Cotidiano

Brasil foi polo para mutações do novo coronavírus no mundo, revela estudo





A falta de medidas efetivas para controlar a disseminação do SARS-CoV-2 levou o Brasil a ser, juntamente com a África do Sul, o principal polo de mutações do novo coronavírus no mundo.

O registro consta em artigo científico publicado na sexta-feira (10) no periódico Viruses. Produzido por seis cientistas brasileiros, o estudo avaliou a distribuição das mutações nas cinco regiões brasileiras entre março de 2020 e junho de 2021 e as comparou com o restante do mundo.

"Mutações virais são eventos probabilísticos devido à transmissão aleatória de um vírus entre pessoas infectadas. A carga viral é variável e depende de fatores como o curso de infecção e imunidade do hospedeiro. Alguns indivíduos são 'super espalhadores', o que significa que as variáveis comportamentais e ambientais são relevantes para a infecciosidade, aumentando o sucesso da transmissão", explica o estudo.

No Brasil, uma nova linhagem de mutação foi achada a cada 278 amostras. Na Europa, por exemplo, esse número foi de uma a cada 1.046 amostras.

Ao todo, os tipos de SARS-Cov-2 brasileiros foram classificados em nove diferentes clados, que são agrupamentos que incluem um ancestral comum e todos os seus descendentes vivos e extintos.

Com o vírus tendo todo o espaço disponível para se multiplicar e infectar pessoas, a gente tem visto que isso acaba se refletindo em um registro de uma diversidade maior. Foi o caso que o estudo encontrou particularmente do Brasil. De tanto a gente ter diversidade, enxergamos a geração de um número de mutações bastante grande; e essas mutações podem dar origem ao longo do tempo a novas variantes, que foi o que aconteceu no caso brasileiro
Fernando Spilki

08.ago.2020 - Aglomeração de pessoas no Centro de Campinas (SP): falta de controle fez mutações prosperarem - KAREN FONTES/CÓDIGO19/ESTADÃO CONTEÚDO - KAREN FONTES/CÓDIGO19/ESTADÃO CONTEÚDO

Histórico Brasil

No histórico brasileiro, algumas das mutações viraram linhagens e até variantes (que carregam mudanças mais acentuadas que as linhagens). No início, as linhagens B.1.1.28 e B.1.1.33 dominaram o cenário nacional.

Depois, foi a vez da P.2, que também conseguiu, no final do ano passado, ser responsável por muitas das infecções de covid-19.

A partir de janeiro, o cenário mudou, e a P.1 (Gamma) virou dominante absoluta, sendo responsável por 100% dos casos em muitos estados do país durante a segunda onda. Essa variante, isolada primeiramente no Amazonas, carrega um número maior de mutações, que fizeram o coronavírus ser mais transmissível.

"A gente foi capaz de descrever uma série de variantes que ficaram, que permaneceram; e outras que foram transitórias nesse período, demonstrando que o Brasil --por não ter adotado medidas mais restritivas de circulação de pessoas-- permitiu que a circulação do vírus acontecesse", completa Spilki.

Manaus: Média de óbitos cresceu 217% em relação a duas semanas atrás - Carlos Madeiro/UOL - Carlos Madeiro/UOL

Alto número

O estudo mostrou que, até junho de 2021, o Brasil teve a presença de 61 linhagens SARS-CoV-2 nas cinco regiões brasileiras, com alta predominância da variante Gamma.

Segundo Spilki, o número achado impressionou os pesquisadores.

Em termos de acúmulo de mutações é notável o nosso número. É impressionante como esses países [Brasil e África do Sul] conseguiram, ao longo do tempo, permitir um acúmulo de mutações maior que a média, em um processo que leva à formação de variantes

Para ele, essas mutações são um reflexo de dois países com cidades populosas e que não adotaram medidas efetivas para combate à disseminação do novo coronavírus.

"Tivemos sistemas de distanciamento social parciais, e isso acaba propiciando esses eventos de mutação —que precisam de muitos hospedeiros para que eles ocorram", sentencia Spilki, que é pesquisador do Laboratório de Microbiologia Molecular da Universidade Feevale, em Novo Hamburgo (RS).

Índia no páreo

O estudo ainda indica que um terceiro país entrou na lista de mais mutações, mas apenas este ano: a Índia, de onde surgiu a variante Delta —que está dominando a epidemia pelo mundo hoje.

