Fonte: Vatican News - Prof. Hanna Suchocka
A Pontifícia Comissão para a Proteção de Menores foi criada em 2104 como órgão consultivo ao serviço do Santo Padre. A tarefa da Comissão é "propor ao Santo Padre iniciativas voltadas à promoção da responsabilidade nas Igrejas particulares na proteção de todos os menores e adultos vulneráveis" (Estatuto, art. 1). Desde o início, a maior preocupação da Comissão foi encontrar a melhor maneira de proteger as crianças e ajudar o Papa e a Igreja a alcançar este objetivo. O papel da Comissão, no entanto, nunca foi o de assumir a responsabilidade por casos individuais de abuso (de competência, em vez disso, de uma autoridade judicial ou de um tribunal).
Logo ficou evidente que em muitos casos o comportamento da Igreja - voltado a defender a si mesma - a mergulhava cada vez mais em uma situação perigosa, causando ainda danos. O ressentimento mais profundo havia sido causado por aqueles que, em uma posição de autoridade, quiseram proteger a própria reputação e tentavam evitar escândalos encobrindo os abusadores, transferindo-os e, assim, provocando novos abusos de crianças em vez de sua proteção. A Comissão partilhou princípios gerais fundamentais, como a credibilidade, a transparência, a responsabilidade e a “accountability” [responsabilização ética]. Quem quer que seja responsável pelos outros deve responder, de maneira transparente, do modo como faz uso da própria autoridade; não é tolerado nenhum critério de auto regulamentação a portas fechadas, incluindo a gestão dos aspectos profissionais das funções pastorais, de ensino, de aconselhamento e de envolvimento da comunidade.
No primeiro período, a Pontifícia Comissão promoveu várias atividades e iniciativas que abordaram problemas gerais como o segredo pontifício e a obrigação de informar. Ao mesmo tempo, foram promovidas diversas iniciativas a nível local. A atenção se concentra substancialmente em áreas nas quais já se falava muito de abusos, como por exemplo o Chile. A Comissão está envolvida na organização de alguns projetos e conferências, como a Conferência Latino-Americana para a Proteção de Menores em 2017, organizada conjuntamente pela Pontifícia Comissão e pela Arquidiocese de Bogotá, com a participação da CLAR (Confederação Latino-americana de Religiosos), do CELAM (Conselho Episcopal Latino-Americano), das escolas católicas, de entidades governamentais, de ONGs internacionais e locais, de órgãos de informação internacionais e de Igrejas de outras denominações cristãs; ou como a verificação da condição da tutela na educação e na formação nas escolas católicas, com projetos-piloto iniciados na África do Sul, Colômbia, Índia, Filipinas e Tonga.
Nesta primeira fase, a Europa Central e Oriental manteve-se fora do principal campo de interesse da Comissão. Embora inicialmente parecesse que as Igrejas daquela região haviam sido poupadas desses problemas, infelizmente mais tarde tornou-se evidente que esse não era o caso.
A ideia - ou antes, a necessidade - de organizar uma conferência para esta área geográfica nasce no final de 2017, antes da cúpula internacional que se realizou no Vaticano. A conferência “Our common mission of safeguarding God’s children foi inicialmente programada para fevereiro de 2019 e depois adiada para 2020 devido ao encontro desejado pelo Papa Francisco no Vaticano, precisamente em fevereiro de 2019. Infelizmente, a pandemia (de Covid-19) não permitiu que fosse organizada nesse período - e eis o motivo pelo qual no final a Comissão aprovou a data de setembro de 2021 para a realização desta Conferência.
Já em 2017, havia ficado evidente que o fenômeno dos abusos sexuais tinha uma dimensão muito mais amplo (do que se pensava anteriormente) nos países da Europa Central e Oriental e que não se limitava a um único país. Por isso, a Pontifícia Comissão compreendeu a importância de organizar esta Conferência em um nível regional mais amplo. Além disso, precisamente em consideração à importância da Igreja polonesa, mas também em consideração ao número de casos que vieram à tona no país, decidiu-se realizar a conferência em Varsóvia, mas que esta não se concentraria unicamente na situação na Polônia.
Nesta região existem diversos países, diversas situações religiosas e diversas comunidades eclesiais. Não obstante essa diversidade, o problema do abuso sexual contra menores existe, em diferentes níveis, em toda a região. Para poder enfrentar os desafios, é necessária uma troca de experiências entre as Igrejas de toda a região. Na luta contra a chaga do abuso sexual contra menores e na prossecução do objetivo estatutário de promover as responsabilidades das Igrejas locais, a Pontifícia Comissão exprime toda a sua solidariedade às Igrejas da Europa Centro-oriental pelo seu empenho em prevenir e combater o mal originado pela traição de jovens de sua região. Uma forma de expressar essa solidariedade é oferecer oportunidades aos líderes das Igrejas se encontrem e aprender uns com os outros e com aqueles que têm particular experiência e/ou que se confrontaram com as realidades da crise em um espírito de comunhão e determinação para garantir que a Igreja seja um local seguro para os jovens. Outro objetivo da Conferência é a prevenção do fenômeno.
