Cultura

O Papa à Comunidade Judaica: A vossa história é a nossa história





“A memória não pode nem deve ceder lugar ao esquecimento, porque não haverá alvorada duradoura de fraternidade sem antes se ter compartilhado e dissipado as trevas da noite”. Palavras do Papa Francisco durante o encontro com a Comunidade Judaica da Eslováquia na Praça Rybné. O Papa recordou os sofrimentos do povo judeu e afirmou “a vossa história é a nossa história, os vossos sofrimentos são os nossos sofrimentos.

Jane Nogara - Vatican News

Na tarde desta segunda-feira (13), segundo dia da Viagem Apostólica do Papa à Eslováquia, Francisco teve um encontro com a Comunidade Judaica na Praça Rybné Námestie. É uma praça muito significativa para a comunidade judaica, no seu discurso o Papa recordou que “durante vários séculos, fez parte do bairro judeu; aqui trabalhou o célebre rabino Chatam Sofer. Aqui havia uma sinagoga, mesmo junto da Catedral da Coroação. Diz-se que a arquitetura exprimia a convivência pacífica das duas comunidades, símbolo raro e altamente sugestivo, sinal estupendo de unidade no nome do Deus de nossos pais. Aqui sinto também eu, como tantos outros, a necessidade de ‘descalçar as sandálias’, porque me encontro num lugar abençoado pela fraternidade entre os homens no nome do Altíssimo”, afirmou o Papa.

Usar o nome de Deus

“Porém”, continuou, “o nome de Deus foi desonrado: na loucura do ódio, durante a II Guerra Mundial, foram mortos mais de cem mil judeus eslovacos”. E Francisco reitera aos presentes: “Aqui, tendo diante dos olhos a história do povo judeu marcada por esta trágica e inaudita afronta, sentimos vergonha em admiti-lo: quantas vezes o nome inefável do Altíssimo foi usado para indescritíveis atos de desumanidade! Quantos opressores declararam ‘Deus está conosco’, mas eram eles que não estavam com Deus...”.

“Queridos irmãos e irmãs, a vossa história é a nossa história, os vossos sofrimentos são os nossos sofrimentos. Para alguns de vós, este Memorial da Shoah é o único lugar onde podeis honrar a memória dos vossos entes queridos. Também eu me uno a vós. No Memorial, está inscrito, em hebraico, ‘Zachor - Recorda!’. A memória não pode nem deve ceder lugar ao esquecimento, porque não haverá alvorada duradoura de fraternidade sem antes se ter compartilhado e dissipado as trevas da noite”

Francisco reiterou: “E existem ainda o esquecimento do passado, a ignorância que justifica tudo, a raiva e o ódio"

“Estejamos unidos – repito – na condenação de toda a violência, de todas as formas de antissemitismo, e no empenho por que não seja profanada a imagem de Deus na criatura humana”.”

A luz da esperança

Mas esta praça, queridos irmãos e irmãs, é também um lugar onde brilha a luz da esperança. Aqui vindes, todos os anos, acender a primeira luz no castiçal Chanukiá. Assim, na obscuridade, aparece a mensagem de que não são a destruição e a morte a ter a última palavra, mas a renovação e a vida.

Depois de especificar sobre a partilha e comunicações entre a Igreja Católica e a Comunidade Judaica Francisco falou da importância do "caminho fraterno de purificação da memória para curar as feridas do passado" e a "recordação dos bens recebidos e oferecidos" e disse: “Segundo o Talmud, quem destrói um só homem destrói o mundo inteiro, e quem salva um só homem salva o mundo inteiro. Cada um é importante, como o é também aquilo que fazeis através da vossa preciosa partilha. Agradeço-vos pelas portas que abristes de ambos os lados”.

“O mundo precisa de portas abertas. São sinais de bênção para a humanidade”

Por fim o Santo Padre concluiu:

“Aqui, na Eslováquia, terra de encontro entre oriente e ocidente, norte e sul, que a família dos filhos de Israel continue a cultivar esta vocação, o chamamento a ser sinal de bênção para todas as famílias da terra”.

