1ª Leitura Is 35,4-7a | Salmo: Sl 145| 2ª Leitura: Tg 2,1-5| Evangelho: Mc 7,31-37
| MACAPÁ (AP) | Por Dom Pedro José Conti
Um rei indígena das Ilhas do Oceano Pacífico do Sul estava oferecendo um banquete em honra a um ilustre hóspede vindo da Europa. Quando chegou o momento de despedir-se do hóspede, sua Majestade ficou tranquilamente sentado no chão e um orador profissional, contratado para aquela ocasião, esmerou-se nos elogios. Depois daquele eloquente discurso, o hóspede se levantou para dizer, também, algumas palavras de agradecimento ao rei. Esse, porém, o segurou e lhe disse: “Por favor, não se levante. Contratei um orador para o senhor também. Na nossa Ilha, não acreditamos que amadores possam ter condição de fazer discursos públicos”.
Iniciamos o mês de setembro. Tradicionalmente, aqui no Brasil, esse é o mês da Bíblia. Por coincidência, a página do evangelho da Liturgia deste primeiro domingo nos apresenta a cura, por parte de Jesus, de “um homem surdo que falava com dificuldade” (Mc 7,32). Jesus cumpre alguns gestos, talvez rituais ou, ao menos, simbólicos, como, por exemplo, colocar os dedos nos ouvidos do homem surdo. Depois, ele “suspira” e pronuncia a famosa palavra que o evangelista transmitiu, provavelmente, na língua original: “efatá”, “Abre-te”. Ao pronunciar essa palavra, diz o evangelho, “imediatamente” os ouvidos do homem se abriram, sua língua se soltou e ele começou a falar sem dificuldade (Mc 7,35). Jesus pede aos presentes para não espalhar o acontecido, mas o povo não se contém. “Muito impressionados”, eles louvam a Deus e divulgam a notícia repetindo as palavras da profecia messiânica de Isaías: “Aos surdos faz ouvir e aos mudos falar” (Is 35,5). Se refletirmos sobre o que acreditamos, ou seja, que Jesus é a Palavra de Deus feita carne, a mensagem do evangelho deste domingo fica clara: não adianta que nos seja oferecida a Palavra “viva” se depois deixamos de escutá-la e divulgá-la. Jesus não quer discípulos de ouvidos tapados e boca fechada. Com efeito, no final da sua missão terrena ele enviará os apóstolos pelo mundo inteiro para que proclamem o Evangelho a toda criatura (Mc 16,15).
Todos os batizados são chamados, portanto, a serem discípulos-missionários. Todos precisamos ser, incansavelmente, ouvintes da palavra, para aprendermos com Jesus, o “mestre”, e, ao mesmo tempo, sermos testemunhas corajosas da fé luminosa e da alegre esperança que recebemos em dom.
Conhecemos bem as motivações que levantamos para desistir dos nossos compromissos de batizados. A primeira desculpa é que a Bíblia é difícil e que não temos condição de entender palavras que vieram de tão longe no tempo e nas situações. Sem dúvida, precisamos conhecer melhor aqueles momentos, os saberes e as crenças que aquelas pessoas tinham. Por isso, ter mais familiaridade com a Bíblia significa, também, saber situar os textos nas devidas circunstâncias, mas devemos reconhecer que as grandes perguntas da vida humana continuam as mesmas: de onde viemos e para onde vamos? Como distinguir o bem do mal? Por que é melhor amar que odiar, doar vida e não causar morte? O ser humano pode ser feliz? E assim por diante. Somente quem desiste de pensar, refletir e se questionar, pode achar a surpreendente sabedoria da mensagem bíblica algo arcaico e superado. A Palavra de Deus continua de uma atualidade extraordinária, porque Deus, afinal, nos conhece mais do que a nós mesmos e sempre sabe se comunicar com quem nele confia amorosamente. Algo semelhante vale para a transmissão da Palavra. É a segunda desculpa, aquela de não saber falar. Precisa de humildade suficiente para reconhecer que aprendemos com o Senhor e que não fomos nós a inventar aquela mensagem de vida plena, de misericórdia e consolação. Não precisamos, porém, fazer discursos sofisticados. Hoje, como sempre foi, falam mais alto o testemunho e o exemplo das nossas vidas. Valem a nossa fidelidade, a coerência e a participação na comunidade. Deixemos a retórica aos profissionais pagos para defender, ou confundir, qualquer ideia, para fazer aparecer novo o que já é velho. A Palavra de Deus não é uma opinião qualquer, é “luz” para o nosso caminhar (Sl119,105). Confiemos!
Fonte: Diocese de Macapá