 

Nas últimas semanas, Índia vive seu pior momento desde que a pandemia começou - Getty Images - Getty Images

"Os números indicam que tais regiões são realmente hotspots (berçário, na tradução ao português) para o surgimento de novos variantes, especialmente quando as restrições sociais não são aplicadas estritamente, levando a um aumento circulação viral", afirma o artigo.

Hoje, no mundo, há quatro VOCs (variantes de preocupação) classificadas pela OMS (Organização Mundial de Saúde), três delas originárias de Brasil, Índia e África do Sul. A quarta, a Alfa, foi isolada no Reino Unido.

No Brasil, diz Spilki, a variante Alfa ainda não causou maiores estragos devido ao avanço da vacinação, mas também porque o pico da segunda onda contaminou muitas pessoas no país --o que gerou uma imunidade temporária que ainda está em vigor. "O número de suscetíveis nesse momento pode ser relativamente baixo, mas essa situação pode se alterar ao longo do tempo", finaliza.

 

Spray nasal contra covid-19 é desenvolvido no Brasil 

Vista aérea da Cidade Universitária “Armando de Salles Oliveira” - USP

Uma vacina em forma de spray nasal contra a covid-19 está sendo desenvolvida por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), em parceria com a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Em fase de estudos, o novo imunizante promete ser de baixo custo, proteger contra variantes e bloquear o novo vírus ainda no nariz. A expectativa é que ela esteja disponível até o fim de 2022.

“Você já começa a induzir resposta no epitélio nasal e induzir a produção de um anticorpo que é muito importante nas mucosas, que são as IgAs [Imunoglobulina A] secretórias”, explica o coordenador do estudo, Jorge Elias Kalil Filho, professor da Faculdade de Medicina da USP e chefe do Laboratório de Imunologia Clínica e Alergia do Hospital das Clínicas.

Além de inovar na forma de inoculação do vírus, com aplicação pelo nariz e não por via intramuscular, o imunizante também se diferencia no antígeno. “Em vez de usarmos a Spike do vírus de Wuhan, nós vamos utilizar só a RBD [domínio receptor obrigatório, pela sigla em inglês] das quatro variantes de preocupação”, diz Kalil Filho. De acordo com a Fiocruz, a proteína Spike é associada à capacidade de entrada do patógeno nas células humanas e é um dos principais alvos dos anticorpos neutralizantes produzidos pelo organismo para bloquear o vírus.

O pesquisador explica ainda que o antígeno vai conter pedaços de proteínas que estimulem a resposta celular mais duradoura do que aquela mediada pelos anticorpos neutralizantes. “Nós estudamos 220 pessoas que tiveram a doença, estudamos também por informática todo o genoma do vírus e selecionamos fragmentos que teoricamente induzem uma boa resposta celular”, acrescenta. 

O imunizante, portanto, deve incluir fragmentos que são capazes de matar a célula, caso ela seja infectada. “Se o vírus entrar na célula, a única coisa que você pode fazer é usar as células chamadas CD8 citotóxicas, que matam a célula infectada”, afirma Kalil Filho. O spray deve incluir, portanto, os chamados linfócitos T CD8+ citotóxicos, que matam células doentes, e os linfócitos T CD4+, que auxiliam na produção de anticorpos e nas respostas citotóxicas.

Outra inovação do produto é a criação de um tipo de nanopartícula que adere à mucosa do nariz. “A mucosa tem muitos cílios que não deixam nada aderir, mas desenvolvemos um jeito de colocar uma formulação específica em que a gente induz uma resposta de mucosa importante”, acrescenta o médico.

Sobre o custo, Kalil Filho diz que deve ficar em torno de US$ 5, mas que ainda são necessárias outras análises relacionadas ao rendimento. “Nós temos alguns laboratórios que produzem proteínas recombinantes, mas ainda está muito no início, então estamos tratando com as empresas farmacêuticas pra ver se a gente acha alguma que consiga produzir com boa quantidade”.

A vacina spray nasal pode funcionar como um reforço para as doses já existentes e aplicadas por via intramuscular. “Provavelmente, quando o spray estiver pronto, boa parte da população mundial vai estar vacinada. Eu acredito que ele vai ser, sobretudo, como uma dose de reforço”, afirmou o médico. 

 

Fonte: UOL - Agência Brasil