A secularização e os novos "alfabetos" para anunciar a fé

Papa Francisco indica à Igreja na Eslováquia e em toda a Europa o caminho de "viver dentro" do mundo com humildade e sem nostalgia do passado.

ANDREA TORNIELLI

A viagem à Eslováquia permite compreender o caminho a seguir que Francisco sugere às Igrejas de toda a Europa, não só às do Oriente. Antes de tudo, o Papa propõe um olhar repleto de realismo: mesmo as nações mártires que conheceram a perseguição do totalitarismo comunista hoje se deparam com uma secularização galopante e com gerações que não têm mais nenhum contato com uma história feita de heroísmo, resistência e uma identidade fé vivida com orgulho. Os jovens são "muitas vezes iludidos por um espírito consumista que desvanece a existência" e as sociedades antes orgulhosas de suas tradições agora experimentam as colonizações ideológicas, a redução do progresso ao ganho material, a busca de direitos reduzidos a desejos individualistas.

Diante de tudo isso, Francisco explica que a resposta à secularização não é se fechar, porque a Igreja não é uma fortaleza ou um potentado que olha o mundo com distância e suficiência. Há necessidade, em vez disso, de uma Igreja humilde como Jesus, que caminhe junto, que não se separe do mundo, mas que "habite nele". Há necessidade de uma Igreja que não se refugie na uniformidade e na rigidez, mas faça crescer a liberdade respeitando os caminhos de cada um. Uma Igreja criativa como os santos destas terras, Cirilo e Metódio, que inventaram um novo alfabeto para comunicar a fé ao povo. Encontrar novos "alfabetos" para anunciar o Evangelho, sem nostalgias de um passado que já passou, é a tarefa mais urgente para as Igrejas junto aos povos da Europa.

O carinho de Francisco às Irmãs e aos assistidos no Centro Belém, em Bratislava

Um carinho do Papa Francisco ao trabalho das Missionárias da Caridade na periferia de Bratislava e às crianças e pessoas necessitadas ali assistidas: "Quando estamos juntos, assim felizes, o Senhor está conosco. Ele também está conosco quando estamos em momento de provação. Nunca nos abandona", disse Francisco

Jackson Erpen - Cidade do Vaticano

Emoção, alegria, familiaridade e solidariedade: depois do almoço e descanso na Nunciatura Apostólica, o Papa dirigiu-se à periferia de Bratislava, mais especificamente ao Centro Belém, distante 8 km, administrado pelas Missionárias da Caridade. Foi o próprio Francisco que expressou o desejo de visitar o local para encontrar os pobres ali assistidos e conhecer o apostolado das irmãs.

O Santo Padre foi recebido no pátio pela Superiora às 16h10 (hora local), sendo saudado pelas demais religiosas presentes, de quem recebeu uma guirlanda azul. Antes de conhecer a estrutura, não conseguindo esconder sua alegria, dirigiu algumas palavras de agradecimento e encorajamento aos presentes, dizendo estar contente pela visita:

“Boa tarde a todos vocês. Estou contente em visitá-los, de estar entre vocês. Estou muito contente! Obrigado por me receberem. Agradeço muito as irmãs, o trabalho que fazem, trabalho de acolhida, de ajuda, de acompanhamento. Muito obrigado. Mas também agradeço aos pais, às mães que estão aqui com os jovens e agradeço a todos os jovens aqui presentes neste momento. E também o Senhor está conosco. Quando estamos juntos, assim felizes, o Senhor está conosco. Ele também está conosco quando estamos em momento de provação. Nunca nos abandona. O Senhor sempre está próximo de nós. Podemos vê-lo, podemos não vê-lo, mas sempre nos acompanha no caminho da vida. Não se esqueçam disso, sobretudo nos momentos difíceis. Muito obrigado, muito obrigado!”