A Conferência “Our Common Mission” contará com a presença de representantes de quase todos os países da região da Europa Centro-Oriental: Polônia, Eslováquia, República Tcheca, Ucrânia, Romênia, Croácia, Bielo-Rússia, Hungria, Eslovênia, Lituânia, Letônia, Estônia, Rússia , Sérvia, Montenegro, Kosovo, Macedônia do Norte, Moldávia, Albânia, Bulgária, Alemanha (com Renovabis). Participarão de cada país pessoas designadas pelas respectivas Conferências Episcopais, incluindo coordenadores ou delegados da Conferência e representantes de Congregações religiosas.
O Motu proprio do Papa Francisco "Vos estis lux mundi", de 2019, que estabelece o procedimento que chama em causa as autoridades eclesiais, é o documento em que se baseia esta Conferência.
As circunstâncias mudaram desde a criação da Comissão. Duas fases podem ser distinguidas na maioria das Igrejas locais: a primeira, que vê a crescente tomada consciência do fato de que alguns sacerdotes abusaram de menores; a segunda, quando se torna evidente que a hierarquia da Igreja falhou gravemente em responder às denúncias recebidas. A sucessão de eventos em 2018, com acusações que envolveram líderes de alto nível na Igreja - como o cardeal Theodore McCarrick - e a negligência das autoridades eclesiais ao tratar as denúncias tiveram um importante impacto negativo na opinião pública no que diz respeito à credibilidade e à confiança na liderança da Igreja. A interpretação da lei no que se refere à responsabilidade de um superior pela ação de um subordinado mudou: isto significa que hoje é possível considerar responsável uma entidade jurídica eclesial pelos danos causados pelo abuso sexual de um sacerdote, mesmo que isso não tenha ocorrido "no âmbito de" um eventual cumprimento de um ofício canônico por parte do sacerdote, como o ensino da religião ou a administração de sacramentos. No âmbito da jurisdição eclesial, o Papa Francisco decidiu que se os bispos falham em sua tarefa, eles devem prestar contas disso. Esta crise requer uma reflexão teológica e canônica sobre a responsabilidade de um bispo diocesano em relação à garantia de prevenção, intervenção, justiça e reparação.
Nos países da Europa Centro-Oriental, cresce a consciência social e institucional dos problemas decorrentes do abuso sexual em menores. Também a Igreja (local) está tomando consciência desse problema. Ainda existe uma mentalidade arraigada de segredo e desconfiança, legado do passado comunista. É muito importante que este aspecto seja levado em consideração na Conferência.
- A partilha de experiências e a reflexão com o objetivo de saber como as Igrejas da Europa Centro-Oriental estão enfrentando o fenômeno dos abusos sexuais em menores;
- inspirar as autoridades da Igreja a assumir as responsabilidades devidas para enfrentar corretamente os abusos em menores, com uma resposta adequada aos crimes cometidos por membros do clero e aos graves erros das autoridades eclesiais, juntamente com um forte compromisso em favor da prevenção;
- promover nos países da Europa Central-Oriental uma melhor compreensão da posição da Santa Sé em relação aos abusos sexuais em menores cometidos por membros do clero;
- promover uma melhor compreensão nas instituições da Santa Sé em relação às necessidades das Igrejas da Europa Centro-Oriental de uma assistência particular para enfrentar o fenômeno dos abusos sexuais por parte dos sacerdotes;
- criar uma plataforma de colaboração e de intercâmbio regular entre os países da Europa Central e Oriental;
- promover a comunicação entre as autoridades eclesiais e os fiéis e a sociedade civil dos países da Europa Central e Oriental;
- a criação de um grupo de trabalho que represente uma plataforma para um futuro intercâmbio regular e colaborativo na construção de ambientes seguros para os menores.
Desde o início houve uma precisa convicção compartilhada por todos os membros da Comissão de que os âmbitos das boas práticas deveriam incluir programas de formação e de educação. Em tudo isso, um dos aspectos cruciais é a garantia do direito à informação. A informação existente é insuficiente: em particular, existem lacunas no campo jurídico. Entre as muitas iniciativas, o reconhecimento da verdade e da justiça como direito das vítimas tem uma importância muito grande e por esse motivo é necessário que sejam reconhecidos os padrões mínimos do direito à informação. Não existe Igreja local, em nenhuma parte do mundo, imune às consequências da tragédia do abuso sexual de menores. As lições do assumir responsabilidade e transparência, dadas por outras jurisdições, precisam ser aprendidas. O tema do direito à informação encontra-se numa fase inicial e será necessário um estudo longo e aprofundado que cumpra uma análise do seu funcionamento, mas também uma troca de experiências.
Isso demonstra claramente que esta Conferência representa o início e não o fim desta atividade e quer ser o início de iniciativas e ações conjuntas.
A Professora Hanna Suchocka é professora de Direito Constitucional e especialista em direitos humanos na Universidade de Poznan (Polônia). Foi primeira-ministra da República da Polônia de 1992 a 1993 e Embaixadora do país junto à Santa Sé de 2001 a 2013. Em 2018 foi reconfirmada pelo Papa Francisco como membro da Pontifícia Comissão para a Proteção de Menores.