participaram da Divina Liturgia. Francisco aceitou o convite do padre jesuíta Jan Benkovsky SJ, Superior da Casa de Exercícios, indo direto para a cozinha, onde saudou a todos que preparavam a refeição. Na saída, saudou brevemente a comunidade dos jesuítas que o aguardava no jardim. O Papa não almoçou em Presov, mas como programado, no Seminário em Košice, distante 43 km.

Ao Seminário, o Santo Padre deixou como recordação de sua visita uma imagem de São José, que com a mão esquerda segura o pequeno Salvator Mundi abençoando, enquando com a direita segura o ramo que floresceu prodigiosamente com lírios quando os sacerdotes do Templo de Jerusalém tiveram que escolher o esposo de Maria entre os solteiros da tribo de Judá.

O Seminário São Carlos Borromeu

O Seminário Maior São Carlos Borromeu da Arquidiocese de Košice está localizado no coração da cidade. O prédio abriga a Faculdade de Teologia da Universidade Católica Ružomberok. O seminário está localizado no quarto e quinto andar das instalações, onde estão a Capela do Seminário São Carlos Borromeo, os quartos do seminaristas, a redação da revista Borromeo e outras salas de meditação e recreação. Vários sacerdotes residem no local, a maior parte deles, professores na Faculdade de Teologia.

O Seminário Maior nasceu com a criação do Diocese de Košice, em 1804, abrindo suas portas em 1809. Passou pelas vicissitudes históricas da Eslováquia e foi usado com diversas finalidades até seu fechamento. Somente depois a queda do comunismo foi devolvido à diocese, mais especificamente em 1992.

Em julho de 1995 São João Paulo II, depois de ter criado a Província Eclesiástica de Košice, visitou a Arquidiocese e por desejo do arcebispo Alojz Tkáč, pernoitou no prédio recém-reformado do Seminário Maior. Hoje, a estrutura abriga cerca de 50 estudantes de teologia.

A cruz, de símbolo identificador a fonte de vida

Na homilia da liturgia divina celebrada em Presov no rito bizantino, o Papa Francisco pede para a cruz nunca seja instrumentalizada.

ANDREA TORNIELLI

O que é a cruz? Um objeto de devoção, um símbolo de identidade cultural a ser empunhado, uma bandeira elevada ao alto? No dia em que a Igreja celebra a Exaltação da Cruz, o Papa Francisco de Prešov pede aos cristãos que nunca a reduzam a tudo isso, menos ainda a um símbolo político ou a um sinal de relevância religiosa e social.

As instrumentalizações, sempre presentes, são de alguma forma fáceis de desmascarar porque são evidentes. Mais difícil é aceitar o desafio para cada um de nós contido nas palavras do Papa, porque também nós corremos o risco de não aceitar a lógica da cruz, de não aceitar que “Deus nos salve, deixando que se desencadeie sobre Ele o mal do mundo”. Aceitamos isso em palavras, o Deus frágil e crucificado que se humilha e se aniquila, se sacrificando, mas no fundo sonhamos com um deus forte e triunfante e um cristianismo "de vencedores", que tenha relevância e importância no cenário mundial, receba reconhecimentos, honra e glória que oferece o mundo. “É uma grande tentação”, disse Francisco, e o é porque assim fazendo, o cristianismo torna-se mundano e estéril.

Como, então, olhar para a cruz segundo a lógica de Deus? O Papa recorda que alguns alguns santos ensinaram que a cruz é como um livro que, para o conhecer, é preciso abri-lo e ler. Não basta comprar um livro, dar-lhe uma vista de olhos e expô-lo em casa. Incontáveis são os crucifixos em nossas praças e igrejas, os crucifixos que temos no pescoço ou no bolso. Mas isso de nada nos aproveita, se não nos detivermos a olhar o Crucificado, se não nos deixarmos impressionar pelas suas chagas abertas para nossa salvação, se o coração. Eles não servem se não aceitarmos a cruz como ela realmente é.

“A testemunha que tem a cruz no coração, e não apenas ao pescoço – disse Francisco -  não vê ninguém como inimigo, mas vê a todos como irmãos e irmãs por quem Jesus deu a vida. A testemunha da cruz não recorda as injustiças do passado nem se lamenta do presente. A testemunha da cruz não usa as vias do engano e do poder mundano: não quer impor-se a si mesmo e os seus, mas dar a sua vida pelos outros. Não busca o próprio proveito, e logo se mostra piedoso”.

Em 22 de março de 1988, durante um dos debates sobre o crucifixo nas escolas, a escritora Natalia Ginzburg escreveu um importante artigo no jornal L'Unità:

“O crucifixo não gera nenhuma discriminação. Silencia ... O crucifixo é o sinal da dor humana. A coroa de espinhos, os pregos, evocam os seus sofrimentos. A cruz que pensamos elevada no alto do monte, é o sinal da solidão na morte. Não conheço outros sinais que de maneira tão forte deem o sentido de nosso humano destino. O crucifixo faz parte da história do mundo”. Um olhar capaz de captar o essencial.

Fonte: Vatican News