Enquanto do lado de fora uma pequena orquestra e coral das crianças animava a visita, guiado pela Superiora o Papa conheceu o Centro, onde encontrou cerca de 30 pessoas que viviam pelas ruas e agora são acolhidas pelas Missionárias da Caridade. Alguns estão doente ou têm algum tipo de deficiência. Ao assinar o Livro de Honra, Francisco deixou a seguinte mensagem:

“Agradeço de coração pelo seu testemunho. Agradeço as pessoas que colaboram. Rezo por vocês. Por favor, façam o mesmo por mim. Que o Senhor vos abençoe e Nossa Senhora vos proteja.”

O Papa saiu depois alguns minutos, quando então deu atenção a uma Missionária da Caridade cadeirante. E então, dos microfones instalados no pátio, convidou os presentes a rezar uma Ave Maria e concedeu a todos a sua Bênção. No pátio também estavam colaboradores leigos que ajudam as irmãs, sacerdotes que trabalham regularmente no centro, alguns franciscanos, cadeirantes e famílias pobres vindas de outros lugares.

Para marcar a visita, o Santo Padre entregou às Irmãs um quadro em porcelanato de Nossa Senhora com o Menino Jesus segurando um cacho de uvas e a seguir, em um momento de forte emoção, caminhou entre os presentes - enquanto o pequeno coral cantava "Paradiso" - saudando e abençoando as crianças, suas famílias e os doentes, sendo retribuído com sorrisos, carinho e muitos agradecimentos. Francisco deixou o Centro às 16h38, para dirigir-se à Praça Rybné námestie para o encontro com a Comunidade Judaica.

 

O Centro Belém

O Centro Belém das Missionárias da Caridade está localizado no distrito de Petržalka, o maior da Europa Central, com seus 120 mil habitantes. Construído pelos comunistas nos anos 70-80, passou a ser chamado nos anos 90 de Bronx Eslovaco, devido à grande circulação de drogas e à violência difusa. Hoje, no entanto, a situação mudou, e não obstante os grandes conglomerados e a quantidades de moradores com dificuldades, é bom lugar de se viver, afirmou ao Vatican News o padre Juraj Vittek.

Ali, há mais de vinte anos, a comunidade internacional das religiosas de Madre Teresa de Calcutá, entre os altos edifícios de moradia social, cuida dos sem-teto, dos desamparados, das pessoas necessitadas de ajuda e sobretudo dos enfermos. A estrutura, uma pequena construção de dois andares, que já foi um jardim de infância, oferece um leito para dormir, refeições quentes e banheiros. No térreo, são atendidas as necessidades essenciais e há espaço para pernoites breves; no andar superior, um quarto está reservado para internações prolongadas ou para enfermos graves e, ao lado, há uma capela dedicada ao Imaculado Coração de Maria.

Graças à generosidade do povo, as irmãs conseguem garantir assistência, roupas e bens essenciais a quem vive na rua e bate à sua porta. Perto do Centro está a Igreja paroquial da Sagrada Família, consagrada em 2005 após a visita de São João Paulo II, quando em 2003 beatificou dois mártires do comunismo: Irmã Zdenka Schelingova e o bispo greco-católico Vasil Hopko.

O presente do Papa ao Centro Belém

Feito porcelanato, no contexto da moderna manufatura italiana, a iconografia incomum desta muito delicada Bem-Aventurada Virgem Maria com o Menino segurando um cacho de uvas, deriva de uma conhecida pintura do famoso Pierre Mignard, agora preservada no Louvre em Paris, embora uma versão mais antiga possa ser encontrada no painel central do famoso Polittico de Pisa, que Masaccio criou em 1426 para a ‘Chiesa del Carmine’ naquela cidade.

Em ambas as pinturas, de fato, o simbolismo da uva é destacado como o sangue eucarístico da paixão de Cristo, embora no Antigo Testamento os cachos da videira já simbolizassem não só alegria e amizade, mas também Israel, que é o povo de Deus.

Da mesma forma, portanto, se no Novo Testamento a vinha é o Reino dos Céus e seu fruto é a Eucaristia, então o verdadeiro tronco da videira de Deus é seu filho Jesus, que de fato no Evangelho de João (15, 1-8) assim se proclama: “Eu sou a videira e vós os ramos; quem permanece em mim dá muito fruto”.

Mas se a uva na Bíblia (e também na arte) se tornou progressivamente o sinal distintivo do Messias e de todos aqueles que o reconhecem e seguem, eis que a Virgem Maria é a "videira" fecunda por excelência, visto que Ela é a Esposa que introduziu o Rei dos Reis no mundo.

Este é, portanto, o tema desenvolvido pelo raro sujeito iconográfico da "Madonna dell’uva" (Nossa Senhora da Uva). Um tema que toca a todos nós, visto que por meio desse cacho estamos indissociavelmente ligados àquela "Videira" que é Cristo, pois é precisamente pela fidelidade dos "Ramos" que o seu sangue pode chegar até ao último grão.

Aquele vinho que na mesa eucarística se torna o sangue do Redentor é, além disso, o fruto de tantas uvas colhidas por toda a parte e espremidas na "prensa da provação". Um "vinho", um "sangue de uvas" - assim se diz em hebraico - que fala da unidade da Igreja, selada numa aliança baseada na caridade de Cristo.

O Premier e o presidente do Parlamento encontram o Papa na Nunciatura

As autoridades eslovacas, acompanhadas pelas respectivas familias, foram até a Nunciatura Apostólica saudar o Santo Padre.

Antes de se dirigir ao Centro Belém, periferia de Bratislava, o Papa Francisco encontrou-se na Nunciatura Apostólica com o arcebispo Róbert Bezák, emérito de Trnava, acompanhado de familiares.

Já por volta das 18 horas, hora local, foi a vez do Papa Francisco receber na Nunciatura Apostólica o presidente do Parlamento e sucessivamente o primeiro ministro, acompanhados pelos respectivos familiares.

A Sala de Imprensa da Santa Sé também informou que na tarde desta segunda-feira, antes de ir ao encontro com a comunidade judaica, o secretário de Estado, cardeal Pietro Parolin, acompanhado pelo secretário para as Relações com os Estados, Dom Paul Richard Gallagher, e pelo suplente, Dom Edgar Pena Parra, se reuniram com o primeiro-ministro da Eslováquia, Eduard Heger, no Palácio do Governo. O encontro durou cerca de 45 minutos. 

O primeiro ministro

O primeiro ministro da República Eslovaca, Sr. Eduard Heger, nasceu em Bratislava em 1976. Ele estudou Economia na capital eslovaca e depois de se formar passou um ano e meio nos Estados Unidos. De volta à sua terra natal, atuou de 2001 a 2005 como consultor do Ministério da Defesa. Até 2016 ocupou cargos de administração em diferentes empresas. De 2016 a 2020 foi membro do Conselho Nacional da República Eslovaca para o Partido conservador “Gente Comum e Personalidades Independentes” (OĽaNO). De 2020 a 2021 foi nomeado vice-primeiro-ministro e ministro das Finanças e em 1° de abril de 2021 foi eleito primeiro-ministro da República Eslovaca. Sr. Heger é casado e tem 4 filhos

O presidente do Parlamento

O presidente do Parlamento, ou o presidente do Conselho Nacional da República Eslovaca, Sr. Boris Kollár, nasceu em Bratislava em 1965. Formou-se no Ginásio Alexandra Markus Bratislava e entre 2010 e 2015 estudou e se formou na Universidade Central de Skalica. Em 2015, ele também fundou o partido nacionalista e conservador “Somos uma família” (Sme Rodina), que durante as eleições parlamentares eslovacas de 2016 conquistou 11 assentos no Conselho nacional. Em março de 2020, foi eleito presidente do Conselho Nacional da República Eslovaca. O Sr. Kollár tem 10 filhos.

Fonte: Vatican News